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Dia da Mulher na Argentina mesclará feminismo e protestos antigoverno

Em ano eleitoral, marchas serão espécie de julgamento das mulheres sobre Macri, diz ativista

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A capital argentina se prepara para uma nova manifestação feminista nesta sexta (8), Dia Internacional da Mulher.

Como já ocorre desde 2015, haverá marchas em Buenos Aires e no interior do país, comandadas por mais de 80 organizações, além de uma greve geral de mulheres.

Argentinas protestam com lenços verdes, símbolo do movimento pró-aborto, em frente ao Congresso em fevereiro de 2018
Argentinas protestam com lenços verdes, símbolo do movimento pró-aborto, em frente ao Congresso em fevereiro de 2018 - Raul Ferrari - 19.fev.2018/AFP

A cada ano, a lista de reivindicações cresce. Nos primeiros protestos, o principal era a questão da violência contra mulheres.

Depois, veio a defesa de uma lei que permita o aborto de forma gratuita e na rede hospitalar pública —apenas pela decisão da mulher.

Outros pleitos contemplam mais cotas de representação parlamentar, fim da desigualdade salarial e o pedido de políticas mais eficientes para evitar abusos sexuais, principalmente contra menores de idade.

“No ano passado, tivemos 350 mil pessoas marchando desde o Congresso até a Praça de Maio. Neste ano, pretendemos superar essa marca, e queremos aumentar também a participação de homens, que no ano passado já foi bastante significativa”, diz Florencia Minici, uma das fundadoras do grupo #NiUnaMenos, surgido em 2015 para pedir o fim da violência contra a mulher.

Apesar de existir uma lei que tipifica o feminicídio como crime e estabelece penas mais duras para o delito, as estatísticas na Argentina ainda são altas.

Só em 2019, já houve 45 assassinatos de mulheres, a maioria vítima de violência doméstica.

Neste ano, um dos nomes que impulsionarão as manifestações é o de Lucía, de 11 anos, que engravidou após ser abusada pelo parceiro de sua avó, de 65, em Tucumán.

Com o consentimento da garota, a mãe de Lucía obteve permissão da Justiça para abortar. A autorização, porém, tardou a sair, e a gravidez estava em estado avançado quando os médicos realizariam a operação.

Estes acabaram se negando a fazer o aborto, alegando objeção de consciência, e coube a uma outra médica realizar uma cirurgia de emergência. Mas, em vez da interrupção da gravidez, ela fez uma cesárea —sem consultar a família.

 

O caso de Lucía não é o único, nem mesmo neste ano.

Em janeiro, na província de Jujuy, uma garota de 12 anos engravidou após ser estuprada.

Ela recebeu permissão da Justiça para abortar, mas os médicos se negaram a cumprir a determinação. O bebê de menos de 15 semanas de gestação morreu horas depois do parto.

“Muitas mulheres e suas filhas às vezes não conhecem seus direitos nem a lei que permite que abortem no caso de terem sido estupradas”, diz a jornalista Mariana Carvajal, autora de livros sobre o tema.

Segundo dados do governo, 2.493 nascimentos em 2017 foram de crianças cujas mães têm 15 anos ou menos.

Cerca de 28% foram abusadas pelo pai ou pelo padrasto, e, se forem incluídos parentes ou pessoas próximas à família, essa cifra sobe para 50%.

As manifestantes sairão às ruas com os já populares lenços verdes, que evocam os lenços brancos das Mães e Avós da Praça de Maio, símbolos dos movimentos que buscam encontrar filhos e netos desaparecidos durante a ditadura militar no país (1976-1983). 

 

O lenço verde é usado amarrado no pescoço, nos punhos ou pendurado nas mochilas das adolescentes.

Minici diz que, neste ano, o componente político será mais forte, uma vez que os argentinos escolhem um novo presidente em outubro. “Isso dá mais energia ao movimento, porque é uma espécie de julgamento das mulheres sobre o que este governo fez por elas.”

Lei do aborto

Em 2018, a gestão de Mauricio Macri promoveu o debate e a votação pelo legislativo de uma lei que permitiria o acesso ao aborto até a 14ª semana de gestação —a lei atual só o autoriza em casos de estupro, risco de morte da mãe e má-formação do feto.

Porém, o próprio presidente e a cúpula do governo se posicionaram contra a proposta e acabaram influenciando a derrota no Senado. Ainda assim, Macri se comprometeu a voltar ao tema em 2019.

“Acho que ele usou essa votação sobre o aborto só para sinalizar que era moderno, de centro. No fundo não quer que a lei passe”, diz María Laura Muñoz, 19, estudante de direito.

Minici crê que manifestações antigoverno durante a marcha serão inevitáveis, não apenas devido às questões do aborto e da violência contra a mulher, mas pela grave crise econômica que vive o país.

Haverá também a participação de grupos de mulheres indígenas, de sindicalistas, de aposentadas —cada uma com sua reivindicação específica.

Os grupos que representam os pleitos das mulheres trabalhadoras chamam a atenção para a disparidade entre os salários de homens e mulheres no país —28% entre os que têm carteira assinada, e 35% na economia informal.

“Neste 8 de março, o motor político estará mais claro devido à crise econômica, em que mulheres, homossexuais, travestis e trans estão duplamente expostas”, diz a socióloga e ativista Victoria Freire, que coordena o Observatório de Gêneros e Políticas Públicas.

“São as que mais sofrem preconceito e as mais prejudicadas no momento de buscar trabalho. É importante deixar isso claro para que os candidatos incluam essas reivindicações em suas campanhas.”
Outra das demandas é por mais representação política. 

Na Argentina, há uma lei que determina que 30% do Congresso seja composto por mulheres.

Essa cota, porém, já foi superada, uma vez que as congressistas representam 39% do Parlamento. Agora, querem que essa cifra chegue a 50%.

Neste ano, também, o recém-criado grupo Actrizes Argentinas levará sua bandeira às ruas.

Elas protestam contra abusos na área artística, como os que teria cometido o ator Juan Darthés, hoje foragido em São Paulo. Ele é acusado de ter estuprado uma atriz menor de idade.

A marcha em Buenos Aires começará às 17h e terminará com a reunião de todas as manifestantes na Praça de Maio, diante da Casa Rosada, sede do governo argentino.


Argentina

30%
é o percentual mínimo legal de cadeiras do Congresso que devem ser ocupadas por mulheres 

39%
é a participação atual de mulheres no Congresso

Brasil

30%
é o percentual mínimo de candidatas; lei não exige mínimo de congressistas eleitas

15%
é a participação atual de mulheres no Congresso

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