Israel, 70, prevalece contra probabilidades e conflitos

Fundação do país em 1948 é comemorada no anoitecer desta quarta pelo calendário judaico

Diogo Bercito
Jerusalém

Se alguém dissesse a Shlomo Hillel no início do século 20 que os judeus um dia teriam o seu Estado, pareceria ser mais um delírio.

Nascido em 1923 em Bagdá, no Iraque, ele havia fugido em 1934 e se refugiado na Palestina, então um território britânico, de onde ouvia notícias do genocídio dos judeus pela Alemanha.

“Precisaria ser muito otimista para crer, então, que teríamos um país”, afirma à Folha. “Eu era um dos que não acreditavam naquilo.”

Hillel se enganou. 

O israelense Shlomo Hillel, 94, nascido no Iraque, mostra recordações em sua casa em Raanana
O israelense Shlomo Hillel, 94, nascido no Iraque, mostra recordações em sua casa em Raanana - Ariel Jerozolimski/Folhapress

Após uma guerra com os palestinos que viviam também naquele território e com os vizinhos árabes, o Estado de Israel foi criado em 14 de maio de 1948. A data é celebrada oficialmente na noite desta quarta-feira (18), segundo o calendário judaico.

São 70 anos de um país que já foi uma impossibilidade. Hillel teve papel crucial nessa história: aos 24 anos, foi um dos responsáveis pelas operações secretas que trouxeram 125 mil judeus iraquianos ao novo país. “Foi o maior milagre da história”, diz ele sobre a criação da nação.

O permanente estado de guerra e as reivindicações dos palestinos —muitas vezes acompanhadas de ataques, de atentados e de outras ações terroristas ao longo das décadas— imprimiram a Israel a constante percepção de catástrofe.

Nas primeiras décadas, vivia-se ali com a impressão de que o projeto não duraria.

“As pessoas pensavam que esse não fosse ser um arranjo permanente”, diz Benny Morris, um dos principais historiadores israelenses. 

“Ainda acredito nisso. Ao contrário da maior parte do mundo, vivemos sob uma ameaça existencial, no meio de vizinhos que querem nos destruir”, afirma. Apenas o Egito e a Jordânia, na região, mantêm relação com o país.

Essa ameaça não impediu, contudo, que Israel se consolidasse como a democracia mais estável e a economia mais desenvolvida da região. Puxado por setores de serviços e de tecnologia pujantes, o Produto Interno Bruno, de US$ 318 bilhões, é pouco menos de 20% do brasileiro com uma população que perfaz 4% da brasileira.

RETORNO

Judeus começaram a migrar em massa ao que é hoje Israel no final do século 19, inspirados pela ideia de que precisavam retornar à terra de que tinham sido expulsos séculos antes, no movimento chamado de sionismo.

Com o Holocausto, em que foram assassinados sistematicamente 6 milhões de judeus pelo regime nazista da Alemanha, as Nações Unidas propuseram em 1947 que a Palestina britânica fosse dividida em dois Estados, um para os judeus e o outro para os palestinos que viviam ali. 

Os judeus aceitaram a ideia. Os palestinos, não.

Após uma guerra, os judeus estabeleceram, em 1948, o Estado de Israel.

No processo, centenas de vilarejos árabes foram destruídos, e mais de 700 mil palestinos fugiram ou foram expulsos. O episódio é chamado em árabe de “Nakba”, catástrofe.

“Nós víamos o império britânico se esfacelando e pensávamos que finalmente teríamos o nosso próprio país”, diz o ex-chanceler palestino Nabil Shaath, 80.

“A vitória deles foi nosso horror”, diz, lembrando que levou quase 50 anos para poder rever a casa em Jaffa, na costa mediterrânea —mas não entrar nela. 

Judeus oram no Muro das Lamentações, em Jerusalém
Judeus oram no Muro das Lamentações, em Jerusalém - Lalo de Almeida - 15.ago.17/Folhapress

Shaath, que foi negociador-chefe dos palestinos, considera messiânica a afirmação de Israel de que o território pertence aos judeus.

O retorno dos refugiados palestinos, estimados pela ONU em 5 milhões, é um dos maiores entraves para as negociações de paz entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina (outra é o governo da milícia Hamas, em Gaza, que até pouco não reconhecia o direito de Israel à existência e que não é reconhecido por Israel como ator político).

Israel não aceita o retorno de todas as pessoas que deixaram o território em 1948, uma demanda inegociável para os palestinos.

“São pessoas que deixaram suas vidas para trás”, diz o palestino Adnan Abdel Razek, que estuda as terras e propriedades perdidas. 

Ele considera o momento atual, com um governo israelense mais conservador e com a redução da pressão americana sob Donald Trump, o pior momento pelo qual os palestinos passaram.

MAPA

Os 70 anos de Israel foram marcados por mudanças em seu mapa, e o traçado atual ainda tem flancos de discórdia.

O primeiro deles são os assentamentos israelenses na Cisjordânia, considerados ilegais por parte da comunidade internacional. 

O território, onde vivem 2,9 milhões de palestinos e 400 mil israelenses, é controlado por Israel desde 1967, após a Guerra dos Seis Dias, um dos episódios definidores da história de Israel.

“Foi um marco para a minha geração, emergimos como potência regional”, diz o vice-ministro israelense Michael Oren, que serviu como embaixador em Washington.

Foi a Guerra dos Seis Dias que levou Oren, 62, a migrar dos EUA a Israel — hoje ele é um dos principais especialistas naquele conflito.

“De uma forma estranha, os assentamentos também foram um catalisador para o início de um processo de paz. Não havia, por exemplo, pressão ocidental antes de 1967, e os palestinos eram tratados como refugiados árabes, e não como um povo distinto.”

 
Um dos assentamentos icônicos é o bloco conhecido como Gush Etzion, a uma hora de Jerusalém.

É um dos casos mais complexos, também, porque colonos judeus viviam ali mesmo antes da criação de Israel, em 1948, foram massacrados pelos árabes na guerra e voltaram após 1967.

“É um dos únicos lugares sobre os quais há algum consenso”, diz a porta-voz do assentamento Hili Keinan durante uma visita da Folha.

“Temos certificados de compra da terra, e há uma razão histórica para estarmos aqui: era o caminho dos patriarcas entre Jerusalém e Hebron, na Bíblia”, afirma.

Ela conta que a crise começou em 1947, com a decisão de dividir a terra. “Do dia para a noite, nossa terra virou uma zona de guerra”, diz.

É improvável que, no caso de um acordo de paz, assentamentos como Gush Etzion, cujos condomínios entre montanhas verdejantes lembram os da classe média alta em São Paulo ou no Rio, sejam desmantelados.

Apesar de estar na Cisjordânia, esse território poderia ser dado a Israel em troca de outras porções entregues aos palestinos. “A maior parte dos colonos permaneceria, assim, dentro de Israel”, diz Brian Reeves, 29.

Reeves é porta-voz do Peace Now (paz agora), uma influente organização ativista fundada há 40 anos. Em seu escritório em Tel Aviv, ele mostra à reportagem mapas que ilustram a presença de judeus e de palestinos na região ao longo dos anos. 

Diz que a paz será difícil, mas é possível.

Talvez como o milagre descrito por Hillel, quando a própria criação de Israel era um desafio à história.

 

EXIGÊNCIAS PARA A PAZ

ISRAEL
‣ Reconhecimento do Estado de Israel pelos palestinos
‣ Aceitação do direito de os judeus terem o seu país ali
‣ Garantias de segurança
‣ Status de Jerusalém como a capital indivisível de Israel

PALESTINOS
‣ Criação de um Estado próprio com Jerusalém como capital
‣ Direito ao retorno de 5 milhões de refugiados palestinos
‣Retorno às fronteiras pré-1967
‣ Fim dos assentamentos

750 mil
palestinos deixaram suas casas na guerra de 1948

1,5 milhão
de árabes-israelenses ou palestinos em Israel, 20% da população do país

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