Descrição de chapéu The New York Times Venezuela

Ex-chefe do serviço de inteligência da Venezuela rompe com Maduro

Hugo Carvajal instou militares a romper com governo antes do duelo pela entrada de ajuda humanitária

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Caracas | The New York Times

​Um antigo chefe do serviço de inteligência da Venezuela e figura governamental proeminente rompeu com o presidente Nicolás Maduro na quinta-feira (21). Ele descreve o ditador como alguém cercado de corruptos, que se envolveu em tráfico de drogas e cortejou a organização extremista Hezbollah.

Em entrevistas ao The New York Times, Hugo Carvajal, 58, antigo chefe do serviço de inteligência venezuelano e legislador pelo Partido Socialista, instou os militares a romper com Maduro antes do duelo com a oposição que pode acontecer no sábado (23), por conta do bloqueio de Maduro à entrada de provisões de assistência humanitária no país.

O ditador Nicolas Maduro (C) participa de uma reunião com o alto comando das Forças Armadas Nacionais em Caracas
O ditador Nicolas Maduro (C) participa de uma reunião com o alto comando das Forças Armadas Nacionais em Caracas - Presidência da Venezuela - 22.fev.19/Xinhua

"Já tivemos mais que o suficiente", afirmou Carvajal em comunicado, divulgado também em um vídeo online na quinta-feira, e dirigido a Maduro. "Você matou centenas de jovens nas ruas por tentarem reivindicar os direitos que lhes roubou. E isso sem contar as mortes por falta de remédios e por falta de segurança".

"Aos generais", ele acrescentou, "como é que, tendo o poder de permitir a entrada de assistência humanitária internacional no país, para salvar vidas, vocês poderiam decidir não fazê-lo? É possível ser tão desumano? Estar hipnotizado a esse ponto?

As palavras fortes vêm em meio a uma onda de outras deserções de membros do governo, entre os quais um oficial de alta patente da força aérea, diplomatas, adidos militares e membros da guarda nacional. O rompimento com o regime por parte de um homem que no passado protegia seus segredos, na posição de chefe do serviço de inteligência, representa uma pressão inesperada sobre o presidente, apenas três dias antes do confronto quanto à entrada dos suprimentos de assistência humanitária, na fronteira com a Colômbia.

As acusações de Carvajal também acrescentam um novo ingrediente ao drama que está em curso: a disposição de prestar testemunho que pode ser usado contra o governo de Maduro, caso este venha a cair. Carvajal - que em 2017 criticou Maduro por criar um segundo Legislativo - agora oferece uma arma valiosa à oposição, que há anos acusa o presidente e seus aliados mais próximos de elos com contrabandistas e organizações extremistas.

O presidente Donald Trump alertou, na segunda-feira (18), que os líderes militares venezuelanos tinham de abandonar o regime de Maduro até o final de semana, ou "perderiam tudo". Isso representou uma escalada do apoio americano a Juan Guaidó, o líder da oposição, que se declarou presidente e está apostando sua posição na entrada de embarques de assistência humanitária na Venezuela, contra os desejos de Maduro. Muitos dos partidários de Guaidó declaram que estão se preparando para tomar de assalto uma ponte na fronteira, para forçar o bloqueio no sábado.

Carvajal, que se aposentou como chefe do serviço de inteligência em 2012, depois de quase 10 anos no posto, ofereceu um raro vislumbre do funcionamento de um governo no qual, segundo ele, tráfico de drogas e corrupção são ocorrências constantes, comandados por figuras de primeiro escalão como o ministro do interior Néstor Reveriol; Tareck El Aissami, ministro que serviu como vice-presidente; e Maduro mesmo.

Aqueles que combatiam o tráfico de drogas "eram aqueles que as traficavam", ele disse sobre autoridades venezuelanas que enfrentam indiciamentos ou sanções nos Estados Unidos.

O ex-aliado de Maduro está entre os acusados por tráfico de drogas, em investigações americanas. Ele escapou de uma extradição aos Estados Unidos por acusações relacionadas a drogas quando foi detido em Aruba, em 2014, e é alvo de sanções do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos por ter ajudado grupos guerrilheiros colombianos a contrabandear cocaína.

Nas entrevistas, Carvajal admitiu contatos nos dois mundos. Mas ele disse que quaisquer contatos com traficantes de drogas, entre os quais Walik Makled, o líder do tráfico venezuelano, estavam relacionados aos seus esforços para investigá-los, como chefe do serviço de informações. Ele disse ter se encontrado com líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em 2001, mas apenas como negociador do governo quanto ao sequestro de um empresário venezuelano, e disse que sua viagem tinha aprovação dos presidentes da Venezuela e da Colômbia.

Carvajal apontou para outros funcionários importantes do governo, entre os quais Reverol - que foi indiciado nos Estados Unidos por acusações de ajudar traficantes de drogas e cancelar investigações sobre eles quando comandava a Organização Nacional Antidrogas (ONA) venezuelana.

Ele também acusou Reverol de permitir a aterrissagem de aviões carregados de drogas no país, quando ele comandava a ONA. Carvajal disse que um caso, em 2012, ele ligou para Reverol para informar que um avião suspeito havia sido avistado voando a baixa altitude nas proximidades de Caracas. Reverol não agiu, e o avião continuou a viagem.

"Estou seguro de que era um grande embarque de drogas", disse Carvajal.

Em 2017, o Departamento do Tesouro americano impôs sanções contra Aissami, então vice-presidente, definindo-o como "um proeminente traficante de drogas venezuelano".

O antigo chefe da inteligência disse que Aissami também havia cortejado a organização extremista xiita libanesa Hezbollah. Disse que quando Aissami e ele viajaram ao Irã em 2009, como parte de uma delegação que representava o então presidente Hugo Chávez, Aissami, então ministro do interior, pediu que o avião fizesse uma parada na Síria, onde tem parentes e amigos.

Carvajal disse que durante a parada eles se reuniram com um representante do Hezbollah e um diplomata venezuelano simpático ao movimento. Aissami propôs um plano sob o qual membros da organização viajariam à Venezuela para trabalhar com combatentes das Farc.

O ex-aliado disse que expressou a Maduro, então ministro do exterior, suas objeções ao plano de convidar membros do Hezbollah para uma estadia na Venezuela. Mas Maduro, que defendia uma posição de hostilidade para com os Estados Unidos, parecia favorecer a proposta, disse Carvajal.

Maduro negou que seu governo tenha qualquer conexão com o Hezbollah.

Tradução de Paulo Migliacci 

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