Pacote de Haddad para aumentar arrecadação gera insegurança, dizem setores

Medidas para compensar renúncia fiscal e reforçar o caixa da União devem entrar em vigor em 1º de janeiro

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São Paulo

Representantes de setores afetados pelo pacote do ministro Fernando Haddad (Fazenda), com novas medidas tributárias para aumentar a arrecadação, receberam o anúncio desta quinta-feira (28) com preocupação.

O pacote fará parte de uma MP (medida provisória), que entrará em vigor após sua publicação –o que deve acontecer ainda neste ano. Os setores afirmam que as propostas geram insegurança jurídica e colocam empregos em risco, ainda que economistas reconheçam o potencial de arrecadação das medidas.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em Brasília
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em coletiva em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Uma das mudanças consiste em reonerar de forma gradual a folha de pagamento por atividade econômica, como alternativa à prorrogação do benefício integral até dezembro de 2027. Uma vez publicada, a MP vai revogar a lei que renova a desoneração da folha promulgada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta quinta.

Também faz parte do plano limitar a 30% a compensação tributária com decisões judiciais acima de R$ 10 milhões. Atualmente, não há limite. Outra medida é sobre a retirada gradual dos benefícios fiscais do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), que foi implementado durante a pandemia.

Entre os 17 setores da economia beneficiados pela desoneração está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, entre outros.

Veja os 17 setores afetados

  • calçados

  • call center

  • comunicação

  • confecção e vestuário

  • construção civil

  • couro

  • empresas de construção e obras de infraestrutura

  • fabricação de veículos e carrocerias

  • máquinas e equipamentos

  • projeto de circuitos integrados

  • proteína animal

  • têxtil

  • tecnologia da informação

  • tecnologia de comunicação

  • transporte metroferroviário de passageiros

  • transporte rodoviário coletivo

  • transporte rodoviário de cargas

O consultor jurídico da ABT (Associação Brasileira de Telesserviços), Cláudio Tartarini, avalia que a MP pega os setores de surpresa e gera insegurança. "A empresa não sabe o que está valendo, essas idas e vindas em políticas públicas tornam a política pública ineficiente. A lei foi aprovada com ampla maioria, foi objeto de veto do Executivo, e esse veto foi rejeitado. Usar uma MP quando o processo legislativo já ocorreu, para mim, é inconstitucional."

Ele também afirma que o setor pedirá a manutenção do que foi aprovado pelo Congresso. "O governo poderia fazer uma proposta de projeto de lei, como está previsto na reforma tributária, para que tenha tempo de ser discutida. O setor quer que tenha esse debate, mas não numa medida provisória."

Fernando Valente Pimentel, diretor-superintendente e presidente emérito da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) cobra transparência dos gastos, para que os contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, possam monitorar como estão sendo utilizados os impostos que pagam.

O senador Efraim Filho (União-PB), autor do projeto de lei da desoneração, diz que a edição da MP contraria uma decisão tomada por ampla maioria do Congresso Nacional e que a medida sofrerá resistência.

"Além disso, ela traz insegurança jurídica para o empreendedor brasileiro, que no dia 1º de janeiro ficará sem saber qual regra seguir, se a da MP ou da lei aprovada pelo Congresso. A MP não é o melhor caminho, um projeto de lei, com essas propostas de alteração, dando tempo e prazo para o debate das ideias, seria um sinal de que o governo quer o diálogo."

Em nota, a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) afirma que "limitar a desoneração da folha de pagamentos, reduzir ou até mesmo acabar não é adequado para a prosperidade da economia brasileira. Não há mais espaço para aumentar os encargos sobre a população e sobre as empresas".

O presidente da Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), Flávio Roscoe, chamou as medidas de "equívoco extraordinário".

Ele afirma que a desoneração é sobre o trabalho, porque penaliza os setores que mais empregam. "Quem trabalha e produz no Brasil paga imposto e vem sendo chamado para pagar mais imposto a todo momento para cobrir o déficit fiscal, mas quem produz no exterior não paga imposto. Esse é um equívoco que precisa ser corrigido e esperamos ter interlocução urgente com o governo."

Sobre a limitação das compensações tributárias, Roscoe disse que retira direitos já adquiridos no Judiciário. "Decisão judicial é algo incondicional, já é a última instância, já houve recursos administrativos ou questionamentos por parte do fisco na Justiça. Agora a empresa ganha e não pode compensar. É um equívoco extraordinário", diz.

Para Cristiane Schmidt, consultora sênior do Banco Mundial, independentemente do mérito da MP, é preciso lembrar que o Congresso votou por uma prorrogação da desoneração dos 17 setores até 2027. "Encaminhar uma medida provisória sobre o mesmo assunto parece uma afronta do governo. Talvez fosse melhor encaminhar um projeto de lei em 2024."

"Haverá provavelmente insegurança jurídica em se ter uma lei e uma MP contrárias ao mesmo tempo, e também um problema arrecadatório. O ministro quer mais fontes de receita para tentar cumprir a meta por ele traçada, mas tem que passar pelas regras da anualidade e noventena e imagino que seja essa a razão de sua pressa de tentar uma MP ainda em 2023."

Ela acrescenta que é preciso avaliar se a medida faz sentido do ponto de vista econômico. "Na minha opinião, deveria haver uma reforma completa sobre a contribuição sobre a folha, que alcançasse não a 17 setores apenas. Estas benesses para uns, não valendo para outros, são distorcivas e em geral não trazem o benefício social esperado ao empregado."

Já o economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Felipe Salto, avalia que o conjunto das medidas anunciadas faz sentido.

"Do ponto de vista de potencial arrecadatório, a limitação das compensações tributárias é a mais promissora. Vejo com bons olhos a redução de cinco para dois anos no caso do Perse e também as alterações no programa de desoneração da folha. Vale dizer, o desafio fiscal de 2024 é bastante intrincado, e o governo tem à frente a tarefa de reduzir o déficit de um ano a outro."

Sobre a proposta para a cota patronal, ele diz que o emprego formal só vai aumentar com robustez com a elevação da taxa de investimento da economia, o que depende de investimentos públicos de boa qualidade, e não de desoneração da folha. "De todo modo, a focalização na faixa do mínimo é boa para estimular, sim, a contratação nesse nicho onde a informalidade pode ser grande."

"Os 17 setores empregam menos que o comércio, apenas 9% da força de trabalho do país, não há razão para ser além de um lobby muito forte. A ideia de desonerar os salários mais baixos e começar a reonerar aos poucos também vai na direção correta. O certo é que todos os setores paguem a mesma quantidade de impostos", avalia Roberto Troster, ex-economista da Febraban (federação que representa os bancos).

Para advogados tributaristas consultados pela Folha, as medidas são preocupantes e demonstram desespero do governo federal para cumprir a meta orçamentária.

"As empresas não vão deixar passar em branco. Vai ter discussão judicial. Em vez de gerarem o aumento de receita pretendida, poderão somente fomentar ainda mais o contencioso administrativo e judicial", diz Henrique Erbolato, sócio da área tributária do Santos Neto Advogados.

Segundo Thais Veiga Shingai, sócia de Mannrich e Vasconcelos Advogados, muitas empresas serão afetadas pela limitação da compensação tributária. "A previsibilidade também é muito importante para as empresas assim como para a União. As empresas que já têm o crédito habilitado para 2024 e agora não poderão mais usá-lo terão o fluxo de caixa impactado", diz.

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