Solidariedade feminina ajuda sírias em campos de refugiados na Turquia
Ozan Kose - 4.abr.2016/AFP | ||
Refugiadas desembarcam na região de Izmir, na Turquia |
Quem visita os campos de refugiados sírios na Turquia pela primeira vez talvez não imagine se deparar com mulheres tão descontraídas, tampouco com tanta vontade de falar sobre sua saúde menstrual, relacionamentos e vida íntima.
Talvez também seja inesperado encontrar estas mesmas mulheres lutando contra uma próxima gravidez indesejada, lançando mão de métodos contraceptivos nunca antes usados por elas no seu país de origem, a Síria.
Na condição de refugiadas, essas mulheres precisam tomar as rédeas do planejamento familiar, tornando-se responsáveis por evitar a concepção sem o conhecimento dos maridos.
Isso impacta o modo como essas comunidades temporárias se estruturam, se contrapondo a elementos culturais como religião e etnia.
A rotina nos campos é muito diferente da vida na Síria. Enquanto os homens trabalham na terra em fazendas da região, toda a organização dos campos fica a cargo das mulheres.
O maior tempo sozinhas dá a elas liberdade para fazer uso de métodos contraceptivos como a pílula anticoncepcional e o dispositivo intrauterino, que são invisíveis, e na maioria das vezes inaceitáveis, aos olhos masculinos.
A Turquia é o país com o maior numero de refugiados sírios. São cerca de 3 milhões e, segundo a ONU, 90% deles vivem fora de campos oficiais do país.
No território turco, os refugiados se concentram em campos administrados pelo governo, em campos rurais e em zonas urbanas como Gaziantep, Izmir e Istanbul.
PERFIL
Os refugiados que vivem na Turquia não possuem o mesmo perfil daqueles que cruzam o mar Mediterrâneo na tentativa de buscar asilo em países da Europa. Por esperarem o retorno para casa, o asilo europeu não é uma opção ou vontade.
Ali, muitos deles se assentam em campos irregulares em regiões rurais do país como a cidade de Izmir, na costa oeste.
A parcela da população refugiada síria vivendo em centros urbanos é pequena, se comparada ao numero de famílias vivendo nos campos rurais, onde as condições sanitárias são precárias, sem saneamento básico.
Nos campos, as mulheres passam a maior parte do tempo com crianças e adolescentes por perto.
Elas utilizam o hijab, véu que cobre somente os cabelos, e muitas possuem pequenas tatuagens no rosto, em forma de riscos ou pontos, que demarcam a etnia à qual pertencem.
Os olhos estão quase sempre muito esfumados de kajal (um tipo de maquiagem) e muitas possuem piercings no nariz, que geralmente são colocados nas meninas quando ainda são bebês.
TESTEMUNHOS
As narrativas pessoais e os testemunhos que cada mulher compartilha nesses campos rurais se repetem.
Sem acesso a absorventes íntimos durante o período menstrual, elas utilizam pedaços de tecido que recortam das próprias roupas, explica Fatuh, escondida sob o hijab escuro meio encardido (as personagens da reportagem tiveram seus nomes modificados para proteger suas identidades).
Muitas não possuem roupas íntimas e o desafio de passar pelo período menstrual é ainda maior.
Essa não era a realidade delas na Síria, confidencia Amira, 26.
Pouco usado nos campos, o sutiã costuma ser substituído por uma espécie de combinação que cobre o corpo todo por baixo dos vestidos que elas mesmas confeccionam.
Zahra, uma menina de 14 anos, conta que teve sua primeira menstruação já vivendo no campo, aos 13 –realidade de muitas garotas que se abrigam na região.
Sem acesso a absorventes íntimos, ela utilizou uma fralda descartável durante o período menstrual.
Infecções ginecológicas são comuns nos campos e as mulheres não escondem o desconforto e as condições precárias com as quais precisam conviver.
Elas cozinham, organizam e limpam tendas, cuidam das crianças, cuidam de si próprias e precisam se reinventar, todos os dias, para manter os campos funcionando.
Há mulheres que dão à luz dentro da tenda e que no dia seguinte estão de pé cozinhando, preparando o khubz saj, um pão bem fino assado diariamente que forma a base da maioria das refeições no campo.
Há meninas de 15 anos que nunca menstruaram e meninas da mesma idade com dois filhos no colo.
Mais do que isso, existem nomes próprios, rostos e histórias pessoais, e a certeza de que o sentimento de solidariedade prevalece no cotidiano dessas mulheres.
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