Apresentado em julho com oposição apenas dos Estados Unidos, o Pacto Mundial para a Migração foi aprovado nesta quarta-feira (19) pela Assembleia Geral da ONU após sofrer baixas pelo caminho e levar à renúncia de um premiê nesta semana.
O Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, o primeiro a nível regional para administrar os fluxos migratórios, traça 23 objetivos sobre o tema, em um momento em que a quantidade de migrantes aumentou para mais de 250 milhões no mundo.
O documento não é legalmente vinculante, ou seja, os países não são obrigados a seguirem suas regras, mas apresenta recomendações e boas práticas a serem seguidas pelos países signatários.
Na votação desta quarta, o acordo foi ratificado com 152 votos a favor, 5 contra (Estados Unidos, Hungria, República Tcheca, Polônia e Israel) e 12 abstenções (Argélia, Austrália, Áustria, Bulgária, Chile, Itália, Letônia, Líbia, Liechtenstein, Romênia, Singapura e Suíça). Além disso, 24 países não votaram.
Na conferência intergovernamental sobre o documento realizada no Marrocos nos dias 10 e 11 de dezembro, 164 países estiveram de acordo.
O Brasil está entre os que votaram a favor. Autor da nova lei de migração brasileira, o atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, defendeu o pacto em Marrakech e o potencial da migração para fortalecer a economia dos países de destino.
Seu sucessor, no entanto, o futuro chanceler Ernesto Araújo, afirmou as redes sociais que o governo de Jair Bolsonaro deverá se desassociar do pacto. Araújo qualificou a medida de "inadequada" para lidar com o problema e disse que a imigração deve ser tratada não como questão global, mas "de acordo com a realidade e a soberania de cada país".
O pacto gerou polêmica em países da União Europeia e recebeu críticas especialmente de governos nacionalistas de direita, que temem que ele poderia aumentar a imigração vinda países africanos e árabes.
Na Bélgica, o apoio do premiê Charles Michel ao acordo fez o maior partido do Parlamento, o N-VA (Nova Aliança Flamenga), anunciar sua saída da coalizão governista por discordar da participação do país no pacto.
Após o desgaste, nesta terça (18), Michel anunciou sua renúncia na Câmara dos Deputados, destacando que a Casa não ouviu seu apelo a permanecer no cargo. Apesar da saída, ele deverá se manter no cargo em um governo de minoria até as próximas eleições, marcadas para maio de 2019.
A elaboração do texto foi defendida por diversos líderes, incluindo a chanceler alemã Angela Merkel e o ex-presidente dos EUA Barack Obama. Mas seu sucessor, Donald Trump, sempre se manteve crítico a ele.
Segundo fontes diplomáticas citadas pela France Presse, os Estados Unidos buscaram até o último momento que outros países não apoiassem o acordo.
A Hungria do ultranacionalista Viktor Orbán se retirou do pacto no dia 18 de julho, dias após ele ser apresentado, por considerar que o pacto é uma “ameaça para o mundo” e que a migração é um processo “desfavorável e perigoso”.
Em novembro, o governo da Áustria afirmou que iria se retirar, dizendo que o acordo poderia obscurecer a linha entre migração legal e ilegal.
A Austrália também disse que não assinaria o documento porque ele comprometeria sua política de migração e colocaria em risco a segurança nacional.
Um dia antes da conferência de Marrakech, o Chile anunciou que não iria participar do evento porque pontos do documento “não se aplicam” à política de imigração chilena.
Para o subsecretário de Interior do Chile, Rodrigo Ubilla, o país, que recebeu nos últimos anos 155 mil haitianos e 200 mil venezuelanos, considera o texto do pacto “uma espécie de camisa de força” em relação à política de imigração de cada nação.
Em uma resposta a esses países, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou na abertura do encontro no Marrocos que pretende combater as "mentiras e mitos" que envolvem o acordo. "Não devemos sucumbir ao medo", disse ele.
De acordo com o secretário-geral, o pacto não permitirá que a ONU imponha políticas de migração aos Estados.
No último dia 16, o papa Francisco expressou apoio ao pacto, apelando à comunidade internacional a trabalhar "com responsabilidade, solidariedade e compaixão" em relação aos migrantes.
Pesquisador do Instituto de Guerra e Paz da Universidade Columbia de Nova York e doutorando em Ciência Política pela USP, Gustavo Macedo observa que os países contrários ao pacto são “muito poucos” em comparação com o total dos que o aprovaram. “A Rússia entrou, a China, a Índia, a Turquia, que é um dos países que mais recebem refugiados também”, lembra.
Segundo ele, alguns dos governos que se retiraram querem “emprestar a credibilidade de outros países”, como os EUA. “Trump foi eleito com um discurso contrário às migrações. É fundamental para seu discurso populista que ele tenha uma agenda testa de ferro. Saindo do pacto global, ele faz barulho”, diz.
Para Macedo, além de não ser vinculante, o pacto traz “o básico do aceitável” em relação aos direitos dos migrantes e é fundamental para rever uma ultrapassada legislação internacional sobre esse tema. “É um pacto de intenções, que aponta para um direcionamento de futuras negociações”, afirma.
Os objetivos do pacto preveem, por exemplo, que o migrante que estiver irregular no país não poderá ser deportado imediatamente —terá o caso analisado individualmente. O texto diz ainda que ele terá acesso a justiça, saúde, educação e informação.
O documento proíbe também deportações coletivas e discriminação na análise sobre a permanência ou não do migrante no país.
E recomenda que a detenção de migrantes seja o último recurso, e que, se necessária, a pessoa fique o menor tempo possível detida. Os países também vão analisar dados e benefícios da migração e a contribuição dos migrantes ao desenvolvimento sustentável.
Pelas estimativas da ONU, há mais de 258 milhões de imigrantes no mundo, e esse número deve continuar crescendo nos próximos anos. Desde 2000, pelo menos 60 mil deles morreram na tentativa de entrar em outro país.
Cronologia
13.jul.2018: Texto do pacto é aprovado por 192 países (apenas EUA ficam de fora)
18.jul: Hungria se retira do acordo por considerar que é "perigoso para o mundo"
Out: Áustria, República Tcheca e Croácia dizem que não vão assinar pacto
Nov: Polônia e Israel anunciam que se retiram do acordo
9.dez: Chile critica documento e anuncia que não irá à conferência para sua adoção
10 e 11.dez: Na conferência intergovernamental para a adoção do pacto, em Marrakech, 164 países, inclusive o Brasil, aderem ao documento
10.dez: O futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, diz que governo Bolsonaro deixará o pacto
16.dez: Papa Francisco expressa apoio ao documento
18.dez: Premiê belga, Charles Michel, renuncia após perder apoio de ministros contrários ao pacto
19.dez: Pacto é aprovado formalmente na Assembleia Geral da ONU, com 152 votos a favor, 5contrários e 12 abstenções
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