Bancos públicos financiam 90% do crédito a estados e municípios em 2023

Em meio a expansão de recursos para governadores e prefeitos, Banco do Brasil liberou R$ 19,9 bilhões

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Os bancos públicos federais foram os principais impulsionadores da nova política de crédito do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a estados e municípios.

A cada R$ 100 liberados, quase R$ 90 vieram de Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), segundo levantamento da Folha com dados do Banco Central.

Como mostrou a reportagem, o governo Lula turbinou a concessão de crédito a estados e municípios em seu primeiro ano de mandato e permitiu a injeção de ao menos R$ 43,3 bilhões em dinheiro novo para gastos e investimentos. O valor foi 142% maior do que em 2022.

Do montante concedido, R$ 38,7 bilhões vieram de BB, Caixa e BNDES (89,3% do total).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros; banco foi recordista de crédito a estados e municípios em 2023 - Adriano Machado - 16.jan.23/Reuters

Só o BB emprestou R$ 19,9 bilhões, de acordo com os registros —um aumento de 800% em relação a 2022. Procurado, o banco afirmou um valor até maior: R$ 20,3 bilhões.

Em 9 de fevereiro, ao anunciar o balanço de 2023, a presidente do BB, Tarciana Medeiros, celebrou o valor recorde das operações.

"Esse montante é superior aos R$ 17 bilhões contratados nos últimos quatro anos [...], o que demonstra o apoio do governo federal e possibilita o financiamento com taxas adequadas ao perfil de risco e amplia o acesso de estados e municípios ao crédito", disse na ocasião.

"A ampliação do financiamento aos estados e municípios é decisão estratégica do Banco do Brasil, definida pelos órgãos de governança e divulgada em nosso guidance [projeções de referência]", diz o BB em nota, acrescentando que "não há nem houve nenhuma orientação" do acionista controlador, que é a União.

A instituição diz ainda que 93% das operações têm aval do Tesouro Nacional, que honra os pagamentos em caso de inadimplência. Mas o banco também concedeu R$ 2,2 bilhões em operações sem nenhum tipo de garantia (nem mesmo receitas tributárias ou de transferências federais, como é comum), segundo os dados do BC.

O banco afirma que cobra juros mais elevados nesses contratos e que o crescimento dessa modalidade "é sustentável e alinhado com as políticas de crédito da instituição".

"Fator mitigador de risco destas operações é o fato de o BB deter autorização legislativa para débito das parcelas destes financiamentos diretamente na conta dos clientes", diz.

A meta do BB para 2024 é se manter na liderança deste mercado, mas a instituição não estipulou um valor exato para novas liberações. A atuação deve ser influenciada pelas restrições do calendário eleitoral.

A Caixa liberou R$ 15,8 bilhões a estados e municípios no ano passado. O banco foi procurado antes da divulgação de seu balanço de 2023 e não quis se manifestar porque estava em período de silêncio.

Na terça-feira (27), a instituição publicou suas demonstrações contábeis e revelou ter celebrado 90 novos contratos apenas no último trimestre do ano passado, 29 deles com entes que ainda não tinham nenhum crédito contratado com a Caixa.

Segundo o banco, a medida concretiza a "estratégia de pulverização e ampliação do acesso ao crédito, distribuindo investimentos em todo o território nacional". Ao final de 2023, o estoque de empréstimos da Caixa a estados e municípios somava R$ 62,1 bilhões, distribuídos em mais de 4.100 operações com 1.700 clientes do segmento.

O BNDES emprestou R$ 3,05 bilhões em 2023, mas as aprovações em valores substanciais indicam que esse número será bem maior neste ano. O banco de fomento afirmou que aprovou, no ano passado, R$ 23,4 bilhões em financiamentos para estados e municípios.

"Vale mencionar que parte desses valores, cerca de R$ 14,3 bilhões, ainda não constam nas bases públicas consultadas, pois são projetos recentes que ainda aguardam a aprovação da Secretaria do Tesouro Nacional. O restante ainda são projetos que irão iniciar essa tramitação", diz.

Diferentemente do BB, que negou ter recebido orientação do governo, o BNDES disse que "as instituições financeiras federais têm mantido interlocução com o governo federal para alinhamento dos papéis e divisão de responsabilidades na agenda de financiamento ao setor público".

"A diretriz é apoio qualificado a projetos para entes públicos com capacidade de financiamento e de pagamento e que naturalmente atendam a todos os normativos internos e externos que regulamentam a concessão de crédito a entes públicos", afirma.

Os bancos dizem adotar uma metodologia de análise de risco das operações e sustentam que a inadimplência da carteira é zero ou próxima disso.

Mas isso decorre não só dos pagamentos em dia pelos entes, mas também pelo fato de que a União honra os pagamentos dos contratos com garantia, caso haja inadimplência.

Marcos Mendes, especialista em contas públicas e colunista da Folha, avalia que o protagonismo dos bancos públicos na expansão dos empréstimos representa uma espécie de "garantia implícita".

Embora a União tenha entrado como fiadora em operações que somaram R$ 27,3 bilhões, boa parte dos outros R$ 16,1 bilhões veio de instituições federais que, em eventual situação de dificuldade, serão socorridas pelo acionista controlador —que também é a União.

"Ele [o governo] está comprando um problema para ele mesmo. O risco é muito alto. É só uma questão de tempo. Não precisa nem ser uma crise, basta a atividade econômica piorar um pouquinho, porque a receita de estados e municípios é muito pró-cíclica [acompanha o ritmo do PIB], e a primeira providência será contestar a dívida, ir ao Congresso Nacional e ao STF [Supremo Tribunal Federal]", afirma.

Ele destaca que o Congresso tem se mostrado nos últimos anos cada vez mais sensível às demandas de governadores e prefeitos, aprovando repasses extras de verba ou condições flexíveis de pagamento das dívidas. No STF, mais de 90% dos conflitos federativos são decididos em favor dos estados e em detrimento da União.

"Isso coloca o governo federal numa posição muito delicada com estados e municípios nessa questão de dívida", afirma Mendes. "O governo tinha de jogar na retranca."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.