Polônia pedirá extradição de chefe nazista que vive em Minnesota

MONIKA SCISLOWSKA
DAVID RISING
DA ASSOCIATED PRESS, EM VARSÓVIA

A Polônia vai pedir a detenção e extradição de um morador do Estado americano de Minnesota exposto pela agência de notícias Associated Press (AP) como tendo sido o comandante de uma unidade liderada pela SS (milícia nazista) que incendiou vilas polonesas e matou civis na Segunda Guerra. O anúncio foi feito por promotores na segunda-feira (13).

O promotor Robert Janicki disse que evidências colhidas ao longo de anos de investigações sobre o cidadão americano Michael K. confirmaram que ele foi comandante de uma unidade da Legião Ucraniana de Autodefesa, liderada pela SS.

Respeitando as leis de privacidade da Polônia, Janicki não divulgou o sobrenome do suspeito, mas a AP o identificou como Michael Karkoc, 98, residente de Minneapolis.

"Todas as evidências, tomadas em conjunto, nos permitem afirmar que a pessoa que vive nos EUA é Michael K., que comandou a Legião Ucraniana de Autodefesa que realizou a pacificação de vilarejos poloneses na região de Lublin", disse Janicki.

A decisão na Polônia chegou quatro anos depois de a AP ter publicado reportagem –baseada em documentos da época da guerra, depoimentos de outros membros da unidade e o livro de memórias do próprio Karkoc, em ucraniano– afirmando que Michael Karkoc comandou a unidade.

A família de Karkoc negou repetidamente que ele tenha tido envolvimento em qualquer crime de guerra, e, após a declaração feita pela Polônia, seu filho questionou o valor das evidências reunidas contra Karkoc, descrevendo as acusações como "calúnias escandalosas e sem fundamento".

"Não existe nada no registro histórico que indique que meu pai exerceu qualquer papel em qualquer tipo de atividade criminosa de guerra", disse Andriy Karkoc.

Ele questionou a investigação polonesa, dizendo: "A identidade de meu pai nunca esteve em dúvida e nunca foi oculta".

Na Polônia, o promotor Andrzej Pozorski disse que Karkoc terá toda oportunidade de apresentar seu relato dos fatos.

"Essa pessoa ainda não foi interrogada como suspeita, de modo que é difícil reagir às suas explicações, porque as desconhecemos", disse Pozorski, que comanda a equipe investigativa em um instituto do Estado.

Promotores do Instituto Nacional de Memória, que investiga crimes contra poloneses cometidos nas eras nazista e comunista, pediram a um tribunal de Lublin a emissão de um mandato de prisão de Karkoc. Se for concedido, a Polônia pedirá sua extradição, já que o país não autoriza a realização de julgamentos sem a presença do réu, disse Janicki.

Ele acrescentou que a idade de Karkoc não constitui obstáculo ao esforço de levá-lo à Justiça.

"Ele é nosso suspeito hoje", disse Janicki.

Se for condenado por ordenar a morte de civis em 1944, Karkoc pode passar o resto da vida na prisão.

A promotoria do Minnesota se negou a dar declarações sobre o assunto.

Efraim Zuroff, o principal caçador de nazistas do Centro Simon Wiesenthal, aplaudiu a decisão, que considerou importante, mesmo nesta etapa tardia.

"Qualquer medida legal tomada contra essas pessoas é muito importante", ele disse ao telefone de Jerusalém. "Ela transmite uma mensagem muito poderosa. Esse tipo de esforço não deve ser abandonado apenas em função da idade avançada de um suspeito."

Pozorzki, em Varsóvia, compartilhou essa visão.

"Este caso mostra que ainda existe uma chance de levar os responsáveis à Justiça, e acho que nunca devemos abrir mão da chance de exercer justiça."

Promotores na Alemanha arquivaram sua própria investigação sobre Karkoc em 2015, depois de receber "documentação médica ampla" de médicos de um hospital geriátrico nos EUA onde Karkoc estava sendo tratado que os levou a concluir que Karkoc não tinha condições de saúde para ir a julgamento.

A família de Karkoc diz que ele tem mal de Alzheimer.

Zuroff recomendou que ele seja reavaliado por médicos independentes.

"É muito comum que indivíduos idosos que enfrentam a possibilidade de ser julgados por crimes cometidos na Segunda Guerra se esforcem para aparentar doença e debilidade máxima", ele explicou.

As investigações na Alemanha e Polônia começaram depois de uma reportagem publicada pela AP em junho de 2013, que revelou que Karkoc foi comandante da unidade e mentiu às autoridades de imigração americanas para entrar nos Estados Unidos alguns anos após a guerra.

Uma segunda reportagem apresentou provas de que em 1944 o próprio Karkoc ordenou a seus homens que atacassem um vilarejo polonês, uma ação em que dezenas de civis foram assassinados, contradizendo afirmações da família de Karkoc dizendo que ele nunca tinha estado no local.

"A Associated Press confirma suas reportagens, que foram amplamente documentadas e pesquisadas", disse na segunda-feira Lauren Easton, diretora de relações com a mídia da AP.

A promotoria alemã especial que investiga crimes de guerra nazistas concluiu que havia evidências suficientes para acusar Karkoc de homicídio.

A investigação inicial da AP descobriu que Karkoc ingressou nos EUA em 1949, deixando de revelar às autoridades americanas seu papel como comandante na Legião Ucraniana de Autodefesa, liderada pela SS. A investigação descobriu que Karkoc esteve na área dos massacres, mas não encontrou provas que o vinculassem diretamente às atrocidades.

A segunda reportagem, baseada em um arquivo investigativo vindo originalmente dos arquivos da agência de inteligência ucraniana, revelou que em 1968 um soldado raso sob o comando de Karkoc disse em depoimento que Karkoc ordenou um ataque ao vilarejo de Chlaniow em represália pelo assassinato do major da SS que comandava a Legião, na qual Karkoc era comandante de uma companhia.

Uma lista alemã de nomes dos componentes da unidade confirmou que o soldado raso Ivan Sharko, ucraniano, serviu sob o comando de Karkoc na época.

Relatos de outras testemunhas oculares, tanto moradores do vilarejo quanto membros da unidade de Karkoc, corroboraram que a companhia ateou fogo a construções e fuzilou mais de 40 homens, mulheres e crianças.

Outros soldados que serviram sob o comando de Karkoc confirmaram o depoimento de Sharko sobre o massacre de civis.

O soldado Vasyl Malazhenski, por exemplo, disse a investigadores soviéticos que em 1944 aquela unidade recebeu ordens de "liquidar todos os residentes" de Chlaniow –embora ele não tenha dito de quem partiu a ordem.

Sharko também disse em seu depoimento judicial que a companhia de Karkoc se envolveu diretamente numa "missão punitiva" contra poloneses perto do vilarejo de Sagryn em 1944.

Tradução de CLARA ALLAIN

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