Descrição de chapéu Banco Central

Morre, aos 84 anos, o economista Affonso Celso Pastore, que presidiu o BC nos anos 1980

Velório será realizado no cemitério Morumby nesta tarde, entre 13h e 17h

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São Paulo

Morreu, nesta quarta-feira (21), o economista e ex-presidente do BC (Banco Central) Affonso Celso Pastore, aos 84 anos. Ele estava internado na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) no final de semana para uma cirurgia.

O velório será realizado no cemitério Morumby, na zona oeste da capital paulista, entre 13h e 17h desta tarde.

Retrato do economista Affonso Celso Pastore durante entrevista em seu escritório no bairro de Pinheiros, zona oeste da cidade de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Bacharel e doutor em economia pela FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), Pastore foi professor titular do Departamento de Economia, diretor da instituição e um dos economistas mais respeitados do país.

Em entrevista à Folha em 2021, reiterou sua visão a favor de políticas econômicas com viés social-democrata, com um Estado provedor de seguros para a sociedade que permitam eliminar injustiças.

"Não estamos apenas tentando reproduzir no Brasil um capitalismo liberal meritocrático assemelhado ao dos EUA, com Estado mínimo. Gosto muito mais do modelo europeu", afirmou na época ao sintetizar sua visão.

Ele se dedicou à vida pública e acadêmica, tendo ministrado aulas também em faculdades como Insper e FGV (Fundação Getulio Vargas).

Sua principal contribuição no setor público foi à frente do BC, de setembro de 1983 e março de 1985. Foi o último presidente da autarquia durante o período da ditadura militar. À época, em substituição a Carlos Langoni, Pastore teve o desafio de renegociar as obrigações internacionais do país em meio à crise de dívida externa.

Nascido em 19 de junho de 1939, em São Paulo, Pastore vinha de uma família de origem italiana. Não teve dúvidas quanto ao caminho profissional trilhado: "Sempre pensei em ser economista. Não chegou nem a ser uma escolha, foi algo natural", disse ele em entrevista para o livro de memórias do BC, em 2016.

Ele se formou em 1962 e concluiu o doutorado dali sete anos, com a tese "A resposta da produção agrícola aos preços no Brasil". O trabalho, que mostrava como a agricultura respondia a preços como qualquer outro setor, "foi de enorme importância", avalia o economista Marcos Lisboa, colunista da Folha.

"Affonso faz parte de uma geração que acompanhava a pesquisa científica e buscava entender o que os dados tinham a dizer sobre a realidade", disse ele, em mensagem de condolências. "Depois [do doutorado] migrou para a macroeconomia, sempre com o mesmo cuidado de analisar os dados, algo que fez a vida toda. Affonso foi um exemplo ético da profissão de economistas. Correto com os fatos, com os dados, de uma integridade intelectual inacreditável."

Enquanto preparava a tese, entrou para a vida pública em 1966, como assessor de Antonio Delfim Netto, então secretário da Fazenda de São Paulo. Quando Delfim foi nomeado ministro da Fazenda, no ano seguinte, Pastore integrou a equipe de comunicação e assessoria da pasta.

Em 1968, fez parte da delegação do governo brasileiro na reunião do FMI (Fundo Monetário Nacional), em Washington, Estados Unidos. Em 1979, assumiu a Secretaria de Fazenda do estado de São Paulo. Em 1983, a presidência do BC.

A crise do endividamento teve origem, principalmente, em dois fatores, como destacou o próprio Pastore: a alta dos juros nos EUA e o aumento da dívida externa brasileira para financiar investimentos por meio de empresas estatais.

A tarefa do Banco Central era tirar o Brasil da situação de precariedade na qual se encontrava, com o país absolutamente quebrado, segundo o economista. "Entrei em meio a uma crise e fui o administrador dessa crise, não fui propriamente um presidente de banco central", afirmou em 2016.

Na época, Pastore relatou sua grande frustração no comando do Banco Central: não poder fazer política monetária. Primeiro, pela necessidade de priorizar a política cambial (sem controle, a inflação iria ao patamar de 100% ao ano).

Segundo, porque a política monetária era de responsabilidade do CMN (Conselho Monetário Nacional), instituição que na década de 1980 contava também com a participação de representantes do setor privado.

A crítica ao que classificava como atuação excessiva do governo a favor de empresas foi uma constante do economista, como mostrou em entrevista à Folha em setembro do ano passado.

Em 2021, lançou seu último livro, "Erros do passado, soluções para o futuro: A herança das políticas econômicas brasileiras do século 20". Na época, afirmou que o país corria o risco de perpetuar alguns desses erros se Jair Bolsonaro ou Lula vencessem as eleições do ano seguinte.

Em 2022, o economista assinou manifesto em favor da candidatura de Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra no governo Lula, à Presidência. "Sou muito cético em relação ao Brasil com um desses dois ganhando a presidência. Não sou cético em relação à terceira via", afirmou na época.

Repercussão

O presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Ilan Goldfajn, lamentou a morte de Pastore. "Estou muito triste com a morte de Affonso Celso Pastore. Ele foi um grande amigo, inspirador e parceiro. O Affonso Pastore foi o maior expoente e promotor do foco na ciência para a análise de políticas econômicas, no uso da evidência para avaliarmos, aprendermos e implementarmos políticas e reformas que venham a beneficiar as sociedades que servimos", afirmou.

Goldfajn recordou a criação de um centro para debate ao lado de Pastore. "Ele sempre esteve sempre à frente do seu tempo, desde os primeiros anos na USP, passando por sua larga e profícua carreira até quando tive a honra de com ele e outros colegas criar o Centro de Debate de Política Públicas (CDPP). Sentirei muita falta do Pastore e mando condolências a todos os familiares e amigos", disse o economista, que presidiu o Banco Central entre 2016 e 2019.

Em nota, o CDPP afirma que Pastore teve enorme impacto na formação de várias gerações de economistas. "Foi Presidente do Banco Central e se tornou um intelectual público na melhor acepção do termo: engajado em debates nos mais variados fóruns, capaz de traduzir a teoria econômica para o grande público, aberto a novas ideias, mas sem jamais abrir mão da coerência e do rigor acadêmico. Impressionava a todos que o conheciam pela firmeza de opiniões e retidão moral."

A Secretaria da Fazenda de São Paulo também lamentou a morte do economista e ex-secretário. "Pastore é reconhecidamente um dos economistas mais renomados do país. O secretário Samuel Kinoshita e o corpo de servidores da Sefaz-SP estendem suas condolências à família desse incansável estudioso das políticas econômicas que tanto se dedicou pelo país."

"O Brasil perde um importante pensador e economista. Além de ser um estudioso das nossas questões econômicas, também teve relevante trajetória pública, atuando em momentos-chave, como na negociação da dívida externa brasileira quando era presidente do Banco Central. Deixa um relevante legado intelectual e uma lacuna no debate econômico nacional", afirmou Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

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