O que a 'cidade dos carros elétricos' da China diz sobre a economia do país

Hefei liderou o país na fabricação de tecnologias, mas ainda não escapou da crise imobiliária generalizada

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Keith Bradsher Joy Dong
Hefei (China) | The New York Times

Fábricas ultramodernas produzem carros elétricos e painéis solares em Hefei, um centro industrial no coração da China central. Avenidas largas ligam arranha-céus e parques paisagísticos. Linhas de metrô são abertas em um ritmo acelerado.

No entanto, no mercado de materiais de construção de Hefei, que ocupa 10 quarteirões da cidade, os comerciantes locais estão pessimistas. Wu Junlin, um vendedor de portas, fechou duas de suas três lojas e demitiu onze de seus doze funcionários.

"Faço isso há 20 anos; depois de todos esses anos, este ano é o pior", disse ele, sentado em sua última loja sem clientes à vista.

Nenhum lugar mostra melhor as oportunidades e vulnerabilidades da economia da China do que Hefei.

Hefei, no centro da China, cidade que liderou o país na fabricação de veículos elétricos
Hefei, no centro da China, cidade que liderou o país na fabricação de veículos elétricos - Qilai Shen - 27.nov.2023/The New York Times

O crescimento direcionado pelo governo em setores como veículos elétricos e painéis solares transformou a China na superpotência mundial de exportação, tornando Hefei um modelo para outras cidades chinesas.

Mas uma queda nacional no setor imobiliário devastou as finanças de milhões de famílias e pequenas empresas —incluindo em Hefei.

Hefei e cidades vizinhas se tornaram um polo de fabricação de veículos elétricos, com a produção total de carros quase triplicando desde 2019 e agora superando a de Michigan.

As políticas industriais de Hefei foram tão bem-sucedidas na promoção de fabricantes de tecnologia que o governo central do país adotou os princípios do que é conhecido como o modelo Hefei.

Agora, tantas cidades estão subsidiando fábricas de veículos elétricos que o setor enfrenta uma grave supercapacidade e pesadas perdas.

"Algumas localidades e empresas ainda estão lançando e duplicando projetos de veículos de energia nova de forma cega —isso requer nossa grande atenção, e medidas eficazes devem ser tomadas para resolvê-los", disse Xin Guobin, vice-ministro do Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China, em uma coletiva de imprensa na semana passada.

O modelo Hefei consiste em usar dinheiro do governo para comprar ações recém-emitidas de fabricantes e startups que precisam de dinheiro.

Os funcionários também organizam empréstimos com taxas de juros atrativas de bancos controlados pelo Estado para financiar novas fábricas.

Ao longo de duas décadas, Hefei foi transformada pelas apostas do governo municipal em empresas como o BOE, fabricante de painéis de tela plana, e a Nio, fabricante de carros elétricos.

Quando a Nio quase ficou sem dinheiro em 2020, o governo de Hefei injetou US$ 1 bilhão por uma participação de 24% e os bancos controlados pelo Estado injetaram mais US$ 1,6 bilhão.

Capital provincial em uma área agrícola anteriormente empobrecida, Hefei saltou nas classificações de renda das cidades chinesas. Quadros do governo local, economistas urbanos e investidores institucionais visitam Hefei para estudar seus métodos.

Hefei possui uma holding municipal de US$ 86 bilhões que investiu em empresas com dificuldades, mas tecnologicamente avançadas.

A holding, a quarta maior desse tipo na China, compra ações de empresas a preços baixos quando poucos outros investidores as querem.

Essas empresas às vezes se recuperam, como a BOE Technology e a Nio fizeram após os investimentos de Hefei.

A cidade então oferece incentivos para os fornecedores e clientes dessas empresas se mudarem também para Hefei, disse Li Bo, professora assistente na Faculdade de Administração Guanghua da Universidade de Pequim.

"Hefei tem uma compreensão clara das indústrias locais; o fundo de investimento liderado pelo governo é adaptado às necessidades das empresas", disse ela.

Hefei está no topo de várias cadeias de suprimentos industriais. Um quinto dos LCDs do mundo para eletrônicos de consumo são feitos em Hefei. Assim como muitos laptops e notebooks da Lenovo. Hefei produz um décimo dos eletrodomésticos da China.

O governo da cidade investiu US$ 2 bilhões dos US$ 2,5 bilhões necessários para construir as primeiras fábricas da China para um tipo avançado de chip de memória de computador.

A produção de carros elétricos em Hefei quadruplicou no ano passado e aumentará ainda mais este ano, à medida que a Volkswagen aumenta a produção em uma nova fábrica gigante.

Uma fabricante de baterias para carros elétricos, parcialmente de propriedade da VW, a Gotion High-tech, também construiu uma fábrica em Hefei.

Outras montadoras chinesas estão seguindo o exemplo. A BYD, que disputa com a Tesla para ser a maior fabricante mundial de carros elétricos, está quase concluindo um complexo de fábricas de US$ 5,6 bilhões com capacidade planejada de 1,3 milhão de carros por ano.

Hefei deve grande parte de seu sucesso a uma universidade de engenharia de ponta, da mesma forma que a Universidade Carnegie Mellon fomentou o renascimento tecnológico de Pittsburgh.

A maioria das principais universidades da China está em Pequim ou Xangai. Mas os líderes da Universidade de Ciência e Tecnologia da China realocaram a instituição de Pequim durante o caos da Revolução Cultural de Mao, e ela acabou em Hefei, relativamente tranquila, em 1970.

Em 2005, um novo líder municipal em Hefei, Sun Jinlong, iniciou o foco da cidade na fabricação de tecnologia. A BOE Technology estava principalmente em Pequim na época, mas enfrentava dificuldades financeiras.

A cidade persuadiu a empresa a construir fábricas em Hefei, oferecendo mais de US$ 1 bilhão em investimentos e empréstimos.

Declarações posteriores da empresa BOE Technology mostram que, de 2011 a 2016, ela recebeu subsídios diretos adicionais no valor de US$ 250 milhões da cidade. A BOE Technology agora é uma das maiores fabricantes de telas de painel plano do mundo.

Hefei ainda enfrenta desafios. As montadoras têm tido dificuldade em persuadir executivos e engenheiros a deixar o brilho de Xangai ou Pequim por uma vida mais tranquila em Hefei, apesar do baixo custo de vida. A BOE Technology manteve sua sede em Pequim.

Mas o maior problema de Hefei está na habitação.

De acordo com a China Index Academy, provedora de dados do mercado imobiliário, o número de novos apartamentos vendidos mensalmente em Hefei despencou. Em novembro, as vendas caíram 45% em relação ao ano anterior.

A queda nas vendas está prejudicando a capacidade dos incorporadores imobiliários endividados de financiar novos projetos. A área total de novos projetos no ano passado despencou 57% em relação a 2022.

À medida que os incorporadores ficam sem dinheiro, eles compram menos arrendamentos de terras do governo.

As vendas desses arrendamentos, a base dos orçamentos dos governos locais na China, normalmente cobrem metade dos gastos municipais de Hefei. As vendas de arrendamentos caíram 38% em Hefei no ano passado, colocando em risco os programas governamentais.

Pequenas empresas afirmam que o governo local, antes um grande cliente, parou de fazer pedidos.

"O governo está sem dinheiro, esgotado", disse Tao Yingcheng, proprietário de um negócio de pisos em Hefei.

Alguns trabalhadores locais também reclamam que não têm habilidades para competir por empregos. Empresas como Nio e Volkswagen estão cada vez mais dependentes de robôs e outras ferramentas de automação, e contratam graduados das melhores universidades de outros lugares.

"O ambiente atual de trabalho não é muito bom", disse Xu Mingyi, um morador de Hefei que estudou programação de computadores e ainda não conseguiu encontrar trabalho em sua área. Ele está trabalhando como motorista de transporte por aplicativo.

"Essas empresas em Hefei precisam de requisitos que pessoas comuns dificilmente têm".

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