Alan García, ex-presidente do Peru, se mata após receber ordem de prisão por caso da Odebrecht

Acusado de receber propina, político dá tiro na cabeça e chega a ser socorrido, mas não resiste

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O ex-presidente Alan García, em Lima - Guadalupe Pardo - 27.mar.2018/Reuters
Buenos Aires | Reuters

Um trágico e inesperado episódio no escândalo da Lava Jato ocorreu na manhã desta quarta-feira (17), em Lima, no Peru.

O ex-presidente Alan García (1985-1990 e 2006-2011), logo após saber que a Justiça havia pedido sua prisão preliminar por dez dias, atirou na própria cabeça, morrendo poucas horas depois.

Às 6h25 (8h25 em Brasília), a polícia havia chegado à sua casa, no bairro nobre de Miraflores, para levá-lo. Ele pediu licença para ligar para seu advogado e subiu a um dos aposentos.

Vinte minutos depois, os oficiais ouviram o estampido e subiram as escadas correndo. García, que trancou o quarto antes de disparar, e por isso os agentes tiveram de arrombar a porta, tinha tentado se suicidar. A bala entrara e saíra de sua cabeça, mas o ex-presidente continuava vivo.

Levado ao hospital Casimiro Ulloa, foi atendido, enquanto uma pequena multidão de apoiadores se formava em frente à porta principal. Cantavam "Alan García, o povo está contigo" e "o Apra nunca morre", em referência à Aliança Popular Revolucionária Americana, partido do ex-presidente.

Lá dentro, porém, a situação do ex-mandatário piorava. Logo, via-se as imagens dos filhos entrando no hospital.

Em seguida, chegou um padre. García teve três paradas cardíacas enquanto os médicos tentavam estabilizar sua situação.

Os esforços foram em vão. Por volta das 10h15 (12h15 de Brasília), García morreu.

Momentos depois, seu secretário, Ricardo Pinedo, saiu à rua e disse aos apoiadores: "Companheiros, faleceu Alan García, viva o Apra!".

Houve comoção, choros e abraços. Este é o primeiro caso de suicídio envolvendo um político de primeiro escalão investigado no escândalo da Lava Jato —um ex-secretário do governo colombiano também se suicidou, mas ele era apenas testemunha no caso e não era acusado de irregularidades.

A prisão preliminar de García seria um passo anterior a uma prisão preventiva, o que significa que a Justiça, ainda na fase de coleta de provas, considera que o suspeito poderia obstruir a investigação.

García, 69, era acusado de envolvimento no escândalo da empreiteira brasileira Odebrecht, que declarou ao Departamento de Justiça norte-americano ter pago US$ 29 milhões em propinas e caixa 2 no país.

O peruano já havia tentado escapar da Justiça antes, ao pedir asilo ao Uruguai, em novembro, mas o presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, se recusou a aceitá-lo. García era investigado por dois casos relacionados à Odebrecht.

O primeiro está ligado aos aportes de campanha ilegais realizados pela empreiteira brasileira nas eleições presidenciais de 2006, vencidas por García. Para isso, a empresa teria pago US$ 200 mil.

O segundo envolve a licitação das obras da linha 1 do metrô de Lima. Em 19 de fevereiro de 2009, García convocou uma reunião ministerial de emergência, no mesmo dia em que havia se encontrado com um operador da Odebrecht, Jorge Barata.

Alguns meses depois, o então presidente emitiu um decreto concedendo a licitação da obra da linha 1 do metrô de Lima a um consórcio do qual a Odebrecht fazia parte.

A Procuradoria peruana ainda investiga se o pagamento de US$ 100 mil que a Odebrecht fez a ele por uma conferência na Fiesp (Federação de Indústrias de São Paulo), em São Paulo, em 2012, está relacionado a pagamentos ilícitos em troca de benefícios à empreiteira brasileira.

No começo deste mês, García disse, em entrevista ao jornal El Comercio, de Lima, que não havia elementos para sua prisão. "É tudo especulação. Com especulações não se priva uma pessoa da liberdade. É uma grande injustiça."

Desde que começou a ser investigado, ele havia informado à Justiça que só havia se reunido com Marcelo Odebrecht e representantes da empresa uma vez. Investigações das agendas do então presidente, porém, revelaram que ao menos cinco encontros ocorreram.

Em 2017, Marcelo Odebrecht, disse, em sua delação, que as iniciais AG, que apareciam nas listas de suborno da empresa, eram uma referência a Alan García. Desde novembro, o ex-presidente peruano estava impedido de sair do país e pairava sobre ele a expectativa do pedido de prisão, que se concretizaria na manhã desta quarta.

Classificado por muitos como um líder populista no Peru, García era líder do tradicional Apra, que nasceu como um partido de centro-esquerda, mas que foi migrando para a centro-direita com o tempo.

O Apra ainda tem grande influência na política e na Justiça local, o que explica porque García foi um dos últimos presidentes peruanos envolvidos no caso Odebrecht a ter ordem de prisão decretada. García chegou à Presidência pela primeira vez em 1985, aos 36 anos, vencendo um segundo turno contra o esquerdista Alfonso Barrantes.

À época, o Apra já tinha 60 anos e sempre foi muito popular no Peru, mas só conquistou o poder com a eleição de García.A primeira parte de seu mandato foi marcada por bom índice de aprovação. Já na segunda parte deste mesmo mandato, enfrentou dois duros problemas.

Um deles foi um período de hiperinflação, que não soube controlar. Houve troca de moedas, o Sol virou Inti, e depois Novo Sol. Sua impopularidade foi aumentando até surgir sua segunda grande dor de cabeça: a guerrilha do Sendero Luminoso, que começava a se expandir no interior, convulsionando o campo.

Logo, a violência e os atentados chegaram às cidades grandes, com sequestros, assassinatos e apagões. García foi acusado na época de se aliar com comandos paramilitares, algo que seu sucessor, Alberto Fujimori, também faria, na tentativa de conter a guerrilha.

O Peru é um dos países mais afetados pelo escândalo de corrupção da Odebrecht, que admitiu ter pago US$ 29 milhões em subornos ao longo de três governos peruanos, incluindo o segundo de García.

Devido ao caso Odebrecht também estão sendo investigados os ex-presidentes Alejandro Toledo (2001-2006), que fugiu para os Estados Unidos e enfrenta um pedido de extradição, e Ollanta Humala (2011-2016), preso por nove meses e que agora responde ao processo em liberdade condicional.

O ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018), que renunciou em março de 2018 após denúncias de corrupção, foi preso na semana passada, de forma temporária. PPK, como é conhecido, pediu nos últimos dias para ser transferido para uma clínica, por estar com hipertensão.

MORTES NA COLÔMBIA, RIO GRANDE DO SUL E BAHIA

Além de García, há a suspeita de que um outro suicídio relacionado ao caso Odebrecht tenha ocorrido em Porto Alegre no final de março.

Apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como suspeito de atuar como doleiro da empreiteira brasileira em pagamentos de propinas, Antônio Claudio Albernaz Cordeiro foi encontrado morto dentro de sua casa na capital gaúcha no último dia 24.

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul trata o caso como suicídio, mas ainda não há confirmação oficial do que aconteceu. Ele chegou a ser preso duas vezes durante as investigações da Lava Jato, em 2016 e em 2018.

Na Colômbia, houve três mortes relacionadas ao caso, todas por ingestão de cianureto, no fim de 2018.

Uma delas é a de uma testemunha chave do caso, Rafael Merchán, ex-secretário de transparência durante o governo de Juan Manuel Santos. Ele não era investigado por participação no esquema.

Ele foi encontrado morto em sua casa no fim de dezembro, e a polícia classificou o caso como suicídio, o que depois foi confirmado pela família.

Entre os mortos também está Jorge Henrique Pizano, testemunha no processo e um dos auditores da obra da estrada Rota do Sol, que teria sido usada para desviar dinheiro. Pouco depois, seu filho Alejandro morreu.

Em janeiro de 2018, José Roberto Soares Vieira, testemunha da Lava Jato no Brasil, foi morto com nove tiros na Bahia. Ele era dono de uma empresa de transportes.

O atual presidente do Peru, Martín Vizcarra, divulgou mensagem de condolências nas redes sociais, o mesmo foi feito por outros mandatários, como o colombiano Iván Duque e o chileno Sebastián Piñera.

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