Descrição de chapéu The New York Times

EUA dão ajuda militar secreta a sauditas na guerra contra o Iêmen

Pentágono dizia que auxílio se limitava a abastecimento de aviões, logística e troca de dados

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Homem observa casa destruída por bombardeios da coalizão liderada pela Arábia Saudita, em Sanaa, no Iêmen - Mohammed Dhari/Xinhua
Helene Cooper Thomas Gibbons Neff Eric Schmitt
Washington | The New York Times

As Forças Armadas americanas procuram há anos distanciar-se da guerra civil brutal no Iêmen, onde forças lideradas pela Arábia Saudita combatem rebeldes que não representam nenhuma ameaça direta aos EUA.

Mas no final do ano passado uma equipe de uma dúzia de boinas verdes (membros das Forças Especiais do Exército americano) chegou à fronteira da Arábia Saudita com o Iêmen, numa escalada contínua das guerras secretas dos EUA.

Virtualmente sem qualquer discussão ou debate público, comandos do Exército americano estão ajudando a localizar e destruir depósitos de mísseis balísticos e locais de lançamento usados por rebeldes houthis no Iêmen para atacar Riad e outras cidades sauditas.

Detalhes da operação dos boinas verdes, que não tinha sido divulgada anteriormente, foram transmitidos ao New York Times por funcionários dos EUA e diplomatas europeus.

As informações parecem contradizer declarações do Pentágono segundo as quais a assistência militar americana prestada à campanha liderada pelos sauditas no Iêmen se limita ao reabastecimento de aeronaves, logística e partilha de informações gerais.

Não há indicações de que os comandos americanos tenham entrado no território iemenita como parte da missão sigilosa.

Mas o envio de forças terrestres americanas à fronteira representa uma escalada nítida da assistência ocidental para atacar combatentes houthis que estão no interior do Iêmen.

Além de ser há anos uma base da Al Qaeda na península arábica, o Iêmen vive uma guerra civil desde 2014, quando rebeldes muçulmanos xiitas do norte do país invadiram a capital, Sanaa.

Alinhados com o Irã, os houthis depuseram o governo do presidente Abed Rabbo Mansour Hadi, o principal parceiro dos EUA no esforço de contraterrorismo no Iêmen.

Em 2015, uma coalizão militar liderada pela Arábia Saudita começou a bombardear os houthis, que, em resposta, vêm disparando mísseis contra o reino.

Mas não há evidências de que os houthis representem uma ameaça direta aos EUA –eles são um grupo militante pouco sofisticado, que não trava operações fora do Iêmen e não foi classificado pelo governo americano como organização terrorista.

Os boinas verdes, as Forças Especiais do Exército, foram enviados à fronteira em dezembro, semanas depois de um míssil balístico disparado do Iêmen ter chegado perto de Riad, a capital saudita.

As Forças Armadas sauditas interceptaram o míssil sobre o aeroporto internacional da cidade, e o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman reiterou um pedido que já havia sido feito havia muito tempo para que os EUA enviassem tropas para ajudar o reino a combater a ameaça houthi.

Meia dúzia de altos funcionários –das Forças Armadas americanas, do governo Trump e de países europeus e árabes— disseram que os comandos americanos estão treinando tropas terrestres sauditas, ensinando-as a proteger sua fronteira.

Também estão cooperando estreitamente com analistas de inteligência americanos em Najran, cidade do sul da Arábia Saudita que já sofreu vários ataques com foguetes, para ajudar a localizar plataformas de lançamento de mísseis dos houthis no Iêmen.

Ao longo da fronteira porosa, os americanos estão trabalhando com aeronaves de vigilância que captam sinais eletrônicos para rastrear as armas e as plataformas de lançamento dos houthis, segundo os altos funcionários, todos os quais exigiram anonimato para falar porque não estão autorizados a comentar a missão publicamente.

Em uma reunião no Capitólio em março, senadores interrogaram funcionários do Pentágono sobre o papel dos militares americanos no conflito liderado pelos sauditas, exigindo saber se existia risco de tropas americanas tomarem parte nas hostilidades contra os houthis.

Funcionários do Pentágono disseram aos senadores aquilo que já foi dito publicamente: que as forças americanas estacionadas na Arábia Saudita apenas prestam assessoria dentro das fronteiras sauditas e trabalham principalmente com a defesa das fronteiras.

“Estamos autorizados a ajudar os sauditas a defender suas fronteiras”, disse o general Joseph L. Votel, chefe do Comando Central dos EUA, ao Comitê do Senado para as Forças Armadas, em 13 de março. “Estamos fazendo isso através da partilha de inteligência, de apoio logístico e da assessoria militar que prestamos aos sauditas.”

No último 17 de abril, Robert S. Karem, secretário assistente de Defesa para assuntos de segurança internacional, disse ao Comitê de Relações Exteriores do Senado que os EUA têm cerca de 50 assessores militares na Arábia Saudita, “a maioria dos quais ajuda na questão da ameaça dos mísseis balísticos”.

Os boinas verdes intervieram para lidar com um problema cada vez mais difícil para as forças sauditas. Sua presença constitui o exemplo mais recente da relação crescente entre os EUA e a Arábia Saudita, sob o presidente Donald Trump e o príncipe Bin Salman.

A primeira viagem oficial de Trump ao exterior foi para Riad, há quase um ano. Em contraste com isso, o presidente Barack Obama frequentemente criticava a Arábia Saudita pelas baixas civis provocadas por sua campanha de bombardeios no Iêmen e bloqueou a venda de armas ao reino.

Em março, quando Salman se reuniu com Trump e altos funcionários da Segurança Nacional em Washington, o Departamento de Estado aprovou a venda de estimados US$ 670 milhões (R$ 2,4 bilhões) em mísseis antitanque, em um pacote de armas que também incluiu peças de reposição para tanques e helicópteros de fabricação americana adquiridos anteriormente pela Arábia Saudita.

“A Arábia Saudita é um país muito rico”, disse Trump na época, “e esperamos que ela dê um pouco dessa riqueza aos EUA, sob a forma de empregos, sob a forma da aquisição dos melhores equipamentos militares que se podem encontrar em qualquer lugar do mundo.”

Trump descreveu Salman como “mais que o príncipe herdeiro agora” e exibiu um cartaz mostrando aeronaves militares no valor de US$ 12,5 bilhões (R$ 44 bilhões) que os EUA concordaram em vender à Arábia Saudita.

Autoridades disseram que o apoio dos EUA à coalizão liderada pela Arábia Saudita contra os rebeldes houthis, integrada também pelos Emirados Árabes Unidos, Jordânia e Egito, foi esboçada inicialmente em 2015 em um documento batizado de memorando de Rice, devido a Susan E. Rice, na época a assessora de Segurança Nacional de Obama.

O memorando detalhou assistência militar. O objetivo era manter os EUA fora das operações ofensivas contra os houthis, focando seus esforços sobre ajudar os sauditas a proteger suas fronteiras.

Parece que sob a administração Trump essas diretrizes foram ampliadas, conforme evidenciado pela inclusão de aviões de vigilância dos EUA e a equipe de boinas verdes.

A campanha aérea saudita em 2015 visava inicialmente atingir arsenais de mísseis balísticos soviéticos velhos que tinham sido usados originalmente na guerra civil iemenita de 1994. Os militares sauditas imaginavam que essas armas poderiam cair nas mãos dos houthis.

Em abril de 2015, após um mês de ataques aéreos, a coalizão liderada pelos sauditas disse que tinha cumprido seu objetivo de destruir os mísseis e os equipamentos usados para lançá-los.

Mas em junho daquele ano, rebeldes houthis lançaram sua primeira saraivada de mísseis balísticos contra Khamis Mushayt, cidade saudita situada a cerca de cem quilômetros da fronteira iemenita.

Desde então os houthis já lançaram dezenas de mísseis, incluindo mísseis antiaéreos modificados de alcance mais curto e munições iranianas importadas.

A Casa Branca e o Departamento de Estado aproveitaram os ataques para condenar não apenas os rebeldes mas também seus apoiadores iranianos, ressaltando a linha cada vez mais dura da administração Trump contra Teerã.

Nos primeiros quatro meses de 2018, os houthis lançaram mais de 30 mísseis –aproximadamente o mesmo número lançado durante todo o ano de 2017, segundo dados compilados pelo think tank Center for Strategic and International Studies.

Para Michael Knights, do think tank Washington Institute for Near East Policy, as forças sauditas que combatem armamentos disparados da costa oeste do Iêmen –como o porto de Hodeida, controlado pelos houthis, onde autoridades de Riad acreditam que componentes dos mísseis sejam transportados— só têm duas opções viáveis.

A primeira é localizar os mísseis nos locais onde estão armazenados, algo que exige uma quantidade grande de inteligência, disse Knights. A segunda é muito mais difícil: atacar os locais de lançamento dos mísseis.

“O problema é muito difícil”, disse Knights.

Os rebeldes houthis podem esconder lançadores móveis de mísseis em qualquer lugar, desde o interior de galerias de escoamento até sob viadutos. Eles podem ser tirados desses lugares rapidamente para lançamentos feitos às pressas.

Para lidar com esse problema é necessário um sistema bem orquestrado pela coalizão liderada pelos sauditas, abrangendo desde satélites até tropas em campo, para garantir que aviões possam encontrar e destruir rapidamente os lançadores de mísseis.

“Em um ambiente de mísseis com grande mobilidade, é um desafio”, disse em entrevista o general David L. Goldfein, chefe do Estado-Maior da Força Aérea.

Tradução: Clara Allain

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