Descrição de chapéu The New York Times

Homem que diz ter cometido 90 assassinatos pode ser maior serial killer dos EUA

Americano de 78 anos está confessando à polícia detalhes sobre crimes cometidos anos atrás

Timothy Williams
The New York Times

Quase todos os dias há várias semanas um homem de cabelos brancos, que se locomove em cadeira de rodas e tem o corpo devastado pela diabetes e pela doença cardíaca, vem sendo levado sob escolta armada de uma cela num presídio do Texas para uma sala de interrogatório, para falar do mal.

Dia após dia, dizem as autoridades, ele vem relatando detalhes de homicídios cometidos anos atrás, falando de rostos, locais, descrevendo o layout de cidades pequenas. Ele descreveu como procurava mulheres carentes em bares, boates e nas ruas e as estrangulava no banco de trás de seu carro.

Samuel Little deixa tribunal no Texas após depor
Samuel Little deixa tribunal no Texas após depor - Mark Rogers/Odessa American via AP

O homem é Samuel Little, 78, e, segundo investigadores, já confessou a autoria de mais de 90 assassinatos cometidos ao longo de quase meio século.

Little já está cumprindo três penas de prisão perpétua pelo assassinato de três mulheres em Los Angeles na década de 1980, mas as autoridades suspeitam que ele tenha matado mulheres em pelo menos 14 estados americanos.

Os investigadores dizem que já comprovaram a ligação de Little com cerca de 30 desses crimes e que têm poucos motivos para duvidar de suas confissões.

“Quando tivermos terminado, prevemos que Samuel Little será confirmado como um dos serial killers mais prolíficos na história dos Estados Unidos”, disse o promotor público Bobby Bland, de Ector County, no Texas, onde Little está encarcerado depois de um grande júri tê-lo indiciado neste ano por um homicídio cometido em 1994.

Gary Ridgwat, o chamado Assassino de Green River, foi condenado por 49 assassinatos cometidos no Estado de Washington nos anos 1980 e 1990, o maior número de condenações por homicídio de qualquer serial killer americano.

É difícil entender como um assassino em série pode ter continuado a matar durante anos, aparentemente sem que ninguém tomasse nota de um padrão repetido nos crimes. Mas mesmo os departamentos policiais mais eficazes solucionam apenas três quartos dos homicídios, de modo que milhares de pessoas matam com impunidade todos os anos.

Além disso, os homicídios que Little teria confessado ocorreram em vários condados e Estados diferentes. Muitas das mulheres que ele teria matado eram pobres e viciadas em drogas, álcool ou as duas coisas –ou seja, faziam parte de um grupo de pessoas que muitas vezes podem desaparecer sem que a polícia seja avisada do fato por semanas e às quais às vezes são dedicados menos recursos investigativos do que seria o caso com outras.

Foram amostras de DNA colhidas ao longo de anos no sistema de justiça criminal que primeiro vincularam Little a várias vítimas de homicídio. Então, neste ano, um policial do Texas chamado James Holland visitou Samuel Little num presídio do condado de Los Angeles e conseguiu conquistar sua confiança. Os relatos começaram a jorrar, desencadeando a transferência de Little para o Texas e várias visitas de detetives que investigavam crimes cometidos anos atrás em todo o país.

Os investigadores dizem que parte da razão pela qual Little está se abrindo agora parece ser que ele prefere a prisão de Ector County ao ambiente barulhento e muitas vezes caótico de um presídio do condado de Los Angeles.

Investigadores que falaram com ele disseram que Little também parece estar gostando da atenção que vem recebendo quando relata detalhes que apenas um assassino conheceria, depois de passar décadas sem comentá-los com ninguém.

Samuel Little tem diabetes e doença cardíaca
Samuel Little tem diabetes e doença cardíaca - Mark Rogers/Odessa American via AP

Autoridades no Texas disseram que Little não seria autorizado a dar uma entrevista para este artigo, e um defensor público que o representou recentemente se negou a dar declarações.

Com o passar das semanas, à medida que novos crimes e detalhes vêm emergindo, mais de uma dúzia de investigadores locais, além do FBI, já foram ao Texas para falar pessoalmente com Little.

As autoridades dizem que Little não demonstra remorso quando fala de seus crimes. Ele é meticuloso ao detalhar certas informações, dizem, incluindo os locais onde deixou os corpos de suas vítimas anos atrás: numa lata de lixo, perto de um chiqueiro, debaixo de uma nogueira-pecã.

Os investigadores dizem que ele relata os atos que cometeu em tom pragmático e às vezes até ri quando os descreve; em outros momentos ele fala tão rapidamente, parecendo tão empolgado, que os detetives têm dificuldade em entender suas palavras.

“Acredite em mim, é raro encararmos a perversidade de frente em nossa vida profissional”, disse Tim Marcia, detetive do departamento de polícia de Los Angeles que investiga crimes cometidos anos atrás e lidou com Samuel Little nos três homicídios pelos quais Little foi condenado na cidade. “Olhando nos olhos dele, eu diria que o que se vê é o mal em estado puro.”

A investigação sobre Little começou a sério em 2012, quando Tim Marcia e seu parceiro, a detetive Mitzi Roberts, o localizaram em um albergue para sem-teto em Kentucky, depois de constatada a equivalência entre seu DNA e amostras encontradas em duas vítimas de homicídio em Los Angeles nos anos 1990.

Na época, Little havia passado menos de dez anos na prisão, apesar de haver sido detido mais de cem vezes em vários Estados ao longo de 50 anos. Ele tinha sido acusado de sequestro, estupro e assalto à mão armada.

“Ele se safou inúmeras vezes”, disse a promotora Beth Silverman, de Los Angeles, que acabou conseguindo condenar Little por três homicídios. “Vários departamentos policiais pelo país afora foram omissos no caso dele.”

Quando interrogou Little, em outubro, o detetive Michael Mongeluzzo, de Marion County, Flórida --onde Little confessou ter matado Rosie Hill, de 20 anos, em 1982--, disse que ficou espantado com a capacidade do assassino de se lembrar de vários detalhes específicos sobre o crime cometido 36 anos atrás.

“A clareza dele em relação a certas coisas, mesmo depois de tanto tempo, é assustadora”, falou Mongeluzzo. “Ele se recorda de nomes e rostos.”

Os detetives dizem que Little é um psicopata carismático que espancava suas vítimas brutalmente antes de estrangulá-las. Ex-boxeador, ele dava socos tão fortes que quebrou a espinha de uma de suas vítimas com um soco em seu abdome, como revelou a autópsia.

Mongeluzzo disse que durante o interrogatório ele se indagou em voz alta como Little conseguira passar tanto tempo sem ser detido. Mas Little lhe deu a resposta.

“Posso entrar no meu mundo e fazer o que eu bem entender”, ele teria dito, descrevendo bairros espalhados pelo país onde miséria, dependência de drogas e homicídios não elucidados fazem parte do cotidiano. “Eu não entraria no seu mundo.”

Tradução de Clara Allain

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.