O presidente Michel Temer afirmou nesta quarta-feira (29) que o governo estuda adotar senhas para limitar a entrada de venezuelanos no Brasil.
Em entrevista à Rádio Jornal, do Recife, o presidente admitiu ter debatido em reunião na véspera um mecanismo para reduzir o número de venezuelanos que cruzam a fronteira diariamente, hoje na casa das centenas.
“Eles pensam em, quem sabe, colocar senhas de maneira que entrem 100, 150, 200 por dia e cada dia entre um pouco mais para organizar essas entradas”, afirmou Temer.
A declaração acabou expondo os desencontros de um governo que ainda não tem plano claro para lidar com o fluxo de venezuelanos na fronteira.
Horas depois da entrevista de Temer, o Planalto emitiu nota para tentar explicar que as senhas serviriam para o atender os imigrantes, e não para controlar sua entrada.
“O governo federal esclarece que a ‘possibilidade de distribuição de senhas’ a que o presidente se referiu visa a aprimorar um processo de atendimento humanitário em Roraima, o que não pode ser confundido, em hipótese alguma, com fechamento à entrada de venezuelanos no Brasil”, diz o texto sem mais detalhes.
Essa tentativa de esclarecimento acabou desmontada no início da noite pelo ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), que voltou a citar o controle de ingresso. “É para a entrada do território nacional”, disse.
Padilha afirmou que haverá duas filas: uma para os venezuelanos que vêm ao Brasil fazer compras e em seguida voltam para seu país, e outra para os que cruzam a fronteira para morar. Mas negou que haja intenção de barrar migrantes. “Essa senha não limita, eles só terão que esperar.”
O ministro também corrigiu o número de imigrantes que cruzam a fronteira por dia citado por Temer —seriam de 500 a 600, incluindo aos que vêm apenas para fazer compras, e não de 700 a 800 como afirmara o presidente ao citar o fluxo como um problema para manter a campanha de vacinação.
A ONU afirmou nesta semana que a crise venezuelana se aproxima, em termos de emergência, do êxodo de africanos e povos do Oriente Médio pelo mar Mediterrâneo, com 2,3 milhões de pessoas tendo deixado o país — ou 7,5% da população, dois terços dos quais após 2015.
Desde então Brasil recebeu desde mais de 120 mil venezuelanos, metade dos quais continua no país, segundo o governo federal, sobretudo em Roraima. A meta é levá-los a outros estados, mas o programa de interiorização avança com lentidão.
A Colômbia, que pede um representante especial da ONU para lidar com a crise, recebeu 870 mil. Os migrantes cruzam as fronteiras para fugir de um cotidiano de desabastecimento, hiperinflação e falta de segurança sob o regime de Nicolás Maduro.
“Há tempos propusemos ajuda humanitária com alimentos e remédios, e o governo recusou. O governo recusa lá, e os venezuelanos vem para cá. O ideal para nós é que eles recebessem nossa ajuda humanitária e pudessem permanecer [em seu país]”, afirmou Temer.
O presidente ressaltou, contudo, que a política do Brasil é de acolhimento de refugiados, o que significa que a fronteira não deve ser fechada —a governadora Suely Campos (PP) defende o fechamento.
Temer autorizou o emprego das Forças Armadas em Roraima a partir desta quarta, quando militares passaram a atuar nas faixas de fronteira norte e leste e nas rodovias federais. O decreto emitido na terça (28) a princípio vale por duas semanas.
O volume de recém-chegados ao estado, com 520 mil habitantes, sobrecarregou os sistemas de saúde, segurança e educação e levou Campos a pedir assistência financeira federal (sem sucesso).
O fluxo também estimulou a xenofobia, culminando em confrontos e perseguição de venezuelanos por brasileiros.
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