Isolada, vila no Haiti vira fantasma após saída dos moradores

Há 15 anos, Boucan Ferdinand perdeu sua única ligação com o resto do país

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Andres Martinez Casares
Boucan Ferdinand (Haiti) | Reuters

No interior do Haiti, uma vila esquecida está isolada de seu próprio país e se esvazia lentamente enquanto seus moradores partem para a vizinha República Dominicana.

Boucan Ferdinand não tem serviços de saúde, eletricidade ou ruas pavimentadas e inundações em 2004 destruíram a única estrada que a ligava à cidade mais próxima, Bois Negresse.

Com isso, alguns de seus moradores partiram para a capital haitiana, Porto Príncipe, enquanto outros tentam sobreviver em um cenário precário. Muitas também cruzaram ilegalmente a fronteira para viver na República Dominicana.

“Eles não têm acesso ao serviço social básico, essa situação está na raiz da migração em massa para a República Dominicana”, disse Jean Gilles Viola, prefeito do município que engloba Boucan Ferdinand e cerca de outras 20 vilas.

Os moradores que permanecem vivem em cabanas com telhado de palha e coletam água da chuva para beber, em constante risco de doenças infecciosas.

Algumas crianças, usando impecáveis ​​uniformes azuis, vão para uma escola na cidade de Chapotin, uma viagem que leva uma hora e meia por um caminho estreito, intransitável durante o período de chuvas.

Na aldeia existem duas apenas salas de aula improvisadas sob responsabilidade das capelas locais das igrejas católica e batista.

“Este ano meu filho não vai para a escola”, diz o agricultor, enquanto observava a criança brincar ao lado. “Aqui você paga uma tonelada [em impostos], lá o presidente paga”, afirma, apontando para a fronteira com a vizinha República Dominicana.

As crianças da vila costumam coletar lenha ou cuidar da pastagem de pequenos rebanhos de cabras e ovelhas para ajudar os pais. Durante a colheita, muitos abandonam a escola para auxiliar nas fazendas, ganhando menos de US$ 2 (R$ 7,43) por dia.

Pela manhã, a vila tem cheiro da lenha queimada trazida pelas crianças enquanto as mulheres fazem o café da manhã: às vezes há macarrão, outras vezes arroz e feijão, mas em geral apenas café e um pedaço de pão. Carne é um luxo.

O Haiti, o país mais pobre das Américas segundo o Banco Mundial, ainda não se recuperou do terremoto de janeiro de 2010, que deixou mais de 200 mil mortos.

O tremor deixou o interior do país vazio e atualmente menos da metade da população vive em áreas rurais —eram 84% em 1960, mostram os dados do Banco Mundial.

Boucan Ferdinand foi uma das vítimas desse processo e praticamente saiu do mapa do Haiti, a ponto dos aparelhos de rádio na vila só conseguirem captar sinais de emissoras dominicanas.

“Estou cansado de procurar por estações do Haiti”, disse Polo, 64, que voltou a morar na região com a mulher e um neto após passar 40 anos no país vizinho.  

Outra moradora é Aurana Augustin, que até poucos meses atrás vendia pães e doces nas ruas. Ela teve que deixar a atividade, porém, após o lado esquerdo de seu corpo ficar paralisado e hoje passa o dia na cama.

O hospital haitiano mais próximo de Boucan Ferdinand fica depois de uma montanha e não há estradas, então ela vai ao médico de da cidade dominicana de Duverge, em um trajeto feito no lombo de animais.

O governo local anunciou que planeja reconstruir a rodovia que liga a vila ao resto do país, mas não tem verba suficiente, afirma o prefeito.

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