Descrição de chapéu
Coreia do Norte

Trump acaba de passar uma rasteira na Coreia do Sul

Exercícios militares garantem a proteção de Seul desde a trégua na guerra da Coreia, em 1953

São Paulo

​A expressão em inglês “jogar alguém debaixo do ônibus” —que pode ser traduzida como dar uma rasteira em um amigo— aplica-se perfeitamente ao resultado da reunião histórica entre o presidente americano, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, realizada nesta terça-feira (12) em Singapura.

Trump anunciou que os Estados Unidos vão suspender os exercícios militares que realiza regularmente com a Coreia do Sul, dizendo serem “uma provocação” e “muito caros”. Em troca, recebeu promessas vagas de desnuclearização de Pyongyang.

Aparentemente, a Coreia do Sul foi pega de surpresa.

​Um porta-voz das forças armadas coreanas afirmou: “Em relação ao comentário do presidente Trump sobre acabar com os exercícios militares conjuntos, precisamos descobrir qual é o significado exato disso e as intenções”.

“Precisamos entender o que o presidente Trump disse”, afirmou um porta-voz do presidente sul-coreano, Moon Jae-in.

Aliás, nem as próprias forças americanas na Coreia estavam sabendo. “Não recebemos instruções sobre suspensão de exercícios de treinamento e planejamos continuar com nossa atual postura militar”, disse o comando americano na Coreia do Sul, em comunicado.

Os exercícios são parte integral da estratégia de defesa dos EUA, que garantem a proteção da Coreia do Sul desde a trégua na guerra da Coreia, em 1953.

Já se tornou um clássico do estilo Trump destratar aliados, vide as tarifas sobre aço e alumínio impostas contra seus maiores aliados —União Europeia, Canadá e México (a Coreia havia sido sacrificada em março) e os insultos contra o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, chamado de “fraco e desonesto” após a desastrosa cúpula do G7.

Já o ditador Kim Jong-un, que determinou a execução de mais de 200 opositores políticos e de seu tio, considerado traidor, mereceu palavras gentis.

"O país ama Kim Jong-un, dá para ver o fervor do povo, eles têm muito fervor”, disse Trump.

A suspensão dos exercícios militares não estava prevista na lista de gestos de boa vontade que Trump traria para Cingapura. Alguns observadores acham que ele seguiu seu estilo de diplomacia —no primeiro minuto, usou “seu feeling” e “seu toque”. “Não preciso me preparar, basta ter atitude."

A suspensão era reivindicação antiga de Kim, que se opunha aos exercícios militares dizendo serem parte das “políticas de hostilidade" dos EUA. Os americanos e coreanos afirmavam que os treinamentos eram apenas defensivos, mas obviamente tinham um papel de dissuasão —envolvem cerca de 23 mil soldados americanos e 300 mil sul-coreanos.

A suspensão era exatamente o que tinha proposto a China, maior aliada da Coreia do Norte —congelamento dos exercícios militares, em troca de congelamento do programa nuclear. A Coreia do Sul insistia que isso não fazia parte da negociação, pelo menos não no início.

Trump disse que quer levar de volta para casa os 28.500 soldados americanos baseados atualmente na Coreia do Sul, mas afirmou que isso “não faz parte da equação neste exato momento”. No entanto, com sua menção ao custo alto de manter exercícios militares, também essa concessão ao regime de Kim pode estar próxima, para profundo desagrado de Seul.

Trump não é muito chegado a sensibilidades e está ocupado colhendo os louros da “cúpula histórica” sem resultados concretos.

Aliás, o presidente americano já enxerga até que tipo de negócios os Estados Unidos podem fazer com o país asiático.

“Eles têm praias ótimas”, disse Trump, na entrevista coletiva após a reunião. “Dá pra ver as praias sempre que eles explodem seus canhões. Eu pensei: nossa, olha essa vista! Daria um ótimo condomínio! Eles poderiam ter os melhores hotéis lá. Pensando do ponto de vista de negócio imobiliário, tem a Coreia do Sul, tem a China, e eles são donos do terreno no meio. Nada mau, né?”

Resta saber qual será a localização exata do empreendimento imobiliário. Convém não construir o condomínio perto de uma das inúmeras prisões onde Kim mantém encarcerados, vítimas de tortura e de fome, mais de 130 mil dissidentes políticos, segundo o último relatório da ONU. Parece que a vista não é muito bonita.

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