Descrição de chapéu Todas mercado de trabalho

'CEOs da favela' criam mercado de trabalho para mulheres em vulnerabilidade

Projetos que começaram com verba curta atingem faturamento de R$ 500 mil a R$ 1,5 milhão ao ano

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Ribeirão Preto

Empresas sediadas em favelas e lideradas por mulheres têm atingido faturamentos milionários e com grandes ganhos sociais a partir da capacitação e inclusão profissional feminina. Iniciados com verbas de microcrédito e investimento pessoal das CEOs, os projetos promovem renda e quebram ciclos de violência doméstica e pobreza gerados pela falta de independência financeira das moradoras dessas comunidades.

É o caso dos projetos "Costurando Sonhos", "Mãos de Maria Brasil" e "Emprega Comunidade", também conhecido como "Linkedin da Favela". As empresas surgiram dentro da proposta de hub de negócios da iniciativa G10 Favelas, de Paraisópolis, em São Paulo.

A proposta do espaço é impulsionar o empreendedorismo nas favelas, oferecendo mentoria, microcrédito e apoio para fortalecer negócios dos moradores das comunidades.

As CEOs Suéli Feio (cachecol branco), Maria Nilze (camisa risa), Juliana da Costa Gomes (casaco marrom) e Rejane Santos (calça amarela) - Danilo Verpa/Folhapress

Rejane Santos, 39, CEO do Emprega Comunidade, conta que a matriz da empresa segue onde o projeto nasceu, mas o negócio alcança hoje, de forma virtual, 16 favelas do Brasil com projeção de aumentar os atendimentos para mais dez comunidades.

"Atuamos em diversas áreas, entre elas a capacitação profissional, recrutamento e seleção. Conectamos as pessoas desempregadas das favelas com as grandes empresas", diz Rejane.

O Linkedin da Favela já gerou empregos para 7.680 pessoas em 23 empresas parcerias fixas e outras 70 pontuais. A empresa foi criada com um investimento inicial R$ 2.000 obtidos junto ao hub da união de moradores G10 Favelas e atualmente fatura por ano cerca de R$ 500 mil.

Nascida na Bahia, a CEO veio para São Paulo quando criança, e cresceu em uma realidade parecida com a de outras famílias de Paraisópolis, onde a demanda por trabalho e geração de renda sempre foram altas.

"Fiquei nesta temática e vi ali a oportunidade de empreender e mudar a comunidade que tanto me acolheu. Eu me tornei CEO a partir do meu propósito de vida, que é contribuir para transformar vidas na favela em que eu moro", destaca.

A vida de Suéli Feio, 53, atual presidente da empresa e do Instituto Costurando Sonhos, mudou quando, em 2017, presenciou uma mãe com um bebê de colo ser agredida pelo parceiro e perder a consciência.

Mensalista com carteira assinada, ela nunca tinha pensado em empreender, mas diz ter percebido que já não poderia mais seguir sem fazer algo para ajudar mulheres em situações como aquela. Buscou, então, uma parceria para realizar as capacitações.

O treinamento gratuito em costura formou duas turmas, mas isso não bastou para inserir as participantes no mercado de trabalho.

"O objetivo da capacitação era gerar renda e autonomia financeira para as mulheres. Então, resolvi criar e comercializar nossos próprios produtos e começamos a fazer as ecobags —não porque nós tínhamos a consciência de sustentabilidade como temos hoje, mas por conta de não ter dinheiro para comprar os tecidos", recorda.

A Costurando Sonhos começou com recurso zero e doações de retalhos, contando depois com um primeiro microcrédito no valor de R$ 4.000. Hoje, sete anos depois, a empresa é parceira de grandes companhias como Amazon, Latam, Itaú e Casas Bahia. Em 2023, seu faturamento anual atingiu R$ 1,5 milhão.

No período, Suéli Feio e a sócia Maria Nilde capacitaram 1.400 pessoas, entre mulheres e pessoas LGBTQIA+. Esses profissionais atuam hoje em grandes marcas e na própria Costurando Sonhos.

"Duas mulheres negras, os desafios são maiores. Hoje, a gente é um negócio, uma empresa. Este ano pretendemos chegar em R$ 2 milhões e estamos felizes e caminhando para isso", diz.

Já o projeto Mãos de Maria Brasil, focado na produção de alimentos, começou em 2007. A ideia era capacitar mulheres negras com baixa escolaridade e que estavam fora do mercado de trabalho para que alcançassem autonomia financeira.

Foi só em 2018, porém, que a CEO Juliana da Costa Gomes decidiu elevar o projeto ao porte de empresa. Com isso, o negócio passou a ter um buffet e também a vender produtos feitos pelas mulheres do programa.

Com três filhos pequenos e recém-saída de um divórcio, Gomes investiu no negócio tudo que tinha para recomeçar a vida, R$ 150 mil, e deu certo.

Junto com a sócia Elizandra Cerqueira, a empresa já capacitou mais de 4.800 mulheres, empregando diretamente cerca de 300 delas.

Também gerou renda direta para as alunas por meio de 20 restaurantes locais durante a pandemia. As duas montaram 55 cozinhas para mulheres que passaram pela formação, durante a qual aprenderam a fazer marmitas para delivery

"Nosso faturamento fica por volta de R$ 100 mil ao mês [R$ 1,2 milhão ao ano] e esperamos dobrar este valor com nosso novo espaço que deve ser inaugurado nos próximos meses", afirma a CEO.

Para Juliana Gomes, é essencial transformar o entorno social das mulheres em situação de vulnerabilidade para mudar a realidade da favela.

"Tivemos uma aluna que achava que apanhar do companheiro era normal, pois ela foi educada assim, e outra que recuperou a guarda das filhas. Nossas capacitações nunca foram só sobre comida, mas sobre como transformar a vida dessas muitas Marias que passaram por nós", diz ela.

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