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Pessoas de baixa renda têm todo o direito de ocupar bairros nobres, diz CEO da Cury Construtora

Fábio Elias Cury diz que Plano Diretor de SP transformou os negócios da empresa

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São Paulo

Desde que um novo Plano Diretor foi implementado em 2014 pelo ex-prefeito de São Paulo e atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), a Cury Construtora percebeu uma virada em seus negócios.

Voltada prioritariamente para habitações de baixa renda, no valor entre R$ 200 mil a R$ 350 mil, a empresa diminuiu o foco em lançamentos nas periferias e passou a subir mais prédios econômicos próximos aos principais eixos de transporte das regiões centrais de duas capitais: São Paulo e Rio de Janeiro —esta última ganhou um novo Plano Diretor recentemente.

À Folha, o presidente da companhia, Fábio Elias Cury, diz que esse novo Plano Diretor da capital paulista foi essencial para que hoje seja possível construir habitação popular inclusive em bairros nobres.

Retrato do presidente da Cury Construtora, Fábio Elias Cury, no escritório da empresa na Vila Olímpia
Retrato do presidente da Cury Construtora, Fábio Elias Cury, no escritório da empresa na Vila Olímpia - Bruno Santos/Folhapress

"O que eu acho muito bacana em São Paulo é que hoje no meio dos bairros nobres está tendo espaço para produtos econômicos, e isso que eu me orgulho bastante. Antigamente, eu só fazia empreendimentos lá em Itaquera, lá em Guaianases, lá no fim do Campo Limpo e hoje eu faço empreendimentos a 15 minutos daqui [Vila Olímpia]", diz Cury durante entrevista na sede da companhia.

As mudanças com o novo Plano Diretor contribuíram para que a construtora se especializasse em algo que traz retornos sólidos para a companhia e culminou na sua abertura de capital na Bolsa de Valores de São Paulo em 2020. Desde o seu IPO (Oferta Pública Inicial, na sigla em inglês), a empresa acumula valorização de mais de 90%.

"A Cury sempre se prontificou a fazer uma coisa só: ser uma empresa voltada para produtos econômicos, e nunca se aventurou a fazer outra coisa". Leia a seguir outros trechos da entrevista.

Recentemente, a Folha publicou reportagem mostrando que, das empresas que abriram capital na Bolsa nos últimos cinco anos, só 21,6% tiveram valorização desde o IPO, e a Cury está nesse pequeno grupo. Na sua visão, o que fez os investidores apostarem na empresa?

Uma série de coisas, mas dois pontos principais: foco e entrega. A empresa nunca perdeu o foco desde os primórdios, principalmente depois da abertura do capital.

A Cury sempre se prontificou a fazer uma coisa só: ser uma empresa voltada para produtos econômicos, e nunca se aventurou a fazer outra coisa. Acho que esse é um ponto importante para grupos que abrem o capital.

Quando você abre o capital, faz um roadshow e expõe o plano de negócio, o que os investidores querem saber é se você vai entregar o que prometeu. A Cury entregou até mais do que prometeu em 2020, quando abriu o capital, e ao longo de 2021, 2022 e 2023.

E quais estratégias de negócio a Cury adota para entregar o que prometeu?

A estratégia da Cury é bem clara: focar muito nos locais centrais de duas regiões metropolitanas, São Paulo e Rio de Janeiro, mirando nos eixos principais de transportes dessas duas cidades e fazendo produtos econômicos em lugares extremamente valorizados. Eu creio que isso é fruto dos planos diretores que foram mudados nos últimos anos.

Em São Paulo, o Plano Diretor de 2014, de Fernando Haddad, trouxe uma mudança que a gente entende que foi totalmente um game changer [fator decisivo] para nós. Antigamente, a gente só podia construir nas periferias. Desde 2014, a gente constrói ao longo da cidade inteira. Em todos os eixos estruturais de transporte da cidade existem zoneamentos que permitem habitações de interesses sociais ou prédios econômicos.

E no Rio de Janeiro é a mesma coisa. Agora saiu um Plano Diretor para isso, a gente foi se adaptando e fazendo coisas muito parecidas.

Levantar prédio na capital paulista parece ser mais fácil do que no Rio.

A legislação em São Paulo é mais permissiva. Agora, em alguns lugares do Rio, como no Porto Maravilha, já se assemelha bastante a São Paulo. E com o novo Plano Diretor do Rio e novas zonas, principalmente na zona norte, onde é o eixo estruturante de transporte, será possível ter uma legislação mais permissiva de verticalização de habitações.

Mas o que eu acho muito bacana em São Paulo é que hoje, no meio dos bairros nobres, está tendo espaço para produtos econômicos, e isso é algo que eu me orgulho bastante. Antigamente, eu só fazia empreendimentos em Itaquera, em Guaianases, no fim do Campo Limpo e hoje eu faço empreendimentos a 15 minutos daqui [Vila Olímpia].

O pessoal que trabalha na Cury pega duas estações de metrô e está aqui para trabalhar, morando em um apartamento de R$ 250 mil.

Foi o Plano Diretor que melhorou isso?

Foi. Antes, tínhamos diversas brigas com o pessoal de alta renda quando a gente ia começar um empreendimento de baixa renda na área. Teve uma briga tremenda da gente com uma associação de bairro, porque eles inventavam um monte de razões para o empreendimento não existir.

Na verdade, o que eles não querem é um projeto de baixa renda lá. Tem até uma expressão para isso, "not in my backyard" ("no meu quintal, não", em tradução livre). Teve um empreendimento que eu demorei sete anos na Justiça para conseguir construir e agora estamos fazendo empreendimento econômico no meio de um bairro de altíssimo padrão, porque a lei permite.

Eu sou superdefensor de que as pessoas de baixa renda tenham todo o direito de viver aqui do lado. Não tem por que ter que se movimentar por toda cidade, até porque esse trânsito é caótico.

Vocês pensam em algum momento em ampliar a abrangência geográfica?

A princípio, não. A gente entende que a região metropolitana de São Paulo, que abrange 20 milhões de pessoas, e a do Rio, que são 10 milhões de pessoas, formam um universo gigantesco para a gente trabalhar. E isso dá uma operação bem concentrada e é um dos segredos para o nosso resultado.

Os juros altos costumam impactar o setor de construção civil, mas não afetaram os resultados da Cury. Em 2022 e 2023 a empresa entregou resultados recordes.

Realmente passamos por um período de juros muito altos. Mas no nosso segmento [de baixa renda], que é um setor regulado pelo Minha Casa, Minha Vida, ele não é tão importante.

Nesse caso, o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) é mais importante?

É, o FGTS é um juro regulado, no qual a gente não sofre tanto com a oscilação da taxa básica de juros [Selic]. Apesar de que a Cury tem uma fatia de produtos que a gente chama de faixa 4, que varia entre 20% a 30%, um pouquinho acima da faixa dos juros regulados. Então, essa faixa de renda, sim, está sujeita a alteração de juros

E para qual inovação no mercado vocês estão olhando? Em quais tendências apostam?

O tempo todo estamos ligados, principalmente, no pessoal da alta renda. Porque o que a gente entende é que o nosso cliente está ligado nas celebridades, eles querem ter a vida deles.

Tudo que sai na alta renda de novidade, de estilo de vida diferente, a gente tenta transportar para o produto econômico. Claro que na sua proporção. Então, se tem um acabamento novo que foi lançado ou um arquiteto de renome que projetou um empreendimento, a gente tenta trazer uma cópia, uma coisa que caiba dentro do bolso desse pessoal, para eles terem o gosto de ter uma coisa parecida.

A estética parecida, mas o material diferente? 

É o que eu falo, na piscina do empreendimento de alto padrão põe mármore e granito. No nosso tem azulejo, mas não deixa de ser uma piscina razoável. Na fachada do empreendimento de alto padrão tem uma pedra rebuscada. No nosso tem uma imitação, mas não deixa de ser bonito e bacana.

Os imóveis no Brasil devem se valorizar em um futuro próximo, segundo especialistas do mercado imobiliário. Vocês acham que esse aumento de preços pode impactar os empreendimentos da Cury?

Eu acho que sim, mas vamos lembrar que os empreendimentos de baixa renda são relativamente regulados, principalmente na cidade de São Paulo.

A legislação faz com que a gente venda nossos empreendimentos para quem ganha X salários mínimos. Então, a gente aprova empreendimentos para quem ganha seis salários mínimos, ou para quem ganha três. Somos muito regulados com o preço. E o próprio programa Minha Casa, Minha Vida também limita isso a até R$ 350 mil. Então, por mais que haja valorização, para nós é limitada.

Falando no Minha Casa, Minha Vida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva turbinou o programa, já o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha apostado em um outro tipo de política habitacional. Como vocês se protegem dessas mudanças de governo?

O governo de esquerda é sempre mais proativo em programas sociais, mas o Minha Casa, Minha Vida já virou um programa de Estado.

Vale lembrar que medidas que vão ser implantadas agora, como o FGTS Futuro, foram criadas no governo Bolsonaro e o governo Lula acatou. Ou seja, mesmo quando o Bolsonaro mudou o nome de Minha Casa, Minha Vida para Casa Verde Amarela, o programa continuou. Claro que não houve a mesma importância dada pelo governo Lula.

E hoje em dia o programa é um sucesso tão grande que nenhum governo vai se atrever a acabar. Pode dar mais atenção ou menos atenção, porém sempre haverá.


RAIO-X

Fábio Elias Cury, 58

Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Fábio Cury lidera a construtora Cury desde o início dos anos 1990. Hoje ele é diretor presidente, vice-presidente do Conselho de Administração e diretor de Novos Negócios da companhia

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