Estrangeiro vê chances de negócio no Brasil, mas burocracia ainda é entrave

Mercado para pequenos e médios é mais aberto e tem menos proteção contra capital de fora

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São Paulo

Estrangeiros que escolheram o Brasil para viver e empreender investiram mais de R$ 1,6 bilhão por aqui entre 2011 e 2021. O dado, do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), mostra que o país tem oportunidades para o empresário de fora.

Foi o que enxergou o engenheiro americano Christopher Spikes, 43, quando visitou o Brasil em 2010, numa viagem de negócios, ainda como funcionário da consultoria Bain & Company. "Já voltei aos EUA disposto a abrir uma empresa no país, só não sabia de quê. Nem sequer falava português", conta.

Depois de fazer uma imersão para aprender a língua, Spikes voltou para São Paulo, onde viveu entre 2012 e 2014 como diretor no Brasil do site de compras coletivas Groupon (hoje mora no Rio). Esportista, ele não demorou a descobrir onde estava a oportunidade que buscava.

O americano Christopher Spikes, fundador da marca de roupas esportivas Authen
O americano Christopher Spikes, fundador da marca de roupas esportivas Authen - Divulgação

"Notei que faltavam no mercado nacional roupas esportivas para atletas de alta performance com modelagem para o estilo e o gosto das mulheres brasileiras", conta. Assim, Spikes vendeu um apartamento que tinha nos EUA e, com R$ 450 mil, abriu a Authen. A empresa cresce em ritmo acelerado: 130% entre 2020 e 2021.

As roupas esportivas, que ajudam a evitar lesões, estão em 400 pontos de venda, entre lojas físicas e online.

Durante o tempo em que morou em São Paulo como funcionário da Groupon, Spikes teve a chance de antecipar algumas das dificuldades que enfrentaria como empreendedor. Ainda assim, confessa, foi mais difícil do que o esperado.

"Quando você vai colocar a mão no fogo, sabe que vai doer. Mas não imaginei que doeria tanto, o Brasil não é mesmo para principiantes", afirma.

O aspecto mais desafiador, diz ele, foi a burocracia para abrir a empresa. "Você precisa do CNPJ para ter um endereço fiscal, mas deve ter um endereço fiscal para abrir o CNPJ. Vivi umas 18 situações parecidas. O Brasil poderia destravar o seu crescimento reduzindo a burocracia."

Dominar o idioma também não foi fácil. Ele conta que, já com a Authen em operação, demorou até se sentir seguro para conduzir uma reunião. "Até hoje não entendo piadas e tenho dificuldade com alguns sotaques", confessa.

Ele vê, ainda, a dificuldade para encontrar mão de obra qualificada como oportunidade de capacitação. "Hoje, tenho uma empresa onde os colaboradores sabem que vão se desenvolver em ritmo rápido", diz. Spikes tem 50 funcionários.

O casal de chineses Xiaoxiong Jin, 33, e Shen Lei, 34, já conhecia bem o Brasil quando abriu a primeira loja de bijuterias Le Briju, em 2016. Os dois, que adotaram os nomes Jefferson Jin e Ana Shen, vivem em São Paulo desde a adolescência e fizeram faculdade de economia e administração, respectivamente, por aqui.
Nem por isso o desafio foi menor. "O Brasil tem mais oportunidades que qualquer outro país, justamente porque o ambiente é tão hostil, com leis complexas. Aí muita gente desiste ", avalia Jin.

O chinês Jefferson Jin, 33, fundador da loja de bijuterias Le Briju, na unidade do shopping Pátio Paulista 
O chinês Jefferson Jin, 33, fundador da loja de bijuterias Le Briju, na unidade do shopping Pátio Paulista  - Jardiel Carvalho/Folhapress

O olhar de estrangeiro ajuda a enxergar lacunas do mercado. Ana, por exemplo, diz ter notado que a brasileira compra com frequência e dá preferência a acessórios mais jovens, coloridos e chamativos.
Na hora de elaborar o plano de negócios, o casal levou em conta as diferenças culturais e diz que acertou. A primeira unidade, no shopping Pátio Paulista, foi aberta com catálogo extenso e lançamentos semanais. Deu tão certo que a primeira filial foi inaugurada cinco meses depois, no shopping West Plaza.

E a rede não parou de crescer. Já são oito lojas próprias. Os cerca de 5.000 modelos à venda, nacionais e importados, têm preços entre R$ 10 e R$ 1.000. O ticket médio é de R$ 150, e cerca de metade do catálogo vem da China. Em 2021, a empresa faturou R$ 6,7 milhões e a projeção para este ano é de R$ 9 milhões.
Apesar das dificuldades para lidar com a burocracia brasileira, Jin tem planos ambiciosos e desde 2021 é franqueador. A primeira franquia foi aberta em 2021, em São Caetano do Sul (ABC paulista), e outra será inaugurada em abril, em Manaus. A meta é ter 90 em cinco anos.

"Não é fácil lidar com o jeitinho brasileiro. Mas o Brasil está melhorando. Há alguns anos, era quase impossível fechar uma empresa, o que já não acontece. As leis trabalhistas avançaram", diz Jin.
As oportunidades estão também no universo digital. Nascido na Alemanha e formado em Harvard, nos EUA, Jan Krutzinna, 47, fundou em 2014 a startup ChatClass.

É uma ferramenta de aprendizado que pode ser usada para vários fins, desde aulas de idiomas até aperfeiçoamento para funcionários de empresas. Os conteúdos são transmitidos via WhatsApp.
A afinidade do brasileiro com os meios digitais, diz Krutzinna, e a popularidade do aplicativo no país, foram decisivas para o negócio.

"Desenvolver pessoas através da educação sempre foi minha paixão, e o Brasil tem muito potencial humano, com enormes desafios estruturais. Ajudamos a treinar profissionais que não têm mesa nem laptop. Basta ter smartphone."

A pandemia proporcionou um salto para o crescimento da ChatClass. No período, Krutzinna assinou contrato com empresas como Faber-Castell, Stone e Empiricus. Seus conteúdos sobre sustentabilidade, educação financeira, gestão e vendas chegaram a mais de 180 mil pessoas.

Quando desembarcou no Brasil, o alemão sabia o que o esperava. Nos EUA, ele trabalhou na ONU e foi coautor de um relatório sobre o impacto do empreendedorismo nos países em desenvolvimento.


"A burocracia deve, em tese, evitar fraudes, mas elas seguem existindo. Assim como simplificou processos para os MEIs, o governo deveria adotar a mesma lógica para as startups", afirma.

Para Thiago Batista e Rodolfo Andrade, diretores da BrazilBS, assessoria especializada em imigração e gestão de negócios, a burocracia é a maior pedra no caminho dos estrangeiros que investem no Brasil.
"Há em qualquer lugar, mas somos referência em burocracia redundante. Você preenche um formulário que te autoriza a preencher outro. O estrangeiro demora a compreender", diz Andrade.

A dificuldade varia conforme o estado. São Paulo, diz Andrade, está entre os mais eficientes. Outros são referência em determinados setores.

Mas, de forma geral, o Brasil está cada vez mais aberto a investidores imigrantes, avalia Batista. "Para empresas grandes, entrar aqui ainda é difícil, há muita proteção de mercado. Mas o mesmo não acontece com investidores de pequeno porte, e eles sabem bem as oportunidades."

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