'Agnósticos da idade' têm mais de 50 anos, gostam de tecnologia e podem gastar

Grupo, identificado entre tendências de consumidores, ainda é ignorado pelo mercado

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A professora de zumba Vera Maluf, 64, em clube municipal de Osasco, onde dá aulas - Keiny Andrade/Folhapress
São Paulo

Quando a empresária Vânia Gomes fez 62 anos, em junho passado, chamou os amigos para comemorar em um bar. À mesa, a quantidade de pessoas nos seus 30 anos era um pouco maior do que a dos convidados da faixa etária da aniversariante. 

Sem se vestir como uma adolescente nem ostentar procedimentos dermatológicos de rejuvenescimento, Vânia não aparenta a idade que tem, nem tenta parecer a novinha. Mas tem mais interesse nas baladas e viagens de seus amigos mais jovens do que nos programas de boa parte dos velhos amigos. 

A empresária faz parte de um grupo recém-batizado de “agnósticos da idade”. O termo aparece no relatório “10 Principais Tendências Globais de Consumo 2019” da empresa de pesquisas de mercado Euromonitor International. 

São consumidores com mais de 50 anos com gostos e valores mais próximos dos millennials (nascidos entre os anos 1980 e 1990) e dispostos a continuar sendo eles mesmos pelo máximo de tempo possível. 

Com alto poder aquisitivo, bem-informado e interessado por inovação e tecnologia, esse público tem crescido. Projeções do IBGE apontam que, em 2060, o Brasil terá menos crianças do que idosos e a população com mais de 60 anos representará 32% do total de brasileiros. 

A empresária Vânia Gomes, 62, na sala de sua casa, em São Paulo - Keiny Andrade/Folhapress

“O envelhecimento da população mundial já está sendo observado desde o final do século 20, mas o mercado ainda não presta muita atenção”, diz Dario Caldas, sociólogo do birô de tendências Observatório de Sinais. 

A publicidade também tem dificuldade de entender esse consumidor. “Essa geração teve influência da contracultura, viu a entrada massiva de mulheres no mercado de trabalho, tem abertura para novos comportamentos, mas vive num limbo do marketing”, afirma Miriam Steinbaum, diretora da Ipsos Marketing, empresa de pesquisa e inteligência de mercado. 

Já foram chamados de “ageless” (sem idade), “envelhescentes” (junção de velho e adolescente), mas não se reconhecem nessas categorias. 

“A visão de que todo mundo tem que ser jovem é muito careta”, diz o sociólogo Caldas. 

“Eu sou e me acho uma pessoa de 74 anos, mas nunca achei que determinadas coisas não são para minha idade. Nunca me passou pela cabeça que alguém de 70 ou mais não anda de bicicleta pela cidade”, diz o engenheiro Carlos Augusto de Toledo Ferreira. 

Uma das mais recentes aquisições de Ferreira foi uma bicicleta elétrica, usada para fazer o trajeto diário de 30 minutos entre sua casa e o prédio da incorporadora onde trabalha. Duas noites por semana, também usa a bike para ir à aula de danças étnicas. 

“Comecei a dançar no século passado, isso para mim é muito importante para a manutenção da cabeça e do corpo. E, confesso, ser o único homem da minha idade na sala levanta minha moral”, diz o engenheiro, pai de quatro filhos e avô de três crianças. 

A bicicleta elétrica é um exemplo de produto que atende as necessidades de quem não está no auge da forma física, mas não foi feito para os mais velhos. 

É o que Joseph Coughlin, diretor do AgeLab do MIT (Massachusetts Institute of Technology), de Cambridge (EUA) chama de “design transcendente”. “Não foram feitos para pessoas mais velhas, mas são ideais para elas”, diz em seu livro “The Longevity Economy” (a economia da longevidade, ed. Hachette). 

O diretor do centro de inovação do MIT voltado à pesquisa dos desafios e oportunidades do envelhecimento para o mercado afirma que idosos não compram coisas que os lembrem estar velhos. 

Vânia, por exemplo, se recusa a comprar “roupas para mulher da minha idade”. Mas às vezes tem dificuldade de encontrar algo com as características de conforto, segurança e estilo desejados. Sapatos, por exemplo. 

Resolveu parte de seu problema com uma marca de calçados feitos com matéria-prima sustentável, solado de borracha e com muitos modelos para viagens de aventura. Compra pela internet. 

A educadora física e professora de zumba Vera Maluf, 64, resolveu seu problema com diferentes modelos de tênis de cano alto, de várias cores e estilos, para usar nas horas do lazer e no trabalho —ela dá aulas da dança em um clube de Osasco, na Grande São Paulo. Tem 33 pares do calçado.

Vera usa o mesmo número de roupa e sapatos da filha de 29, e diz que às vezes as duas compartilham vestuário. Mas não para parecer uma menininha. 

“Não escondo minha idade, mas, segundo minhas colegas professoras de zumba na faixa dos 30, tenho mais pique do que elas”, diz. 

Como é comum entre os agnósticos da idade, Vera investe em saúde e qualidade de vida. Há cerca de três anos, deixou de comer carne vermelha. Mas não abre mão de uma cervejinha na happy hour. 

Tecnologia é outro interesse dessa geração, que investe nas novidades. “Fazemos muitas coisas para a economia sob demanda, pensada para os millennials, mas que serve melhor aos mais velhos”, afirma Coughlin, do Age Lab. 

Steinbaum, da Ipsos, considera esta geração a mais multiplataforma. “Navega tanto em telas quanto em livros.” 

Consumidores dos mais diversos aplicativos para celular, dos serviços por demanda aos apps de bem-estar (Vânia e Carlos usam alguns para relaxar, meditar ou dormir melhor), não lhes servem os celulares feitos para idosos, com números grandes e recursos limitados. 

Aí entra o “design transcendente”. Os novos celulares de tela grande são perfeitos. Além do tamanho maior de imagens e números, são mais fáceis de digitar para quem está mais acostumado a usar o indicador do que o dedão para escrever. 

O melhor: não foram feitos para quem tem 50 ou mais, mas visando os gamers, muitos dos quais têm idade para ser seus netos.

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