Descrição de chapéu

Livro sobre história de Israel mina visão de sociedade monolítica

Obra de Anita Shapira mostra as mudanças pelas quais o país passou em 70 anos

Jaime Spitzcovsky

Israel, uma história

  • Preço R$ 99,90 (630 páginas)
  • Autor Anita Shapira
  • Editora Paz e Terra

De longe, prevalece a imagem de uma sociedade monolítica, com ultranacionalistas laicos e religiosos ortodoxos a monopolizar o desenho dos contornos de um país respirando apenas o trágico e longevo conflito com os palestinos.

De perto, vislumbra-se uma diversidade caleidoscópica, uma população modelada por celeumas entre judeus retornados de dezenas de rincões do planeta, com matizes ideológicos antagônicos, com diferentes leituras de como praticar tradições ancestrais e também influenciada pela presença de diversas minorias, entre elas árabes muçulmanos (20% dos habitantes).

Não se trata, obviamente, de diluir a relevância do conflito israelo-palestino, mas a ótica quase onipresente do choque entre nacionalismos ofusca a compreensão de um pequeno país, com apenas 8,5 milhões de habitantes, diminuta história moderna (70 anos) e dimensões minúsculas: a área em disputa pode ser comparada ao território de Sergipe.

Vista da cidade de Jerusalém
Vista da cidade de Jerusalém - Ammar Awad - 21.jun.2018/Reuters

Na obra “Israel, uma História”, Anita Shapira, professora da Universidade de Tel Aviv, busca exatamente ampliar o foco sobre o conhecimento e análise de um dos países mais presentes no noticiário internacional, esquadrinhado quase sempre apenas sob as lentes do seu enfrentamento com vizinhos.

“A maior parte dos livros sobre a história de Israel se concentra no conflito árabe-judaico”, escreve a autora, para, em seguida, acrescentar: “Sem evitar o exame do conflito, a história deveria abranger temas como as políticas internas judaicas, a questão da imigração e da construção da nação, a economia e o cenário social, bem como seus alicerces culturais e ideológicos”.

Debora Fleck e Samuel Feldberg, tradutores da edição brasileira, destacam em seu prefácio o esforço de Shapira para descrever a trajetória do Estado judeu “apontando seus sucessos e seus fracassos, seus desafios e, em alguns casos, sua soberba”.

Como ponto de partida, o livro se apoia no início do sionismo, no fim do século 19, quando os vínculos judaicos com a terra ancestral ganharam características de movimento político moderno e multifacetado, com versões à esquerda e à direita, laica ou religiosa.

Ao longo de sete décadas, a sociedade israelense passou por mudanças tectônicas.

A corrente política predominante, nos primórdios da independência, recorria à cartilha do socialismo, embalada pelos ventos ideológicos do começo do século 20. Na economia, a agricultura se destacava, apoiada principalmente na expansão dos kibutzim, fazendas coletivas a simbolizar o projeto nacional judaico.

Fértil em startups, Israel do século 21 esmaeceu o pilar da agricultura e colocou a inovação tecnológica como dínamo da economia. O tecido social do país também passou por profundas transformações, com cenário político e tensões internas se redesenhando ao longo de décadas.

No plano partidário e social, ideologias à direita e grupos religiosos ampliaram influência e poder a partir do fim da década de 1970, impulsionados por novas ondas migratórias, como judeus oriundos da antiga URSS.

O prolongamento do conflito com palestinos e o fracasso das apostas em negociações de paz, como as lideradas por Shimon Peres e Ehud Barak, beneficiaram correntes nacionalistas, concentradas na ideia de privilegiar temas de segurança em detrimento de diálogo políticos.

A historiadora Anita Shapira, em seu livro, oferece uma bússola para embasar o debate muitas vezes vítima de preconceitos, da pressa jornalística e de falta de profundidade histórica. “Israel, uma História” ajuda a desfazer mitos, ingrediente crucial para equilibrar análises e percepções de uma das crises mais renitentes da história contemporânea.

Jaime Spitzcovsky foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim

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