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A trágica história de Rosemary Kennedy, irmã de J.F.K. lobotomizada por ordem do pai

Filha mais velha dos Kennedy tinha 23 anos quando passou por cirurgia que prometia curar doenças psíquicas

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Marius Gabriel
BBC News Brasil

Você já deve ter ouvido falar na chamada "maldição dos Kennedy", uma sequência de eventos trágicos que atingiram um dos clãs políticos mais conhecidos dos Estados Unidos ao longo do século 20.

Joseph P. Kennedy foi um milionário e político americano descendente de irlandeses que nasceu em uma família de políticos da Nova Inglaterra e fez fortuna nas indústrias de filmes, uísque e aço.

Em 1914, ele se casou com Rose Elizabeth Fitzgerald, representante da aristocracia católica de Boston, com quem teve nove filhos, muitos dos quais teriam um fim prematuro.

O filho mais velho, Joe Jr., preparado desde a infância pelo pai para ser o futuro presidente dos Estados Unidos, morreu em combate em 1944 enquanto servia como piloto durante a Segunda Guerra Mundial.

Um acidente de avião matou a quarta filha, Kathleen. Ela estava acompanhada do namorado durante um voo da Grã-Bretanha para o sul da França, em 1948.

O segundo filho, John F, que herdou o cetro político de Joe Jr., foi eleito o 35º presidente dos Estados Unidos em 1960, e assassinado em Dallas, no Texas, em novembro de 1963.

Em 1968, o sétimo filho do casal, Robert 'Bobby', foi baleado durante a campanha eleitoral para se tornar presidente.

Um ano depois, em 1969, o filho mais novo, Edward 'Ted', se envolveu em um acidente de carro em Chappaquiddick Island, na Nova Inglaterra, que resultou na morte de uma mulher, Mary Jo Kopechne.

Muitos destes incidentes, entre outros, foram descritos e analisados ​​inúmeras vezes desde meados do século passado.

Mas pouca gente conhece o destino de Rosemary Kennedy, a filha mais velha dos Kennedy.

 

Um parto complicado

Rosemary Kennedy nasceu em uma sexta-feira, 13 de setembro de 1918.

Na época do seu nascimento, a cidade de Brookline, em Massachusetts, sofria com a epidemia de gripe espanhola que mataria entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas em todo o mundo naquele ano.

Por isso, o médico encarregado do parto se atrasou cuidando de outros pacientes.

Embora a cabeça do bebê já estivesse coroando, a parteira pediu a Rose Kennedy para manter as pernas fechadas e apertadas para evitar dar à luz antes da chegada do obstetra.

De acordo com um relato de Luella Hennessey-Donovan, a dedicada babá e governanta da família, Rose seguiu as instruções por duas horas de agonia.

'Acidente uterino'

Quando Rosemary cresceu, ficou claro que ela tinha dificuldades de aprendizado.

Mais tarde, especialistas disseram aos Kennedy que era uma consequência da falta de oxigênio provocada por um "acidente uterino".

As deficiências dela eram frequentemente escondidas ou disfarçadas pela família para evitar o estigma de estar associada a "genes defeituosos".

Apesar de ter frequentado várias escolas especiais nos Estados Unidos e no Reino Unido, Rosemary teve problemas para ler e escrever até a idade adulta.

Rosemary no Reino Unido

Aparentemente, o período mais feliz da vida de Rosemary foi na Inglaterra, nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, para onde a família se mudou depois que o presidente Franklin D. Roosevelt nomeou seu pai como embaixador no Reino Unido, em 1938.

A beleza e o charme da adolescente Rosemary e sua irmã mais nova, Kathleen, atraíram a atenção da imprensa britânica, o que ajudou muito o novo embaixador a "entrar diretamente no círculo dos interesses britânicos", como escreveu um jornal da época.

Em maio de 1938, Rosemary e Kathleen foram apresentadas ao rei George 6º e à futura rainha Elizabeth no Palácio de Buckingham, em Londres.

Empobrecida

Quando o Reino Unido declarou guerra à Alemanha, em setembro de 1939, Rose Kennedy e a maior parte dos filhos voltaram para os Estados Unidos; apenas Rosemary ficou com o pai.

Quando começou o bombardeio em Londres, eles a mandaram para a Belmont House, uma escola que usa o método Montessori, se concentrando nos cinco sentidos para desenvolver o aprendizado.

A essa altura, as fotografias já mostravam como seu pai agarrava seu braço com força durante as aparições públicas, que eram muitas vezes acompanhadas por gafes e contratempos.

Embora sua aparência fosse a de uma mulher adulta, Rosemary parecia muito menos confiante e, muitas vezes, infantil.

A escola oferecia um refúgio da vida pública, e Rosemary costumava dizer que era "o lugar mais maravilhoso" que havia estado.

Depois de algumas semanas, Joseph escreveu entusiasmado para a esposa: "Ela está feliz, parece melhor do que nunca, não está sozinha e adora receber cartas (dos irmãos) dizendo que tem sorte por estar aqui."

Caminho para a ruína

Rosemary estava prosperando.

No entanto, a conhecida afinidade de Joseph com o nazismo e suas declarações públicas de que o Reino Unido não poderia vencer a guerra tornaram inevitável sua aposentadoria como embaixador.

Em novembro de 1940, com os Estados Unidos prestes a se unirem aos aliados, ele recebeu uma ordem para deixar o cargo e voltou para casa com a carreira política em ruínas.

Rosemary o acompanhou e, a partir daquele momento, sua vida teve uma reviravolta trágica.

Enfeite de lapela com a imagem do ex-presidente americano John F. Kennedy - REUTERS

Ataques de raiva

O retorno de Rosemary para os EUA foi desastroso.

Longe do carinho e da atenção que a cercaram na Inglaterra, sua condição se agravou rapidamente. O progresso que ela havia feito na Casa Belmont desapareceu.

Ela protagonizou episódios violentos e ataques de raiva, atingindo quem estava ao seu redor, incluindo seus irmãos mais novos e crianças sob seus cuidados.

A família tinha cada vez mais medo dela.

Em um dos incidentes, Rosemary atacou subitamente Honey Fitz, seu avô materno, socando e chutando até ser detida à força, segundo relataram Peter Collier e David Horowitz no livro "The Kennedys: An American Drama".

Indomável

Internada em um convento, ela se rebelou. As freiras não eram capazes de controlá-la.

"Muitas noites", recorda a prima de Rosemary, Ann Gargan, "a escola ligava para avisar que ela tinha sumido e a encontravam vagando pelas ruas às duas horas da manhã".

Logo se soube que Rosemary fugia, segundo um paciente que também estava em confinamento, para ir até os bares da região se encontrar com homens em busca de atenção, conforto e sexo, escreveu Elizabeth Koehler-Pentacoff no livro "The Missing Kennedy".

As freiras do convento contaram ao seu pai, que ficou horrorizado. Rosemary não só estava em perigo, como, em sua opinião, estava colocando em risco as ambições políticas que tinha para seus filhos.

Joseph Kennedy buscou então "soluções" cirúrgicas e, em novembro de 1941, sem consultar a esposa, autorizou dois cirurgiões, Walter Jackson Freeman e James W. Watts, a realizar uma lobotomia na filha.

Rosemary tinha apenas 23 anos.

Acreditava-se que a lobotomia, uma nova técnica "psicocirúrgica" que previa a separação ou eliminação das vias de comunicação dos lóbulos do cérebro, poderia ser a cura para um grande número de condições psicológicas, como alcoolismo e ninfomania.

Catástrofe

Nos EUA, foram realizadas até cinco mil lobotomias por ano durante a década de 1940, a maioria em mulheres jovens. Freeman foi responsável por quase três mil destes procedimentos.

Um artigo publicado no jornal Saturday Evening Post em maio de 1941 elogiava o trabalho "pioneiro" de Freeman e apresentava a cirurgia como uma esperança para transformar pacientes que eram "um problema para suas famílias e um incômodo para eles mesmos" em "membros úteis da sociedade".

Depois de perfurar o crânio de Rosemary, Freeman pegou uma lâmina e começou a cortar os lóbulos frontais de seu cérebro. Amarrada à mesa, ela estava acordada e aterrorizada durante o procedimento.

De repente, ficou em silêncio e perdeu a consciência.

A operação foi um fracasso catastrófico.

 

Escondida e esquecida

Após a cirurgia, Rosemary não conseguiu mais andar ou falar.

Mesmo após anos de terapia, ela não conseguia balbuciar mais do que algumas palavras e nunca recuperou totalmente o uso dos membros.

Sua autonomia, que já era limitada, desapareceu para sempre.

Nos 64 anos seguintes, ela viveu escondida em instituições, necessitando de cuidados em tempo integral.

Solidão

Os médicos ordenaram que Rosemary Kennedy "não podia receber visitas porque podiam perturbá-la e confundi-la", destacou a escritora Elizabeth Koehler-Pentacoff.

E é possível que seu pai também tenha feito isso com o objetivo de impedir que adversários políticos alegassem que havia uma "louca" na família.

Quaisquer que sejam as razões, escreveu Koehler-Pentacoff, "Rosemary não recebeu visitas durante os anos mais sombrios de sua vida".

Por fim, ofereceram a ela uma casa de campo particular no terreno da Saint Coletta's, uma escola especial em Wisconsin, onde viveu tranquila, isolada da imprensa e de olhares indiscretos.

Um segredo

Na década de 1960, uma série de acidentes vasculares cerebrais (AVC) deixaram Joseph Kennedy incapaz de se mover ou falar, e sua mãe sofreu um derrame na década de 1980 —ambos precisavam de atenção e cuidados constantes.

Os irmãos Kennedy que sobreviveram —Ted, Eunice, Jean e Patricia— visitaram Rosemary em seus últimos anos de vida, mas, durante a maior parte do tempo, sua existência foi um segredo.

No entanto, no início dos anos 1960, sua irmã Eunice escreveu um artigo em um jornal revelando que Rosemary havia nascido com deficiência intelectual.

Em 1968, ela fundou as Olimpíadas Especiais, que hoje é a maior organização esportiva do mundo para crianças e adultos com deficiências físicas e intelectuais —mas negou que tenha sido inspirada pelo caso da irmã.

Enquanto isso, Rosemary vivia esquecida pelo mundo, raramente acompanhada, a não ser pelas freiras que cuidavam dela.

De tempos em tempos, ela mostrava leves sinais de progresso, mas que acabavam desaparecendo.

Nos últimos anos de vida, ela estava em uma cadeira de rodas.

Morreu em 2005, aos 86 anos.

*Marius Gabriel é escritor de romances históricos e a história dos Kennedy é apresentada em The Ocean Liner, publicada pela Lake Union Publishing em 2018.

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