Brasileiros fazem sucesso no Japão com bossa-nova, futebol e mortadela
Foi em Paris, no dia 5 de novembro de 1895, que o Brasil e o Japão deram início às relações diplomáticas ao assinarem o "Tratado de Amizade, Comércio e Navegação". "Haverá paz perpétua e amizade constante entre os Estados Unidos do Brasil e o Império do Japão", estava escrito no compromisso firmado pelos embaixadores dos dois países, Soné Arasake e Toledo Piza e Almeida.
Já se passaram quase 120 anos e as relações de amizade, comércio, cooperação econômica e tecnológica, além de integração sócio-cultural e esportiva podem ser claramente vistas no cotidianos dos dois países.
O futebol, por exemplo, ganhou popularidade no Japão graças a jogadores e técnicos brasileiros.
Grandes nomes do esporte passaram por clubes japoneses e ajudaram a fortalecer a modalidade, entre eles Jorginho, Nelsinho Batista, Alcindo, Bismarck, Rui Ramos e Zico, que inclusive foi treinador da seleção japonesa. Na primeira divisão deste ano da liga japonesa, 36 jogadores brasileiros estavam inscritos, sem contar os membros da comissão técnica.
Mas não é somente o futebol que ganhou um tempero bem brasileiro no Japão. São vários os aspectos em que é visível a influência do Brasil. Conheça a seguir três histórias de brasileiros que ajudaram a fomentar e intensificar esse intercâmbio entre os dois países.
BOSSA-NOVA
Nascida em São Paulo e criada no Brasil até os 10 anos, Lisa Ono começou a cantar e tocar violão aos 15, quando já morava no Japão. Iniciou a carreira profissional em 1989 e foi uma das responsáveis pela popularização da bossa nova no Japão. "A música brasileira no Japão surgiu com muita naturalidade. Não foi nenhum boom, mas se consolidou e continua a ter seu espaço no mercado japonês", disse à Folha.
Para se ter ideia do quanto a bossa nova faz sucesso no Japão, o estilo é o preferido como som ambiente de hotéis, cafeterias, restaurantes, salões de beleza e outros tipos de estabelecimentos comerciais. "Os japoneses gostam muito da bossa nova porque ela é incolor: quando você está triste, ela te consola; quando você está feliz, a sua felicidade aumenta", explica.
Lisa já tocou com Tom Jobim, João Donato e outros músicos consagrados. Um de seus álbuns vendeu mais de duzentas mil cópias, e ela ganhou quatro vezes o "disco de ouro" japonês na categoria jazz. Em 2013, foi homenageada pelo governo brasileiro com a Ordem de Rio Branco, grau Oficial, pelo seu trabalho de divulgação da bossa nova no Japão e se tornou uma verdadeira embaixatriz da música brasileira no arquipélago.
GASTRONOMIA
Edson Tamada, 43, chegou ao Japão em 1990. Foi operário de fábrica por três anos, mas sua inquietude por empreender o levou rapidamente de volta ao comércio, trabalho que exercia no Brasil, e passou a comprar e vender carne. Depois, começou a importar cuecas e meias brasileiras e logo passou a comercializar produtos diversos importados do Brasil nas cidades com grande concentração de conterrâneos.
Em 1998, criou uma fábrica e passou a produzir pão francês, linguiça e, mais tarde, mortadela. O crescimento foi muito rápido, mas também desordenado, admite Tamada. "Perdi praticamente tudo e, para recuperar o mercado, tive de reformular o negócio", conta. Dos 700 funcionários, ficou com apenas 30. Hoje, já recuperado e com as dívidas quitadas, ele emprega cerca de 200 pessoas.
"Porém, tive de recomeçar do zero e buscar novos mercados", diz Tamada, que acabou se tornando o responsável pela popularização do pão de queijo, da mortadela, dos embutidos e do guaraná brasileiro no Japão. Ele produz e distribuiu os produtos no país todos, em grandes redes de supermercados e restaurantes.
A empresa de Tamada é também um dos principais patrocinadores do UFC Fight Night Japan, o braço asiático da maior empresa de promoção e organização de eventos de MMA do mundo.
SAMBA
Há exatos 30 anos, Célia Correia, 59, deixava um emprego estável em São Paulo para se aventurar como dançarina de shows folclóricos no Japão.
"Eu sempre gostei de dançar, estudei balé e, por isso, resolvi arriscar", conta. Era um contrato curto, de apenas seis meses, mas a viagem mudou a vida da cearense. "Gostei tanto que voltei outras duas vezes, para mais duas temporadas", lembra a empresária, que acabou conhecendo o primeiro marido, um nikkei brasileiro, e por isso decidiu voltar de vez para o país asiático.
O casal passou então a investir em shows de samba. "Contratamos brasileiras, ensinei o que sabia e passamos a organizar eventos em Tóquio."
Célia também dava aulas de dança para japonesas e teve papel importante no desenvolvimento de um dos maiores desfiles carnavalescos fora do Brasil, o Carnaval de Asakusa, na capital japonesa. "Ensinei as passistas japonesas a dançar."
Hoje, Célia continua a organizar eventos de samba. Sua última aula, no começo deste mês, reuniu mais de 70 japoneses, interessados em aprender os passos básicos do ritmo mais popular do Brasil.
Também prepara o lançamento de um single, o "Samurai Azul Anil", com a participação de 16 músicos brasileiros e japoneses para comemorar os 120 anos de relações de amizade entre Brasil e Japão.
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