Descrição de chapéu Congresso Nacional

Pacheco diz ver MP com 'estranheza' e afirma que fará análise antes de decidir sobre tramitação

Governo adiou vigência de medida de última hora para evitar questionamentos; parlamentares querem devolução de proposta

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Brasília

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse ver com "estranheza" a MP (medida provisória) do governo que prevê a reoneração gradual da folha de pagamentos e afirmou, por meio de nota, que analisará a proposta para decidir se ela tramitará ou não na Casa.

"Farei uma análise apurada do teor da medida provisória com o assessoramento da consultoria legislativa do Senado Federal. Para além da estranheza sobre a desconstituição da decisão recente do Congresso Nacional sobre o tema, há a necessidade da análise técnica sobre os aspectos de constitucionalidade da MP."

Pacheco também avisou que pretende ouvir os líderes da Câmara e do Senado porque há um contexto "de reação política" à edição da medida provisória que precisa ser levado em conta.

"Somente depois de cumprir essas etapas é que posso decidir sobre a sua tramitação no Congresso Nacional, ou não", informou o presidente do Senado.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). - Pedro Ladeira -22.11.2023/Folhapress

Pacheco foi avisado por Fernando Haddad (Fazenda) de que o governo publicaria a MP, mas alertou o ministro de que a iniciativa poderia sofrer resistência de parlamentares.

Na conversa, o senador o comunicou que consultaria os líderes da Casa assim que possível a respeito da tramitação da MP, publicada nesta sexta (29) no Diário Oficial da União. Pacheco previu a irritação dos senadores e deputados por se tratar de um assunto que já foi analisado pelo Congresso.

De acordo com pessoas próximas, Pacheco não se comprometeu com Haddad. Ele nem disse se manteria a tramitação da proposta, nem se devolveria a peça ao governo. Apesar disso, ministros do governo apostam que ele dará tramitação normal à medida provisória.

Parlamentares demonstraram resistência ao plano de Haddad desde que ele foi anunciado, na quinta (28). Nesta sexta, a FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo), formada por 205 deputados e 46 senadores, solicitou a Pacheco por meio de ofício que ele devolva ao governo a medida provisória.

Uma das reclamações dos parlamentares é quanto ao instrumento usado pelo governo, uma medida provisória, que prevê a revogação da lei que foi aprovada pelo Congresso da desoneração da folha, e cujos efeitos começam a partir de 1º de abril de 2024.

A iniciativa foi vista como uma tentativa de Haddad impor a agenda dele aos parlamentares e classificada como afronta já que o próprio Congresso derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto da desoneração da folha.

Inicialmente, os efeitos da MP entrariam em vigor já em 1º de janeiro. No ato do anúncio, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, sinalizou que a medida poderia valer a partir do início do próximo ano.

No entanto, a área jurídica do governo –formada por AGU (Advocacia Geral da União) e SAJ (Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil)– disse que para evitar qualquer questionamento à medida seria ideal aplicar o princípio da noventena.

A noventena prevê que qualquer mudança relativa a tributos precisa de 90 dias para entrar em vigor, contados a partir da publicação da norma. A mudança foi feita na noite de quinta (28), na véspera da publicação da MP.

Essa alteração contrariou os técnicos da Fazenda, que veem a reoneração como uma nova sistemática de benefício fiscal, mas prevaleceu a análise da área jurídica do governo. A MP está agora "bastante blindada" de questionamentos, avaliam integrantes do governo.

A decisão de editar uma medida provisória foi tomada, segundo ministros, para evitar que o governo tivesse que ir ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a lei da desoneração que foi aprovada pelo Congresso.

O presidente Lula (PT) chegou a vetar o projeto de lei aprovado pelos parlamentares, mas o ato do Executivo foi derrubado em dezembro pelo Congresso. Por isso, a edição da MP irritou os congressistas.

A mudança acaba também por facilitar também a negociação com os parlamentares. A equipe econômica espera em até 90 dias reduzir a resistência dos parlamentares à medida e chegar a um acordo.

"Essa medida provisória da desoneração da folha editada pelo governo, é uma afronta ao poder Legislativo. Essa matéria foi votada neste ano por duas vezes na Casa. Houve o veto. O veto foi derrubado nas duas Casas por ampla maioria, mostrando a vontade legislativa que representa a população desse país", avaliou em nota o presidente da FPE, deputado Joaquim Passarinho (PL-PA).

O parlamentar afirma que, caso a medida de Haddad seja levada adiante, os 17 setores da economia que mais empregam no país sofrerão aumento de carga tributária.

A FPE contesta os argumentos do Executivo para elaborar a medida e diz que, segundo estudos com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), entre 2018 e 2022, os setores que tiveram a desoneração da folha aumentaram em 15,5% o número de empregos, ao passo que aqueles que foram reonerados tiveram crescimento de 6,6%.

Os efeitos da MP começam a valer em 1º de abril de 2024, até quando o governo pretende convencer os parlamentares a aprová-la. Até lá, continua valendo a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia beneficiados.

Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, entre outros.

Veja os 17 setores afetados

  • calçados

  • call center

  • comunicação

  • confecção e vestuário

  • construção civil

  • couro

  • empresas de construção e obras de infraestrutura

  • fabricação de veículos e carrocerias

  • máquinas e equipamentos

  • projeto de circuitos integrados

  • proteína animal

  • têxtil

  • tecnologia da informação

  • tecnologia de comunicação

  • transporte metroferroviário de passageiros

  • transporte rodoviário coletivo

  • transporte rodoviário de cargas

A medida anunciada por Haddad nesta semana prevê a criação de dois grupos de empresas beneficiadas com alíquotas reduzidas sobre o primeiro salário mínimo.

A contribuição patronal será de 10% para o primeiro grupo, que inclui atividades de transporte, rádio, televisão e tecnologia da informação.

Para o segundo grupo, que inclui atividades do mercado editorial, da indústria têxtil, de couro e de calçados, além de empresas da construção civil e de obras de infraestrutura, a tributação será de 15% na faixa de até um salário mínimo de seus funcionários. Sobre a parcela que exceder esse valor será aplicada a alíquota padrão, de 20%.

Até 2027 haverá a gradual recomposição das alíquotas sobre o primeiro salário mínimo, de maneira diferenciada para cada grupo.

Procurado para saber se devolveria a MP, o presidente do Senado não respondeu.

Caso Pacheco decida devolver a medida provisória ao governo, a iniciativa não seria inédita. Em 2015, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), que reduzia o benefício fiscal da desoneração da folha a 56 segmentos da economia.

O benefício da desoneração da folha foi criado em 2011, no governo Dilma Rousseff (PT), e teve sucessivas prorrogações.

O senador Efraim Filho (União Brasil-PB), que foi autor do projeto de desoneração da folha na Casa, e os integrantes da FPE defendem que a questão seja discutia por meio de um projeto de lei, dando a possibilidade de ser debatida no Congresso.

"É uma tentativa de impor uma agenda por meio de uma medida provisória numa matéria que o governo não teve votos suficientes no plenário. Não é por aí", disse.

"Se o governo quer dialogar com propostas alternativas, o caminho seria um projeto de lei, não uma medida provisória, porque ela é uma imposição de agenda", continuou.

Com a MP, também deixa de valer a partir de 1º de abril de 2024 o dispositivo inserido pelo Senado que prevê benefício tributário para prefeituras de municípios com até 142 mil habitantes.

A medida gerou reação da CNM (Confederação Nacional de Municípios), que criticou a decisão do governo de revogar o benefício sem apresentar alternativas, como fez em relação aos 17 setores beneficiados pela desoneração da folha de pagamento.

Em nota, a entidade disse que estuda medidas para atuação em favor dos municípios e que pressionará o governo Lula por respostas.

"Todos os esforços serão empregados para que a União apresente, de fato, uma solução. Para a CNM, também é questionável a suspensão, no último dia útil do ano, de um tema amplamente debatido e validado pelo Congresso Nacional, surpreendendo negativamente os gestores locais", disse.

Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, a decisão do governo Lula sobrecarrega as contas públicas municipais e reforça a crise financeira. "A crise é estrutural. Não é da prefeitura, é do cidadão brasileiro, que sofre com todo desarranjo dos últimos tempos das políticas equivocadas dos governos", afirmou.

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