E-commerce cria corredor industrial nos Estados Unidos

Crédito: Sam Hodgson/The New York Times FILE -- The warehouse floor inside Zulily's fulfillment center in Bethlehem, Pa., Oct. 12, 2017. The Labor Department released the December figures on hiring and unemployment on Jan. 5, 2018, with another gain capping a year of increasing opportunities for American workers and marking the 87th consecutive month of job growth. (Sam Hodgson/The New York Times) ORG XMIT: XNYT7 DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM
Área interna do depósito da rede de varejo on-line Zulily, em Bethlehem (Pensilvânia)

SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL À PENSILVÂNIA

Uma fotografia da velha siderúrgica de Bethlehem, suas chaminés metálicas cuspindo nuvens de fumaça preta no céu da tarde, decora a entrada de um galpão agora todo ocupado por um laboratório farmacêutico nesse vilarejo da Pensilvânia.

"O mundo inteiro foi construído com o aço daqui, até a torre Eiffel", diz Mark Mitchnick, o diretor da Particle Sciences, orgulhoso das origens industriais desse lugar a duas horas de Nova York.

Mas aquela época fuliginosa, de homens rodeando fornalhas, ficou para trás. Na empresa de Mitchnick, uma indústria bilionária com tentáculos até no Brasil, cientistas de jalecos brancos imaculados trabalham atrás de vitrines analisando -em silêncio total- as fórmulas de remédios recém-inventados.

Máquinas fabricam vacinas e comprimidos em grandes salas brancas. No prédio ao lado, operários trabalham na reforma de um galpão similar para ampliar os negócios da farmacêutica.

Do lado de fora, os prédios da Particle Sciences também não variam muito em relação a seus vizinhos. Enormes retângulos pontuam a monotonia desconcertante de uma onda de construções que engoliram antigas fazendas de milho do interior americano para dar origem a um mar de caixotes gigantescos.

Fábricas que antes deslocavam suas operações para países emergentes e agora estão de volta aos Estados Unidos e gigantes do comércio on-line, entre eles Amazon e Walmart, vêm dominando os subúrbios das grandes cidades americanas para ficar mais perto de seus clientes.

"Já faz tempo que queríamos criar uma região para esses grandes armazéns", diz Alicia Karner, diretora do departamento de desenvolvimento econômico de Bethlehem. "Temos a terra e os trabalhadores, além de estarmos a menos de um dia de estrada de um terço de todos os consumidores americanos."

Imagens aéreas da região cortada pelo rio Lehigh, onde os povoados de Allentown, Bethlehem e Easton formam um corredor estratégico para abastecer de mercadorias algumas das cidades mais ricas e populosas do país, deixam clara a expansão.

ERA VERDE O MEU VALE

Há pouco mais de uma década, um verde bucólico dominava quase toda a área que virou ímã de uma das mais novas frentes industriais americanas. Mas, no ano passado, qualquer vestígio da cor já aparecia esmaecido pelos grandes blocos cinzas etiquetados nos mapas do governo regional com os nomes das companhias por trás deles.

"Não é mais aquela fábrica do seu avô", diz Mark Dunning, porta-voz da Alpla, uma fabricante de embalagens de plástico que está se mudando para a região. "A imagem surrada de velhas usinas industriais não tem nada a ver com a realidade atual, de fábricas limpas e iluminadas."

Don Cunningham, filho de um metalúrgico e responsável pelo planejamento econômico do governo regional, também insiste nesse ponto. "O que permitiu que a indústria voltasse foi a tecnologia. Os Estados Unidos voltaram a ser competitivos", afirma.

"Isso aqui era o centro da indústria pesada. Era um trabalho de quebrar as costas, mas o estereótipo de um trabalhador de fábrica mudou. É um mundo todo novo. Somos um microcosmo de tudo que está acontecendo com a economia americana agora."

Mas esse mundo novo não chega a ser admirável para todos. O crescimento exponencial nos últimos dois anos assustou Ed Pawlowski, o prefeito de Allentown. "A cidade tem bastante espaço, mas essas firmas se superam cada vez mais na demanda pelas terras. Tudo que era fazenda já virou um desses armazéns."

"É o efeito Amazon", resume Matthew Turk, executivo do governo local. "As pessoas esperam que tudo aquilo que querem vá aparecer na porta de sua casa em um dia."

Ou até menos. A Amazon, que construiu ali um de seus armazéns gigantescos equipados com robôs, promete entregas em algumas horas em determinadas cidades americanas. O Walmart, com dois grandes galpões na região, despacha até caiaques, piscinas de fibra de vidro, cortadores de grama e televisores imensos em dois dias.

TRÂNSITO INDOOR

Estéreis por fora, esses galpões são elétricos por dentro. Nos horários de pico, empilhadeiras parecem apostar corrida, buzinando e deslizando a toda velocidade pelo piso de cimento brilhante.

No centro de distribuição do Walmart, por exemplo, até regras de trânsito para cerca de 200 funcionários e mais de cem máquinas que patrulham o estoque foram inventadas. Elas param e sinalizam para evitar colisões ou atropelamentos, embora os acidentes ali sejam frequentes.

Queixas de trabalhadores exaustos se acumulam no noticiário local. Funcionários da Amazon, por exemplo, reclamam de morrer de frio no inverno e fritar de calor no verão na imensidão do armazém da empresa que lembra um presídio -grades do chão ao teto cobrem as entradas.

Enquanto as líderes do comércio on-line têm presença discreta nas grandes metrópoles, dando as caras só em pacotes empilhados na entrada dos prédios, seus galpões rodeados de cercas de arame têm impacto ostensivo na paisagem suburbana dos EUA.

No aeroporto da região, os voos de carga da Amazon já respondem por metade do tráfego aéreo -a empresa tem uma frota de 40 aeronaves e está criando sua própria linha aérea para realizar entregas mais rapidamente.

Essa corrida contra o tempo acirrou a competição e tornou mais pesada a rotina dos trabalhadores. Enquanto a FedEx constrói outro galpão na região, a UPS se esforça para manter o ritmo dos pedidos, despachando até 7.000 caixas por hora.

"Os fins de semana eram sagrados. Agora, trabalhamos todos os dias", dizia um operário da UPS. "As pessoas encomendam tudo pela internet, de papel higiênico a comida de cachorro. Tudo está crescendo, por isso viramos a capital dos armazéns."

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