Descrição de chapéu The Washington Post

Isoladas, crianças entram em depressão em centro de migrantes da Austrália

Mais de cem delas estão no local, que fica na ilha de Nauru, algumas detidas há mais de cinco anos

Siobhán O'Grady
The Washington Post

Elas vieram de lugares distantes como Irã, Afeganistão, Somália e Mianmar.

Mas agora as crianças estão detidas em Nauru, uma ilha desolada de 20 quilômetros quadrados no Pacífico Sul, sem ter como saírem de lá. Estão presas no rígido sistema imigratório australiano, que as deixou isoladas e sem saída. Depois de anos vivendo no limbo, algumas mergulharam em depressão tão profunda que perderam a vontade de viver, dizem as pessoas que trabalham com elas.

Cerca de cem crianças vivem em Nauru, uma das ilhas remotas onde a Austrália mantém centros de processamento de migrantes fora de suas próprias fronteiras. Elas estão aqui há tanto tempo que “várias crianças já perderam toda esperança, a ponto de terem desistido de falar ou se alimentar”, disse ao jornal  Washington Post esta semana Daniel Webb, diretor de defesa legal do Centro Jurídico de Direitos Humanos, em Melbourne.

As pessoas que desenvolvem a síndrome essencialmente param de comunicar-se com o mundo externo. Precisam fazer esforço para comer, beber e falar. Têm dificuldade em abrir os olhos; em casos extremos, ficam inconscientes e precisam de um tubo de alimentação. Na semana passada, o jornal britânico The Guardian noticiou que cerca de 12 crianças em Nauru estão se recusando a comer ou beber.

Webb disse que no ano passado mais de 30 crianças criticamente doentes foram tiradas da detenção em Nauru e levadas à Austrália para receber “atendimento médico de urgência”. Mas o governo australiano estaria resistindo a retirar pessoas de Nauru a não ser que seja legalmente obrigado a isso por decisão de um tribunal.

“A maioria desses casos envolveu crianças que tentaram o suicídio várias vezes ou deixaram de se comunicar, comer e beber”, disse Webb.

Recentemente uma menina de 12 anos em Nauru tentou atear fogo ao próprio corpo, e um tribunal ordenou que um menino de 10 anos que fez várias tentativas de suicídio recebesse tratamento na Austrália.

Em email, um porta-voz do Departamento do Interior australiano disse que o governo australiano dá “apoio significativo” a Nauru para que forneça serviços de saúde e bem-estar.

“Uma gama de acordos de atendimento, bem-estar e apoio está em operação para dar atendimento às crianças e adolescentes refugiadas”, disse o porta-voz. “São contratados fornecedores terceiros para prestar serviços de saúde, educação, recreativos e culturais apropriados para as idades dos refugiados.”

Mas a Austrália vem sendo exortada a reavaliar sua política de processamento de migrantes fora de suas próprias fronteiras, política que, segundo as autoridades australianas, é necessária para limitar a migração.

Na quinta-feira (13) o Guardian informou que o presidente da Associação Médica Australiana, Tony Bartone, escreveu ao novo primeiro-ministro do país, Scott Morrison, descrevendo as condições de saúde física e mental das famílias em Nauru como “uma emergência humanitária que requer intervenção urgente”.

Na carta, Bartone exortou o primeiro-ministro a mudar a política em relação aos migrantes. “Hoje já um excesso de denúncias dignas de crédito sobre os efeitos da detenção e incerteza de longo prazo sobre a saúde física e mental dos candidatos a asilo”, ele escreveu.

Mas Morrison, que foi ministro da Imigração no passado, tem historicamente seguido uma linha dura com migrantes. Como informou o jornal The New York Times este mês, em seu gabinete de trabalho ele tem um pequeno modelo de barco com as palavras “eu barrei estes” gravados na lateral. Foi um presente de um eleitor.

Em junho o ministro do Interior, Peter Dutton, avisou que “um único ato de compaixão”, como tirar pessoas dos centros de detenção nas ilhas, incentivaria mais migrantes a zarpar para a Austrália.

“Os barcos não deixaram de vir, e, se houver um caso de êxito –a chegada de um barco na Austrália--, a notícia se alastrará imediatamente”, ele disse ao “Weekend Australian”.

O governo de Nauru sugeriu que as crianças que adoeceram o estão fazendo incentivadas por seus pais e outros adultos que as estariam ensinando meios de tentar chegar à Austrália.

Em entrevista à Sky News em agosto, o presidente de Nauru, Baron Waqa, disse que as crianças estão “manipulando o sistema para tentar entrar na Austrália”.

Profissionais médicos rejeitaram publicamente a afirmação. E Webb insiste que o sofrimento humano em Nauru é grave.

“Eles estão há cinco anos vivendo na miséria e infelicidade”, disse Webb. Algumas das crianças “nunca conheceram um dia de liberdade na vida”.

Tradução de Clara Allain

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