Mentor da 'lei da maconha' no Uruguai celebra avanços na distribuição
Três anos após ser aprovada pelo Congresso uruguaio, a lei que controla a produção e a distribuição da cannabis —popularmente conhecida como "lei da maconha" finalmente será implementada em sua íntegra no começo do segundo semestre.
Dois itens já haviam sido regulados e estão em funcionamento: os clubes de cultivo (nos quais até 45 sócios podem plantar e usufruir de cem plantas) e a autorização individual (em que uma pessoa pode ter, em casa, até seis pés, para uso particular).
Desde a aprovação da lei já se registraram 4.400 cultivadores individuais e 17 clubes. O Uruguai tem 3,3 milhões de habitantes.
Já a parte mais complicada da lei que faltava regular era a da venda em farmácias, que dividiu opiniões no Congresso e contava com a desconfiança do atual presidente, Tabaré Vázquez.
Na semana passada, porém, chegou-se a um consenso e o governo divulgou as regras e requisitos para a distribuição comercial.
"Levou mais tempo do que esperávamos, mas o resultado é positivo. O recado do Uruguai para o mundo é que existem alternativas para combater o narcotráfico que não passam pelo uso da força e da repressão", disse à Folha o sociólogo Julio Calzada, principal responsável pela articulação da lei.
A produção da maconha por empresas que obtiveram permissão já teve início, e o cultivo vem sendo realizado sob forte vigilância.
O primeiro estoque será entregue em junho às farmácias registradas, que terão de obedecer alguns requisitos. Como qualquer medicamento de venda controlada, a maconha será guardada em local trancado no interior da loja, que poderá guardar até 2 kg no estoque, renovado quinzenalmente.
A venda só poderá ser feita a compradores registrados e identificados de forma digital —só podem se inscrever no programa cidadãos uruguaios ou residentes permanentes.
Cada usuário inscrito poderá comprar até 10 gramas por semana. O preço, também controlado pelo governo, será a princípio de US$ 1 (R$ 3,62) por grama.
MUJICA E TABARÉ
A iniciativa da criação da lei veio de um grupo de estudiosos e políticos, mas acabou virando principal símbolo da gestão do ex-presidente José "Pepe" Mujica (2010-15), que impulsou a aprovação pelo Congresso.
"Há temor dos donos de farmácia com a possibilidade de roubos e ataques, mas o governo não está apenas distribuindo o produto", disse Calzada.
"A implementação da lei vêm de uma série de medidas que vão da garantia de segurança dos cultivadores e farmácias aos programas de assistência a usuários e viciados, algo que o Estado uruguaio já promove há tempos."
Calzada esteve na elaboração do projeto desde o início. Com um histórico de ter trabalhado por mais de 20 anos com jovens carentes nas favelas de Montevidéu, o sociólogo diz que a lei visa tirar do crime organizado o controle do comércio, reduzindo a violência, especialmente nas áreas mais humildes.
Além disso, com a estatização da produção, o governo se responsabiliza por oferecer um produto de melhor qualidade que o contrabandeado via Paraguai, que costuma conter substâncias ainda mais letais.
"O objetivo central é tirar poder do narcotráfico. No Uruguai, o tráfico lucrava US$ 40 milhões ao ano e potencializava a criminalidade."
Para Calzada, o principal avanço no plano internacional foi o fato de que a "solução uruguaia" foi reconhecida como "séria e respeitada". Já sobre sua possível exportação a outros países, o sociólogo faz ressalvas. "É preciso ressaltar que essa é a resposta uruguaia ao problema do narcotráfico. Pode e deve ser usada como referência. Mas cada país deve buscar a sua."
Sobre o apoio algo hesitante do sucessor de Mujica, Tabaré Vázquez, à implementação da lei, Calzada considera que o presidente, apesar de ter ressalvas, jamais pensou em rejeitá-la, como se chegou a especular durante a campanha eleitoral de 2014.
"Há um aspecto positivo na nossa história política, que é o respeito à institucionalidade e à Constituição. O Uruguai é um país legalista, e as leis não podem ser derrubadas apenas porque um novo presidente não gosta delas."
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