O Senado argentino decidirá entre esta quarta-feira (8) e a madrugada de quinta (9) o futuro do projeto de lei de despenalização do aborto até a 14ª semana.
As perspectivas de que a legislação seja aprovada, porém, vêm diminuindo a cada dia. O placar atual é de 37 senadores contra, 32 a favor e apenas três indecisos, de um total de 72 parlamentares.
Não houve consenso em admitir mudanças no projeto que fariam com que alguns senadores votassem a favor, como a diminuição de 14 para 12 semanas como teto para a interrupção apenas pela decisão da mãe e a inclusão da objeção de consciência para instituições e médicos.
Assim, o texto que se votará será o mesmo que passou na Câmara em junho e que estipula o limite para a interrupção da gravidez em 14 semanas e obriga o sistema estatal de saúde e seus médicos a realizarem o procedimento.
Houve ainda grande pressão da Igreja Católica, comandada pelo papa Francisco, e de grupos de médicos contrários ao recurso. A chamada bancada celeste (antiaborto) foi ganhando novos adeptos, em detrimento da bancada verde, dos favoráveis à medida.
"Não há que pensar que uma derrota nesta quarta seja de fato uma derrota. Ninguém tinha a ilusão de que passasse de primeira, talvez demore mais um par de anos, mas o barulho que conseguimos fazer, as pessoas que conseguimos mobilizar construíram um movimento que não tem volta", diz a escritora Claudia Piñeiro, uma das líderes do movimento a favor da lei.
Grupos feministas de todo o país prometem ir às ruas de qualquer maneira, mesmo com o cenário desfavorável.
A Anistia Internacional fez um apelo aos senadores para que aprovassem a lei, em um comunicado publicado nesta terça (7) em 134 jornais internacionais.
O bloco kirchnerista, que compõe a maior parte do peronismo no Senado, havia combinado votar a favor. Mas a senadora Silvina Larraburu acabou mudando de ideia porque crê que o presidente Mauricio Macri irá capitalizar uma possível vitória. Seus colegas estão fazendo o possível para que mude de ideia.
Pela lei atual, o aborto é possível no país em três situações: risco de vida para a mãe, má-formação do feto e estupro, além de prever pena de quatro anos de prisão para quem realizá-lo de forma clandestina.
Dentro do próprio Executivo há divisões. Macri, e a vice, Gabriela Michetti, que presidirá a sessão como chefe do Senado, são contra o recurso. Alguns ministros são a favor, como Adolfo Rubinstein (Saúde), Lino Barañao (Ciência) e Nicolás Dujovne (Fazenda).
"É uma discussão do tipo que causa muito ruído agora, mas que depois que passa, vira um não assunto, como foi o casamento gay e o divórcio", disse Dujovne à Folha.
Mesmo sendo contra, Macri calculou junto a seus assessores de imagem que dar lugar ao debate seria um gesto aos eleitores de esquerda e centro-esquerda, além de fazê-lo luzir como líder moderno. Macri se comprometeu a não vetar a lei caso seja aprovada pelo Congresso.
A perspectiva de uma votação apertada e do crescente voto contra a lei não desanimou as feministas argentinas, que prometem acampar do lado de fora do Congresso durante toda a noite.
"Vamos fazer muito barulho enquanto os senadores estiverem discursando", disse à Folha a líder Virginia Luque, também conhecida como Senhorita Bimbo.
A esperança desses grupos é que os senadores se intimidem diante do tamanho da frustração que encontrarão nas ruas quando saírem do recinto, caso vetem a lei.
A sessão começará às 9h30 com os discursos de cada um dos 72 senadores. Tradicionalmente, estes costumam tomar várias horas do dia e ir noite adentro. Espera-se que a votação propriamente dita se dê na madrugada de quinta.
Na votação na Câmara de Deputados, reuniram-se cerca de 800 mil pessoas do lado de fora do Congresso, segundo a polícia. As líderes feministas agora estimam uma participação maior, de 2 milhões.
A legislação já foi apresentada e recusada no Congresso seis vezes ao longo de onze anos. Nunca, porém, tinha chegado tão longe a ponto de ir a votação.
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