Descrição de chapéu Todas desigualdade de gênero

'Nem toda mulher quer assumir riscos como CEO', diz ex-presidente da Marisa que ficou um mês no cargo

Entre mulheres líderes, caiu a porcentagem das que chegam ao topo da carreira, diz pesquisa

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São Paulo

Em 4 de março deste ano, a varejista de moda Marisa anunciou Edson Garcia como novo presidente executivo (CEO). Ex-diretor da Caedu e ex-executivo de compras da Riachuelo, o especialista em Marketing com MBA em Varejo veio ocupar o lugar de Andrea Menezes, que ficou apenas um mês no cargo, depois de ter sido apresentada como a primeira CEO mulher da história da companhia, fundada em 1948 e conhecida pelo slogan "De mulher para mulher."

Com mestrado em Física e dois MBAs, ex-vice-presidente do banco J.P. Morgan, ex-diretora dos bancos Merryl Lynch e Lehman Brothers, ex-CEO do banco Standard, especializada em governança e ESG, Andrea é hoje conselheira da Marisa, cargo que ocupava há um ano, antes da indicação a CEO. A promessa é que, em maio, ela passe a presidir o conselho de administração da varejista.

"Serei a primeira mulher presidente do conselho da Marisa", diz a executiva à Folha, sem dar detalhes sobre o porquê da passagem meteórica no comando da rede. "Vamos falar sobre isso no mês que vem", diz Andrea, lembrando que a Marisa está em período de silêncio e atrasada na divulgação do balanço do último trimestre de 2023. "Estamos felizes de voltar a ter no comando da empresa alguém especializado no varejo de moda popular, o DNA da Marisa", diz Andrea, referindo-se a Edson Garcia. .

mulher de meia idade, cabelo castanho e camisa amarela
Andrea Menezes, que ocupou o cargo de presidente executiva da Marisa por um mês, hoje é conselheira da empresa. - Divulgação

Segundo a reportagem apurou junto a fontes do mercado corporativo, a Marisa, que está em reestruturação desde o ano passado, enfrenta uma queda de braço entre os principais acionistas da empresa, controlada pela família Goldfarb. A companhia vem perdendo espaço para as gigantes asiáticas do comércio online, em especial a Shein. A crise e a disputa de poder vêm motivando seguidas trocas de comando na varejista. Procurada, a Marisa não quis comentar.

Ao deixar o posto de CEO, Andrea Menezes entrou para a estatística que aponta menos mulheres em cargos de comando no Brasil e no mundo em 2024.

Pesquisa Women in Business, da consultoria Grant Thornton, divulgada com exclusividade para a Folha, aponta que, no mundo, do total de mulheres em cargos de liderança nas empresas, 5% ocupavam o posto de CEO em 2012, percentual que evoluiu para 28% em 2023. Mas este ano a fatia caiu para 19%.

No Brasil, foram três anos seguidos de queda: em 2021, 36% das mulheres em cargos de comando eram CEOs, mas agora elas somam 23%. Em todo o mundo, 4.891 empresas foram entrevistadas, incluindo 260 no Brasil.

"Existem mulheres avessas ao risco, nem todas querem assumir riscos como CEO", diz Andrea Menezes, citando como exemplo os riscos estatutários. Em uma empresa, o administrador responde por perdas e danos perante a corporação e aos terceiros que eventualmente tenham sido prejudicados pelo desempenho das suas funções.

Segundo Élica Martins, sócia de auditoria da Grant Thornton, a falta de programas com metas claras de equidade de gênero nas empresas levou à derrocada, assim como o fim do trabalho híbrido.

"As empresas que não trabalham com programas de sucessão, que colocam foco na diversidade, apresentaram perdas na participação feminina", diz Élica. Por outro lado, o retorno ao presencial, com o fim da emergência sanitária da pandemia de Covid-19, também pode ter contribuído para que mais mulheres decidissem deixar posições de comando.

"Nossa cultura ainda é muito patriarcal. Cobranças envolvendo a rotina do lar e dos filhos recaem sobre a maioria das mulheres. O trabalho híbrido é uma chance delas equilibrarem melhor a vida profissional, pessoal e familiar", afirma Élica.

Ainda assim, segundo a sócia da Grant Thornton, desde 2016, o número de mulheres CEOs no Brasil é maior do que a média mundial. "O Brasil vem se destacando no cenário global com cada vez mais empresas que adotam metas ESG [de boa governança ambiental, social e corporativa]", afirma. "Esta tendência extremamente positiva, que engloba a diversidade de gênero, gera uma série de benefícios para o negócio", diz Élica, lembrando que instituições financeiras vêm facilitando o crédito para empresas que trazem essa preocupação.

De acordo com outro recorte da pesquisa da Grant Thornton, o Brasil ocupa o 10º lugar no ranking dos países com maior participação de mulheres CEOs, com 32% dos cargos preenchidos por mulheres. O primeiro lugar é da Grécia (50%), seguida por África do Sul (48,1%) e Tailândia (47,5%).

Estados Unidos, Alemanha e França ocupam, respectivamente, a 16ª, 17ª e 18ª posição no ranking de 28 países. Os dois últimos colocados são Emirados Árabes (7,5% dos CEOs são mulheres) e Japão (5,3%).

Considerando a evolução das mulheres em cargos de liderança –que envolvem os níveis de presidência, diretoria e gerência– nos últimos 12 anos, percebe-se que houve uma queda mais acentuada no Brasil em 2015, ano em que a economia registrou uma forte retração, com queda de 23,8% no PIB (Produto Interno Bruto).

Houve uma reação dessa participação nos três anos seguintes, mas em 2019, quando o PIB cresceu apenas 1,2%, a presença de mulheres em cargos de comando voltou a cair.

"Empresas que estão em busca de sobrevivência não costumam se preocupar com filosofia", diz a psicóloga Betania Tanure, especialista em comportamento organizacional, sócia da consultoria BTA Associados, referindo-se às metas ESG. "Mas muitas vezes é justamente por isso que elas estão em crise, porque não olham além do operacional e não vão às raízes do problema."

Betania concorda que o tema da diversidade de gênero vem avançando nas companhias, apesar dos percalços. "A tendência é que as empresas deixem o discurso ‘oba oba’ e adotem programas consistentes", diz. Ainda assim, é preciso considerar que existem mulheres que optam por desacelerar na carreira, especialmente com a volta do presencial. "É uma escolha legítima, mas que impacta o todo."

A pesquisa da Grant Thornton levantou a presença feminina nos principais cargos de comando das organizações: além de CEO, a liderança nas áreas de operações, finanças, tecnologia, recursos humanos, marketing, controller (que analisa e estrutura as informações financeiras) e comercial.

Dessas oito áreas (incluindo o comando da companhia), no Brasil, as mulheres são maioria em quatro delas (finanças, tecnologia, RH e marketing). No mundo, elas também têm a primazia em quatro áreas: finanças, RH, marketing e comercial.

No mundo, o percentual de mulheres em cargos de liderança ficou praticamente estável entre 2023 e 2024, passando de 32% para 33%. Mas no Brasil caiu de 39% para 37% neste intervalo.

"Teremos cada vez menos CEOs se não tivermos mais mulheres na liderança sênior", diz Élica Martins. "Os cargos intermediários são um caminho para ascender na carreira e chegar ao posto de CEO."

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