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Fundos da Reforma Tributária geram risco fiscal para a União, diz órgão do Senado

Haddad disse que aporte de R$ 60 bi ao ano é 'suportável', mas órgão do Senado prevê necessidade de esforço adicional

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Brasília

Os valores previstos na Reforma Tributária para abastecer fundos de compensação a estados e contribuintes pelo fim de benefícios fiscais do ICMS devem gerar riscos fiscais adicionais para a União, sobretudo no médio prazo, alerta a IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado.

Em nota técnica assinada pelo analista Eduardo Nogueira, o órgão afirma que os ganhos econômicos e de arrecadação decorrentes da mudança no sistema tributário serão, num primeiro momento, insuficientes para cobrir sozinhos os custos de financiamento desses fundos.

O plenário do Senado Federal durante votação da Reforma Tributária - Pedro Ladeira - 08.nov.2023/Folhapress

"Identificamos esse problema de descasamento", afirma Nogueira. Segundo ele, a reforma estabelece desde já os valores e a data de início dos desembolsos (2025), mas os benefícios econômicos só devem começar a ser sentidos na próxima década, a partir de 2033, quando houver a transição plena para o novo modelo de tributação sobre o consumo.

"No curto e médio prazo, vai ter que ter um aumento no esforço fiscal do governo [para bancar os fundos]", diz o analista.

A PEC (proposta de emenda à Constituição) prevê a criação de quatro fundos, dois deles com valores já definidos. O fundo de compensação de benefícios fiscais vai receber R$ 160 bilhões entre 2025 e 2032 e foi concebido para ressarcir empresas contempladas por incentivos do ICMS no período de migração dos impostos atuais para o novo sistema.

Já o FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), cujo objetivo é bancar novos incentivos nos estados, terá um primeiro aporte de R$ 8 bilhões em 2029. O valor crescerá até R$ 40 bilhões em 2033 e alcançará R$ 60 bilhões por ano a partir de 2043.

Os montantes ainda serão corrigidos pela inflação, garantindo a manutenção do patamar real dos incentivos mesmo num cenário mais adverso de arrecadação ou PIB (Produto Interno Bruto). Para se ter uma ideia, a IFI calcula que o desembolso da União em preços correntes será de R$ 106,7 bilhões a R$ 136 bilhões em 2043.

"A grande questão foi avaliar a premissa do governo de que a Reforma Tributária pagaria os custos desses fundos", diz Nogueira. No longo prazo, segundo o analista, é possível que a reforma proporcione crescimento econômico adicional em medida suficiente para cobrir o esforço fiscal adicional.

"Só que no curto prazo identificamos esse problema de descasamento. O aporte total [dos dois fundos] começa em 2025 e sai de R$ 8 bilhões para R$ 40 bilhões em quatro anos, é bastante significativo. Vai ter que ter um aumento no esforço fiscal do governo", alerta.

Na versão aprovada pela Câmara dos Deputados, o valor do FNDR crescia só até R$ 40 bilhões, mas foi elevado a R$ 60 bilhões pelos senadores, em acordo com o Ministério da Fazenda.

Na época, o ministro Fernando Haddad minimizou o impacto do aumento extra de R$ 20 bilhões, que só será efetivamente sentido daqui duas décadas —ou seja, em um futuro governo.

"É um valor pequeno por ano. Em um Orçamento de R$ 2 trilhões de hoje, ter R$ 2 bilhões de incremento anual me pareceu um pleito justo dos governadores. Nós resolvemos acatar. Ficaram os R$ 40 bilhões e, depois da transição feita a cada ano, um aporte adicional", disse Haddad na ocasião do anúncio, no fim de outubro.

"Se comparar com outros fundos, vai ver que é uma coisa absolutamente suportável e que faz sentido", acrescentou.

As conclusões da IFI, no entanto, mostram que os custos devem pressionar as contas do governo no médio prazo, horizonte que compreende o período entre 2024 e 2033.

No cenário-base, traçado sob premissas com mais chances de se concretizar, o crescimento econômico adicional para bancar os dois fundos oscilaria entre 0,4% e 1,8% ao ano no período. Em um cenário pessimista, o intervalo se manteria nesses valores, mas com um número maior de anos em que a demanda seria por expansão de 1,8%.

O ponto central da discussão é que, nos primeiros anos da reforma, os ganhos devem ficar abaixo disso —algo que já é esperado pelos técnicos do governo e pelos economistas. Os impactos positivos sobre produtividade e crescimento devem ficar mais significativos apenas a partir da década de 2030, quando o novo sistema estiver plenamente implementado.

"No médio prazo, é provável que a União tenha que arcar com repasse aos fundos, diante de um cenário no qual os ganhos de produtividade não tenham iniciado ou sejam muito pequenos", diz a nota da IFI.

Nogueira lembra ainda que a reforma prevê outros dois fundos, um para a sustentabilidade e diversificação econômica do Amazonas e outro para apoiar os estados do Acre, Rondônia, Roraima e Amapá. Para esses, o valor do aporte ainda não está definido e representará fonte adicional de pressão fiscal no futuro.

Em junho, o economista Manoel Pires, coordenador do Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), também havia apontado como o tamanho dos fundos pode consumir parcela significativa dos ganhos de arrecadação decorrentes do impulso econômico da reforma.

Embora as simulações tenham sido feitas antes das votações da proposta na Câmara e no Senado, elas ilustram o descasamento dos impactos. Segundo Pires, mesmo que haja um crescimento adicional de 5% até 2034, os ganhos seriam insuficientes para financiar o FNDR com aportes de R$ 50 bilhões ao ano —valor inferior ao que ficou estabelecido no texto.

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