Empresas médias ganham espaço na Bolsa e projetam crescimento rápido

No último ano, companhias pouco conhecidas dos investidores optaram pela abertura de capital

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São Paulo

A taxa básica de juros abaixo dos dois dígitos e o maior interesse de pessoas físicas em investir na Bolsa têm estimulado empresas médias a optarem por vender ações como estratégia para acelerar o crescimento.

Ao abrir capital, a companhia passa a ter centenas ou milhares de sócios espalhados pelo mundo. Esse processo é conhecido pela sigla IPO, que significa, em inglês, oferta inicial de ações.

Os novos recursos são usados, entre outras possibilidades, para pagar dívidas, desenvolver produtos e serviços, comprar outras empresas e internacionalizar a marca.

Eduardo L’Hotellier, fundador da GetNinjas, em SP
Eduardo L’Hotellier, 36, fundador da GetNinjas, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

No processo de IPO a fatia da companhia ofertada ao mercado é precificada para que seja dividida em milhões de frações —as ações— que são comercializadas.

“De 2020 para cá, 1 em cada 5 ofertas foi menor que R$ 500 milhões. Esse patamar não era comum no mercado brasileiro”, diz Leonardo Resende, gerente de relacionamento com empresas da B3, a Bolsa de Valores do país.

De janeiro do ano passado até agosto de 2021, 19,4% dos 72 processos de IPOs tiveram valor menor que R$ 500 milhões. Nos cinco anos anteriores, nenhuma das 20 ofertas foi abaixo desse patamar.

Empresas até então pouco conhecidas pelos investidores realizaram o processo de IPO nos últimos dois anos. Também novos segmentos marcam presença na Bolsa. Um deles é o de academias: a rede Smart Fit abriu capital em julho, enquanto que a Bluefit já pediu aval para o processo.

Flexibilizações nas regras publicadas em 2019 tornaram a Bolsa de Valores mais atrativa para empresas médias. Antes, as ofertas menores ficavam sujeitas à verificação, considerada uma barreira.

Além disso, a taxa básica de juros caiu para 2% no ano passado, o que fez com que pessoas físicas migrassem para a renda variável. No mês passado, a B3 registrou 3,9 milhões de CPFs, uma alta de 29,5% em relação ao mesmo período de 2020. O movimento persiste mesmo com a alta da Selic —atualmente em 6,25% ao ano.

Com mais pessoas físicas na Bolsa, as empresas menores ficam menos dependentes de grandes fundos de investimentos —alguns não apostam em IPOs dessas companhias.

Embora mais acessível, o processo de abertura de capital continua longo e custoso. Em geral, para que o IPO seja bem-sucedido, as empresas precisam implementar novos métodos de gestão com pelo menos 36 meses antes da oferta inicial de ações.

Uma exigência, por exemplo, é apresentar demonstrações financeiras dos últimos três anos auditadas por uma instituição independente. Quando há um plano definido, com projeções de crescimento e detalhes de como os recursos captados serão utilizados, um banco de investimento pode organizar o chamado road-show, em que a companhia é apresentada a potenciais acionistas.

Explicar o modelo de negócio e conquistar a confiança de investidores foram os maiores desafios para a GetNinjas no processo de IPO, diz Eduardo L’Hotellier, 36, fundador da empresa que conecta clientes a prestadores de serviços.

“Crescemos muito em 2020 e decidimos que era o momento certo para expandir. Percebemos que o mercado estava receptivo para empresas de tecnologias”, diz L’Hotellier. No ano passado, a empresa faturou R$ 47 milhões.

O IPO se concretizou em maio e, segundo o empresário, R$ 330 milhões foram captados. Parte do recurso está sendo usada para melhora do aplicativo. “Saímos de 90 colaboradores em 2020 para cerca de 230 hoje. A empresa mudou de patamar.”

Não existe tamanho mínimo para realizar a oferta pública inicial de ações, segundo Marcelo Lico, sócio da consultoria Crowe Macro, que auxiliou a GetNinjas nesse processo.

“O que interessa é que a empresa tenha bom projeto para crescimento e transparência de gestão. O investidor precisa acreditar que o negócio vai dar retorno superior ao de outras companhias ou de aplicações de bancos.”

No caso da Orizon Valorização de Resíduos, o crescimento de 20% ao ano antes da abertura de capital chamou a atenção do mercado, diz Milton Pilão, 51, diretor-executivo. Além disso, ele diz que políticas centradas em ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) foram diferenciais decisivos para atração de sócios no processo de IPO.

Milton Pilão, diretor da Orizon Valorização de Resíduos, no escritório da empresa em SP
Milton Pilão, diretor da Orizon Valorização de Resíduos, no escritório da empresa em SP - Zanone Fraissat/Folhapress

A empresa atua no tratamento de resíduos e investe em tecnologia para energia limpa, com práticas que vão de reciclagem à geração de biogás e energia elétrica.

A Orizon captou R$ 553 milhões no IPO concretizado no início deste ano. A expectativa é que parte do recurso seja usado na compra de aterros sanitários, que podem fazer a companhia dobrar no curto prazo, segundo Pilão. No ano passado, a empresa registrou receita líquida de R$ 392 milhões.

De acordo com Lico, os menores IPOs exigem que a empresa tenha em caixa pelo menos R$ 5 milhões. O recurso é usado para arcar com despesas de consultoria, advogados, contabilidade, entre outras.

Também é necessário que a companhia tenha protagonismo no setor em que atua, segundo Maurício Nozawa, sócio da consultoria BR Finance, que prepara empresas para a abertura de capital.

“Uma empresa média terá dificuldade em um segmento já consolidado na Bolsa. Na área da saúde, por exemplo, um hospital menor será precificado com desconto em relação a outras instituições já estabelecidas na Bolsa”, afirma Nozawa

Se a companhia não atingir a projeção de crescimento ou tiver algum problema na gestão, ela pode perder valor de mercado e cair em descrédito com investidores. Por isso, escolher a hora certa para a abertura do capital é outro fator que pode determinar seu sucesso.

Danielle Lopes, sócia da casa de análises Nord Research, diz que, com aumento da taxa básica de juros e proximidade das eleições, o momento é de cautela. “Com a Bolsa mais volátil, a tendência é de que investidores optem por companhias sólidas e com bom histórico. Não sabemos como empresas novas atravessariam períodos de crise”.

Levantamento feito por ela mostra que 63% das 46 ações lançadas em 2021 sofreram desvalorização em relação ao preço de início da negociação na Bolsa e o fechamento do mercado do último dia 4.

Como funciona o processo de IPO

O significa?
Em português, IPO significa oferta pública inicial. É o processo em que a empresa passa a ser de capital aberto e tem ações negociadas na Bolsa

É caro?
Sim. A empresa deve ter, no mínimo, R$ 5 milhões em caixa para arcar com despesas de consultoria, advogados, contabilidade, entre outras. Quanto maior o IPO, maiores os custos

O que precisa?
A empresa tem de ter gestão transparente e definir planejamento a longo prazo. É preciso saber como o recurso captado será utilizado. Ter um produto inovador, políticas ESG ou atuar em um segmento ainda pouco estabelecido na Bolsa são diferenciais

É demorado?
O IPO pode levar de seis meses a três anos para acontecer. Uma das exigências é que a companhia apresente demonstrações financeiras dos últimos 36 meses auditadas

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