Obama encontra sua voz sobre questão racial em meio à turbulência
Enquanto refletia sobre as feridas abertas e aprofundadas por questões raciais e as queixas que têm estado dolorosamente visíveis nas cidades americanas nos últimos tempos, o presidente Obama se viu, na segunda-feira, pensando sobre um jovem que tinha acabado de conhecer, chamado Malachi.
Alguns minutos antes, numa mesa-redonda a portas fechadas no Lehman College, no Bronx, Obama perguntara a um grupo de estudantes negros e hispânicos de famílias carentes o que poderia ser feito para ajudá-los a alcançar suas metas. Vários deles falaram em programas de orientação psicológica e vocacional.
"Malachi só aventou que deveríamos falar sobre o amor", disse Obama mais tarde a uma plateia, afastando-se do texto redigido de seu discurso. "Porque Malachi e eu temos em comum o fato de termos crescido sem um pai por perto e que às vezes nos perguntávamos por que ele não estava ali e o que tinha acontecido. Mas, na realidade, tudo se resume ao seguinte: se amamos esses jovens ou não."
Muitos presidentes já governaram durante tempos de tensão racial, mas Obama é o primeiro presidente a enxergar no espelho um rosto que se parece com os do outro lado do balcão da história. Seu primeiro mandato presidencial foi ocupado pela economia, a guerra e a saúde, mas o segundo não para de voltar para uma divisão social que sua eleição não conseguiu sanar.
Um presidente que rejeitou a ideia de debruçar-se sobre a questão racial agora parece ter reencontrado sua voz, enquanto reflete sobre como usar o tempo que lhe resta na Presidência e depois dela.
Depois dos tumultos raciais em lugares como Baltimore, Ferguson (Missouri) e Nova York, Obama foi ao Bronx na segunda-feira para o anúncio de uma nova organização sem fins lucrativos que está sendo criada a partir de sua iniciativa My Brother's Keeper (o Protetor de Meu Irmão), lançada pela Casa Branca.
Fundada com mais de US$80 milhões em recursos prometidos por empresas e outros doadores, o novo grupo, a My Brother's Keeper Alliance, vai, concretamente, formar o núcleo da pós-Presidência de Obama, que começará em janeiro de 2017.
"Isto vai continuar a ser uma missão para mim e para Michelle, não apenas pelo resto de minha Presidência mas pelo resto de minha vida", disse Obama. "E a razão é simples."
Aludindo a alguns dos jovens que tinha acabado de conhecer, ele disse: "Nós nos enxergamos naqueles jovens. Eu cresci sem pai. Me perdi em alguns momentos e andei sem rumo, sem ter uma ideia clara do caminho a seguir. A única diferença entre eu e muitos outros rapazes neste bairro e em todo o país é que eu cresci em um ambiente um pouco mais leniente."
Os organizadores da nova aliança disseram que ela já recebeu promessas de recursos financeiros de empresas como American Express, Deloitte, Discovery Communications e News Corp. O dinheiro será usado para ajudar empresas a superar obstáculos enfrentados por jovens negros e hispânicos, fornecer dotações a programas para jovens carentes e ajudar as comunidades a assistir suas populações.
A aliança já estava sendo criada antes dos tumultos da semana passada que se seguiram à morte de Freddie Gray, negro que sofreu lesões fatais enquanto estava em custódia da polícia em Baltimore, mas ela reflete a evolução da Presidência de Obama.
Para ele, de certo modo, ela representa um retorno aos problemas que o mobilizavam quando era político e organizador comunitário jovem. Foi sua própria luta com problemas de raça e identidade, capturada em sua autobiografia juvenil "A Origem dos Meus Sonhos", que o diferenciou dos outros candidatos presidenciais.
Mas esse era um lado seu que Obama deixou em grande medida oculto nos primeiros anos de sua Presidência, enquanto se concentrava sobre outras prioridades, como imprimir uma virada na economia, ampliar o atendimento à saúde subsidiado pelo governo e evitar minas terrestres eleitorais no caminho à reeleição.
Depois de garantir um segundo mandato, Obama pareceu ter ganho mais ousadia. Um mês após sua posse em 2013, ele falou com veemência sobre oportunidade e raça com um grupo de rapazes adolescentes em Chicago.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Foi um momento que assessores seus apontam como talvez tendo sido o primeiro em que ele falou dessas questões em tom tão pessoal e forte, desde tornar-se presidente. Alguns meses mais tarde ele lamentou publicamente a morte do adolescente negro Trayvon Martin, na Flórida, dizendo que "esse poderia ter sido eu 35 anos atrás".
Esse caso, somado às explosões públicas de revolta com aos incidentes em que policiais dispararam contra negros em Ferguson e outras cidades, levaram o problema da raça e do policiamento para a agenda pública.
Assessores de Obama disseram imaginar que, com sua Presidência chegando à fase final, Obama pode estar pensando mais sobre o que virá depois dela e quais causas ele poderá defender como cidadão comum.
Tradução de CLARA ALLAIN
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