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A falsidade da 'conquista do México' em poucas linhas

Presidente do México enviou carta ao rei da Espanha e ao papa Francisco para que pedissem perdão aos povos indígenas durante a conquista da América

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O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, e o presidente mexicano, Andrés Manuel Lopéz Obrador, após entrevista durante visita do espanhol ao México
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, e o presidente mexicano, Andrés Manuel Lopéz Obrador, após entrevista durante visita do espanhol ao México - Carlos Jasso/Reuters
José Ramón López Rubí C.
Latino América 21

A carta em que o presidente do México pede ao rei da Espanha que se desculpe pela "conquista" é conhecida. A petição recebeu tanto críticas quanto aplausos. Em geral não me oponho a que um Estado reconheça erros passados com os quais tenha relação clara ---em um marco de tempo razoável. Mas me oponho, especificamente, a que continue a ser repetida uma falácia que tem muitos efeitos negativos: a de que o "México" foi conquistado pelos "espanhóis" contra os "índios". Meu argumento é empírico e analítico, não moral, embora tampouco possa ser descrito como imoral; ainda que eu favoreça as verdades históricas, nada tenho contra os indígenas como pessoas. Tentarei explicá-lo, em quatro partes.

1. Para começar: o México não existia. Portanto, conquistá-lo não era possível. Com a chegada de Hernán Cortés a territórios que hoje fazem parte do México, e como resultado de suas ações políticas e militares posteriores, não ocorreu nem o descobrimento do México nem sua conquista, mas sim o início de sua invenção. É o invento sociopolítico da colônia que conduz ao vice-reinado da Nova Espanha, sem o qual, por bem ou por mal, não existiria México. O que passou a ser o México surgiu depois da criação da Nova Espanha, com ela e por seu intermédio. O que significa que Cortés ---quer isso nos incomode, quer nos satisfaça--- assentou as primeiras bases para o país mexicano. 

Com todos os seus defeitos, de origem e subsequentes, o México não poderia ter surgido e tampouco existiria sem a Espanha, e sem os indígenas. O México é uma combinação dessas duas coisas, com todos os seus conflitos, alianças, choques, misturas, traições, intenções e esquecimentos. O que este país deve ser, hoje e amanhã, não pode surgir sem que os indígenas tenham uma posição melhor, mas isso não será conseguido por meio de uma falsificação da história para retratá-la em branco e preto "indigenista", ainda que muita gente acredite nisso. Porque nossos problemas têm raízes históricas longas, precisamos compreender a história do modo mais realista que pudermos, para que possamos solucioná-los.

2. O que existia por aqui antes da chegada de algumas centenas de espanhóis a um determinado ponto do território não era uma entidade legalmente vinculada, como hoje, não era um só país, uma só sociedade, e nem um Estado ou confederação. Não existia só uma sociedade indígena, com uma mesma cultura, e nada mais. Os espanhóis em questão não só não conquistaram o México como não conquistaram "os índios".

3. Nisso que não era o México e onde nem todos os indígenas foram "originalmente" ou "tipicamente" conquistados, havia grupos e indivíduos na pluralidade indígena que ajudaram Cortés e seus homens contra outros indígenas. Trata-se dos aliados de Cortés na guerra contra os astecas; estamos falando dos totonacas, dos tlaxcaltecas, dos tezcocanos e mais. Calcula-se confiavelmente que na guerra de Cortés contra os astecas e na captura sua cidade, Tenochtitlán (é isso que corresponderia de fato à ideia distorcida da "conquista do México contra os índios"), 150 mil soldados/guerreiros indígenas combateram ao lado do espanhol. Ou seja: houve indígenas que assassinaram outros indígenas e cometeram abusos contra eles ou elas...

4. Por que houve assassinatos e abusos entre "os índios" e em favor dos espanhóis? Por vingança. Porque alguns haviam praticado abusos contra outros antes da chegada de Cortés e seus homens. Os astecas primeiro vitimaram outros indígenas e depois se tornaram vítimas de suas vítimas. Isso é muito relevante: os indígenas não só não eram apenas um grupo, mas sim muitos, como existiam conflitos (também muitos) entre esses grupos. Guerras com fins políticos, tributários e religiosos eram uma constante no período, e o mesmo vale para a criação de coalizões defensivas. O grande culpado: o imperialismo asteca.Assim: nem México, nem monólito social indígena, nem paraíso de paz pré-hispânico. Nenhuma dessas três coisas existia. Existiam guerras entre os indígenas e, a seguir, guerras envolvendo uma aliança de espanhóis e indígenas contra outros indígenas. Destruição e morte aplicadas e recebidas em muitas direções, com e sem a Espanha.

Vale dizer que nem tudo era ruim ---nada de selvageria, barbárie ou falta de cultura--- nos astecas, e os espanhóis tampouco eram racialmente superiores (tampouco vejo grande superioridade religiosa), e sem dúvida na era de Cortés houve extermínios, excessos e vexações, mas não como conta a história "oficial" mexicana criada pelo regime do PRI (Partido Revolucionário Institucional). Não houve atos contra todos "os índios" e eles não foram praticados apenas pelos "espanhóis". Houve atos de espanhóis e indígenas contra indígenas que não formavam uma democracia e nada tinham de exemplar no trato que davam aos outros. Não se trata de atos contra nós, os mexicanos de qualquer era, mas de atos contra indígenas que contribuíram desigualmente, mas em companhia dos espanhóis, para formar um México desigual.

O passado dos países latino-americanos pode e deve ser revisado e criticado, mas não como deseja o político Andrés Manuel López Obrador. O ponto de partida dele não nos conduzirá a qualquer boa chegada. Como poderemos ter um século 21 melhor se estamos confusos desde o século 16? 

José Ramón López Rubí C. é um cientista político mexicano dedicado à análise, edição e consultoria. Como analista, tem experiência na mídia, governo e academia, onde trabalhou no Centro de Investigación y Docencia Económicas, na Cidade do México, e na Universidade Autônoma de Puebla. Publicou numerosos artigos, resenhas, ensaios e livros, entre os quais dois volumes de cartas aos estudantes de ciência política. 

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Tradução de Paulo Migliacci

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