Análise: Morte de promotor se soma a investigação nebulosa na Argentina
A morte em circunstâncias misteriosas do promotor Alberto Nisman joga ainda mais fumaça no nebuloso caminho das investigações sobre o atentado contra a Amia (Associação Mutual Israelita Argentina).
Desde que a tragédia ocorreu, em julho de 1994, houve destruição de evidências, denúncias de compra de depoimentos e acobertamento de supostos culpados.
Munido de mais de 300 gravações de escutas telefônicas realizadas nos últimos anos, Nisman compareceria nesta segunda-feira (19) ao Congresso para explicar o porquê de sua certeza de que a presidente Cristina Kirchner teria acobertado suspeitos.
Agora, o destino dessas gravações é incerto. Os registros estavam em seu apartamento, onde ele foi encontrado morto nesta madrugada.
Os problemas da investigação se iniciaram logo que as equipes de busca começaram a atuar nos escombros, em 18 de julho de 1994.
Enrique Marcarian - 18.jul.94/Reuters | ||
Equipe de resgate trabalha sobre escombros do prédio destruído no atentado, em 1994 |
Não foram feitas várias autópsias e corpos ficaram sem identificar. Até mesmo uma cabeça, que depois consideraram ser do homem que levou a bomba ao local, foi jogada numa lata de lixo.
Ainda na gestão Carlos Menem (1989-1999), desapareceram gravações e documentos relativos ao caso que estavam em poder da então chamada Side (hoje Secretaria de Inteligência).
As investigações, porém, seguiram, pelas mãos do juiz Juan José Galeano.
O magistrado, que se tornou popular pela eficiência e rapidez nas conclusões, apontou Carlos Telleldín, que havia vendido a van roubada que os terroristas usaram no ataque, e mais vinte policiais argentinos que estariam envolvidos.
A comemoração pelo parcial desenlace do caso, porém, se diluiu quando foi revelada uma gravação em que Galeano aparecia subornando Telleldín para que fizesse seu depoimento
por US$ 400 mil.
O juiz sofreu impeachment e todos os acusados foram considerados inocentes. A verdade parecia cada vez mais longe. Enquanto isso, familiares das vítimas e entidades judaicas iam às ruas e exerciam pressão sobre parlamentares.
Em 2006, os promotores do caso, entre eles Nisman, acusaram o governo do Irã de ter planejado o ataque, que teria sido levado a cabo pelo Hezbollah. Nenhum suspeito, porém, foi preso.
Logo que assumiu, Néstor Kirchner (1950-2010) prometeu aos familiares das vítimas que abriria os arquivos classificados do caso, mas não o fez.
Claudio Fanchi/Xinhua | ||
O corpo do promotor Alberto Nisman é retirado do edifício onde morava, em Buenos Aires |
Paralelamente, já conversava com autoridades iranianas para que um acordo fosse costurado. Coube à sua viúva e sucessora, Cristina, assina-lo, em 2012, dando grandes benefícios para que os acusados iranianos não precisassem sair de seu país para responder a processo.
Após a assinatura do mesmo, as exportações argentinas de grãos ao Irã aumentou, na mesma proporção das vendas de petróleo deste país à nação sul-americana.
A tragédia de ontem coloca ainda mais obstáculos para que a morte de 86 pessoas (as 85 que estavam na entidade, mais o homem que carregou a bomba) seja resolvida. Seguidos encobrimentos de evidências, falta de transparência das investigações e manobras para construir testemunhas já eram um ataque às instituições republicanas da Argentina.
Se confirmada a hipótese de assassinato de Nisman, ou a de suicídio por pressão de algum grupo ou pessoa, o caso provocará um forte abalo na estrutura republicana do país vizinho.
Em ano eleitoral, a tragédia pode redefinir apoios e candidaturas.
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