Em livro de entrevistas, Bush pai e filho destilam críticas a Trump

ESTELITA HASS CARAZZAI
DE WASHINGTON

Foi na década de 1990, quando Donald Trump ainda era apenas um apresentador televisivo e empresário do ramo imobiliário, que o presidente George H. W. Bush —o primeiro dos presidentes Bush— quase encontrou pela primeira vez o atual mandatário dos EUA. Mas, diante da oferta de um breve contato, na sala VIP de um aeroporto, o republicano foi rápido: "Deus, não", e enfiou a cara no jornal que lia.

A antipatia dos Bush aumentou depois da meteórica ascensão de Trump no Partido Republicano, que eles integraram desde a juventude e pelo qual cumpriram três mandatos presidenciais —primeiro, com Bush pai (1989-93); depois, com George W. Bush, entre 2001 e 2009.

"Eu não gosto dele. É um fanfarrão", afirmou Bush pai ao historiador Mark Updegrove. Na eleição, votou na democrata Hillary Clinton.

Bush filho disse não ter votado em nenhum dos dois. Quando Trump fez seu discurso de posse, comentou: "Essa merda foi estranha".

Os relatos de pai e filho estão em "The Last Republicans" (os últimos republicanos), livro lançado este mês nos Estados Unidos.

"O partido que ambos ajudaram a definir se tornou irreconhecível", escreve o historiador, texano como os Bush e que realizou entrevistas exclusivas com pai e filho.

Updegrove expõe o legado dos presidentes de número 41 e 43 dos EUA como oposto ao que Trump tenta fazer na Casa Branca, com seu "América em primeiro lugar".

O maior destaque é a inclinação para o globalismo —ainda que baseado na crença da influência benéfica de uma América virtuosa.

Bush pai, que em seu discurso de posse, em 1989, prometeu uma nação "mais gentil" e suave, destaca a qualidade da prudência.

"O poder, quando acompanhado da arrogância, é muito perigoso. É especialmente perigoso quando é dado àqueles sem nenhuma experiência real —pois eles podem abusar das instituições", escreveu, em carta aos filhos, ao comentar o caso Watergate, revelada no livro de Updegrove.

Na tentativa de explicar o fenômeno Trump, que desbancou um terceiro Bush da candidatura presidencial (o ex-governador da Flórida Jeb, segundo filho de Bush pai), George W. atribui sua vitória ao fato de ele ter captado o "clima" do país.

"Você poderia explorar a ira [dos americanos] e incitá-la, ou lançar propostas para resolvê-la. Mas isso não se adequava ao clima", afirmou. "As pessoas estavam furiosas com o establishment, e não há nada mais establishment do que ter um irmão e um pai que foram presidentes."

Updegrove pondera que nem Bush pai, que não conseguiu a reeleição, nem Bush filho, que deixou a Casa Branca com uma rejeição de 61%, são unanimidade.

Seu relato, porém, é enfraquecido pela ausência de depoimentos dos principais adversários do clã, que dariam às críticas um tom mais incisivo. A crise financeira de 2008, no governo Bush filho, pouco aparece. As acusações de assédio sexual contra Bush pai são ignoradas.

Updegrove faz referência ao também republicano Ronald Reagan (presidente entre 1981 e 1989), que fez um discurso histórico em frente ao Muro de Berlim em 1987, quando clamou ao então líder da União Soviética: "Gorbatchov, destrua este muro!".

"O país se posicionava para derrubar muros, e não para construí-los", resume.

THE LAST REPUBLICANS
AUTOR Mark K. Updegrove
EDITORA Harper
QUANTO US$ 19 (a partir de US$ 14 em e-book; 496 págs.)

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