Milei desvaloriza peso, suspende obras públicas e corta subsídios na Argentina

Novo ministro da Economia anuncia maxidesvalorização da moeda, com dólar a 800 pesos, e culpa 'vício em déficit'

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Buenos Aires

O governo do ultraliberal Javier Milei anunciou um duro pacote de medidas econômicas com o objetivo de conter a crise e a inflação na Argentina.

O novo presidente vai desvalorizar fortemente o peso, suspender todas as obras públicas, reduzir subsídios de energia e transporte, enxugar repasses às províncias, liberar importações e aumentar temporariamente impostos.

O dólar oficial, que vale 366 pesos no país vizinho hoje, subirá quase 120% e será fixado em 800 pesos. Com isso, o dólar paralelo "blue" e todos os preços nas ruas também devem subir.

Para amortecer os efeitos dessas mudanças, os programas sociais à população mais pobre serão ampliados: as mensalidades pagas por filho subirão 100%, e os cartões-alimentação, 50%.

Javier Milei, novo presidente da Argentina, faz seu primeiro discurso após tomar posse na escadaria do Congresso Nacional, em Buenos Aires - Luis Robayo - 10.dez.2023/AFP

Uma lista de dez medidas foi anunciada, na noite desta terça (12), em uma mensagem gravada pelo novo ministro da Economia, Luis Caputo, que foi ministro das Finanças do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019).

O vídeo foi exibido com duas horas de atraso porque Caputo teve de regravá-lo, segundo a imprensa argentina, o que gerou grande ansiedade na mídia e na população.

"Nós sempre focamos em solucionar as consequências, e não a raiz do problema", afirmou ele, argumentando que a causa da inflação crônica do país é, fundamentalmente, o que chamou de "vício no déficit fiscal". Ou seja, uma "cultura política de gastar sempre mais do que se arrecada".

"Agora o que viemos fazer é o oposto ao que foi feito sempre. Solucionar esse problema de raiz justamente para não ter de padecer mais dessas consequências, da inflação e da pobreza", disse, após fazer uma longa explicação sobre o que é o déficit e a emissão de moeda.

Caputo citou como exemplos os gastos de uma casa e até laranjas. Também admitiu que o país "vai estar pior que antes por alguns meses". "Como diz o presidente, é melhor dizer uma verdade incômoda que uma mentira confortável", declarou.

Ele então elencou as dez medidas, que são:

  1. Contratos de trabalho do Estado com menos de um ano de vigência não serão renovados
  2. Verba oficial para os meios de comunicação será suspensa por um ano
  3. Ministérios serão reduzidos de 18 para 9, e secretarias, de 106 para 54
  4. Transferências para as províncias que não são obrigatórias serão reduzidas ao mínimo
  5. Novas obras públicas não serão licitadas, e as licitadas e não iniciadas serão canceladas
  6. Subsídios de energia e transporte serão reduzidos
  7. Plano de geração de empregos e inclusão social chamado "Potenciar Trabajo" será mantido
  8. Câmbio oficial será desvalorizado para 800 pesos, com aumento temporário do imposto sobre importações e exportações não agrícolas
  9. Sistema de importações será eliminado e substituído por um sistema automatizado, sem necessidade de autorização prévia
  10. Benefício social por filho será duplicado, e cartão-alimentação será aumentado em 50%

O Fundo Monetário Internacional (FMI) elogiou as medidas "ousadas". "Uma implementação decisiva ajudará a estabilizar a economia e a estabelecer as bases para um crescimento mais sustentável e liderado pelo setor privado", disse em nota o órgão, com o qual a Argentina contraiu um empréstimo de US$ 44 bilhões.

O anúncio era aguardado pelo mercado e pela população desde esta segunda (11). Sem saber quais seriam as primeiras medidas de Milei, e portanto o que aconteceria com o dólar depois de sua posse, muitos argentinos aceleraram a estocagem de produtos duráveis nas últimas semanas, como é comum no país em épocas de incertezas.

Os preços em geral subiram 143% em 12 meses até outubro, mas se espera um aumento ainda mais expressivo para novembro e dezembro, uma vez que, sem referência, as mercadorias e os serviços estão com valores muito voláteis e sendo constantemente remarcados nas ruas.

Acordos para limitar os preços feitos pelo ex-ministro Sergio Massa com empresários, que teoricamente durariam até o fim do mês, já não existem na prática.

Bancos também adiaram o vencimento das faturas dos cartões de crédito ou aumentaram a cotação do dólar cobrada, já prevendo uma desvalorização pela nova gestão.

Mais cedo, o porta-voz do governo, Manuel Adorni, já havia anunciado os cortes na propaganda oficial, a redução de 34% dos cargos públicos federais, o fim do home office para o funcionalismo e uma revisão de todos os contratos do Estado.

O porta-voz falou em acabar com o "emprego militante" e repetiu que o governo tratará protestos com o mantra: "Dentro da lei tudo, fora da lei nada", gerando a reação de sindicatos, que já marcaram um grande ato para os dias 19 e 20.

O Banco Central, agora presidido pelo economista Santiago Bausili, convocou uma reunião com os bancos na manhã desta quarta (13) para falar sobre o pacote de medidas antes da abertura dos mercados.

Bausili também foi subsecretário e secretário de Finanças de Macri, que apoiou Milei no segundo turno e pretende ajudar na sua governabilidade.

HISTÓRICO DE CRISES

A Argentina passa por sua terceira grande crise econômica em 40 anos de democracia, completados no último domingo.

A situação é causada por um déficit fiscal que já dura 13 anos, uma dívida pública que representa 88% do PIB, falta de dólares nos cofres públicos e impressão de moeda que fazem a inflação explodir.

O país vizinho foi o que mais tentou planos de estabilização malsucedidos na região nos últimos 50 anos —o Brasil vem segundo lugar.

Foram sete fracassos (entre 1976 e 2018), quatro sucessos temporários que duraram um ano e meio, e um sucesso mais longo, em 1991, mas que teve um fim trágico na grande crise de 2001.

Durante a campanha eleitoral, Milei prometeu que quebraria esse ciclo transformando os dólares na moeda corrente do país e fechando o Banco Central. Mas, depois que foi eleito, ele baixou o tom sobre essas propostas e nomeou um ministro da Economia que é conhecidamente contra a dolarização.

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