STF avalia se Brasil poderia deter ditador do Sudão
Embora o chanceler Celso Amorim tenha sido taxativo mais de uma vez ao afirmar que o país cumprirá o mandado de prisão internacional contra o ditador sudanês, Omar al Bashir, caso ele viaje para o Brasil, no STF (Supremo Tribunal Federal) o tema suscita dúvidas.
Após receber um pedido sigiloso do Itamaraty, a mais alta corte do país começou a analisar, no último dia 17, a ordem emitida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Bashir por crimes de guerra e contra a humanidade. O sigilo foi rejeitado, mas não a análise.
Em avaliação preliminar, o STF evoca possíveis inconsistências entre o mandado de prisão do TPI e a Constituição. Uma delas é a hipótese de Bashir ser condenado à prisão perpétua, pena proibida no Brasil.
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"A matéria suscita reflexões em torno do TPI e do Estatuto de Roma, ainda mais em face das diversas objeções que têm sido expostas por eminentes doutrinadores", ponderou o ministro Celso de Mello. Num despacho de 19 páginas, Mello lembrou a controvérsia sobre a incorporação dos termos do estatuto, que criou o TPI, ao ordenamento jurídico brasileiro.
"Há uma tensão entre alguns dispositivos do Estatuto de Roma e a Constituição no campo das garantias penais", diz Oscar Vilhena, diretor da organização de direitos humanos Conectas e professor da Escola de Direito Constitucional da FGV-SP.
A discussão sobre supostas incompatibilidades entre o TPI e a Constituição não é nova e divide juristas desde a ratificação pelo Brasil do Tratado de Roma, em 2002. Mas agora ganha relevância por haver um pedido concreto ao Brasil e contra um líder em exercício.
Para muitos juristas, o Estatuto de Roma foi incorporado à ordem jurídica brasileira com a emenda 45, de 2004. Mas o próprio ministro Celso de Mello aponta ruídos que indicam 'a alta relevância do tema e a necessidade de discussão, por esta Suprema Corte, de diversas questões que emanam da análise concreta deste pleito'.
Um exemplo é o artigo 27 do Estatuto de Roma, que considera irrelevante se o réu é chefe de Estado. O Brasil, por tradição, reconhece a imunidade diplomática do dirigente.
Vilhena aponta que o estatuto se choca com garantias fundamentais brasileiras, "cláusulas pétreas" que não podem ser mudadas nem por reforma constitucional --como a proibição da pena perpétua.
Mas não acredita que isso impediria a prisão de Bashir caso ele visite o Brasil. "Esse problema pode ser resolvido se o TPI se comprometer a não aplicar uma pena maior do que 30 anos [máximo permitido no Brasil]. Assim, o STF não teria por que negar", diz Vilhena.
Embora o tema por enquanto se restrinja a debates nos meios especializados, ele pode se transformar em problema real no mês que vem, quando Bashir é esperado em Caracas no encontro África-América do Sul, para o qual foi convidado por Hugo Chávez, cujo país é um dos 110 signatários do TPI.
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