Descrição de chapéu The Washington Post

Decisão de Trump de deixar Síria boicota equipe de segurança nacional

Assessores do presidente haviam prometido que tropas dos EUA seguiriam no país

Forças dos EUA nos arredores de Darbasiyah, na Síria - Delil Souleiman - 28.abr.2017/AFP
Josh Rogin
The Washington Post

Na segunda-feira (17), o representante especial dos EUA para envolvimento com a Síria prometeu publicamente que o compromisso de Washington com a Síria não recuaria. 

No dia seguinte, o presidente Donald Trump decidiu retirar rapidamente todas as tropas americanas do país. Ele parece estar jogando fora toda a sua estratégia para a Síria e o Irã de uma vez, abandonando toda e qualquer influência dos EUA na região —e desconsiderando os conselhos de suas principais autoridades de segurança nacional.

Se Trump seguir em frente, sua decisão terá consequências devastadoras e perigosas para os EUA, para a região e para a população síria.

Trump pareceu confirmar no Twitter nesta quarta (19) relatos de que ele instruiu o Pentágono a planejar a rápida retirada de cerca de 2.000 soldados americanos do nordeste da Síria, que foi recentemente liberado do controle do Estado Islâmico (EI).

“Derrotamos o EI na Síria, meu único motivo para estar lá durante a Presidência Trump”, dizia o tuíte de Trump. Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional não respondeu a pedidos de esclarecimento.

Assim como a maioria das decisões políticas de Trump, há muita confusão e erros de comunicação, e os detalhes ainda não estão claros. Mas não há dúvida de que até segunda-feira James Jeffrey, o representante especial para o envolvimento na Síria, anunciava uma estratégia diametralmente oposta.

Em uma apresentação no Atlantic Council em Washington, Jeffrey disse que os EUA permaneceriam na Síria até que três objetivos fossem alcançados: garantir a derrota duradoura do EI, reduzir a influência iraniana e alcançar solução política para a crise.

O representante americano disse que o processo político liderado pela ONU está “muito perto de um potencial sucesso ou derrota nesta semana”. Ele zombou da ideia de que tudo o que o ditador sírio, Bashar al-Assad, tem a fazer é esperar que os EUA levantem as mãos e vão para casa. “Acho que se essa é a sua estratégia ele vai ter de esperar muito tempo”, afirmou Jeffrey, chamando os militares e o compromisso financeiro dos EUA na Síria de “algo que certamente é sustentável para nós”. 

Jeffrey não parecia saber que o presidente Trump estava prestes a anunciar uma inversão completa da decisão que tomou em setembro, de manter as tropas americanas na Síria até que os três objetivos declarados fossem alcançados. “A nova política é que não vamos mais nos retirar até o fim do ano”, disse Jeffrey na época. “Isso significa que não estamos com pressa. (...) Estou confiante em que o presidente está de acordo com isto.”

Aparentemente, não. Trump agora está contradizendo o que todos os seus outros principais assessores de segurança nacional disseram ao mundo durante meses. 

O secretário da Defesa, Jim Mattis, disse em agosto que as tropas americanas ficariam até que houvesse progresso na linha política. O assessor de segurança nacional John Bolton disse em setembro: “Não vamos sair enquanto as tropas iranianas estiverem fora de suas fronteiras”.

O secretário de Estado, Mike Pompeo, disse em outubro que o objetivo de derrotar o EI estava “agora unido a dois outros objetivos que se reforçam mutuamente”: uma solução pacífica do conflito e “a retirada da Síria de todas as forças iranianas e apoiadas pelo Irã”. 

O presidente do Estado-Maior Conjunto, general Joseph Dunford Jr., disse no início deste mês que os militares americanos ainda têm “um longo caminho a percorrer” em sua missão de treinar as forças locais na Síria para manter o EI à margem. 

O deputado republicano Adam Kinzinger disse-me nesta quarta que o momento não poderia ser mais contraproducente. “A história verá isso como uma das mais imbecis medidas estratégicas antes de uma negociação”, disse ele. “Para ter um resultado diplomático bem sucedido, é preciso ter uma opção militar e uma presença militar.” 

O pior, segundo ele, é que Trump está repetindo o mesmo erro que o presidente Barack Obama cometeu no Iraque —retirar-se e deixar um vácuo que o EI e outros extremistas certamente ocuparão. 

Também não está claro se isso significa que os EUA abandonarão sua base militar em Tanf, onde algumas centenas de soldados trabalham com forças parceiras árabes sunitas para manter um local estratégico na fronteira Síria-Iraque. Bolton fez lobby pessoalmente junto a Trump para não deixar Tanf neste ano. 

Trump está abandonando todas as forças parceiras com as quais os EUA lutam há anos. Também gastamos bilhões de dólares construindo e sustentando-as. As Forças Democráticas Sírias, de maioria curda, não terão alternativa senão fechar um acordo com o regime, devolvendo a Assad o nordeste do país, rico em recursos. 

“É uma triste situação quando nossos aliados em terra, com quem derramamos sangue e perdemos milhares de vidas em nossa luta contra o EI, serão simplesmente abandonados”, disse Charles Lister, professor associado no Instituto do Oriente Médio. 

Lister disse que Trump pode ter feito algum acordo com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, sobre o apoio americano às forças curdas durante seu telefonema na última sexta-feira (14).

A teoria do governo Trump (até agora) era que o regime Assad, a Rússia e o Irã precisarão dos EUA e da comunidade internacional para ajudar a pagar pela reconstrução da Síria e ajudar os refugiados a voltar, dando assim certa vantagem ao Ocidente.

Mais provavelmente, Assad e seus parceiros não desejam o retorno de milhões de sírios irados, nem restaurar economicamente as áreas do país que lutaram contra ele.

A política dos EUA na Síria foi maculada desde o início, uma mistura de envolvimento pela metade, diplomacia otimista e promessas descumpridas. Mas a retirada dos EUA que Trump está propondo o marcará com a triste distinção de pegar uma política ruim e transformá-la em um fracasso estratégico que voltará para nos assombrar.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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