O chefe do escritório do jornal americano The New York Times na Colômbia, Nicholas Casey, deixou o país no domingo (19) por ter sido alvo do que chamou de “acusações falsas” do governo, após publicar um artigo crítico às Forças Armadas colombianas.
“Tomei a decisão de me manter fora do país por causa das acusações falsas que foram lançadas ontem [domingo, 19] no Twitter por [a senadora governista] María Fernanda Cabal e replicada por vários políticos nas últimas 24 horas”, afirmou Casey em uma mensagem à imprensa.
Na reportagem “As ordem de letalidade do Exército colombiano põem em risco os civis, segundo oficiais”, publicada no sábado (18), o jornalista afirmou que o chefe do Exército, Sacasio Martínez, “ordenou suas tropas a dobrarem o número de criminosos e militantes que matam, capturam ou forçam a se render em batalhas —e possivelmente aceitar um número maior de mortes de civis no processo”.
Depois da veiculação da reportagem, o ministro da Defesa, Guillermo Botero, anunciou uma investigação criminal para saber se a normativa do Exército fere os direitos humanos de acordo com a lei internacional. Mas disse que a reportagem estava “cheia de inconsistências”.
Cabal, do partido Centro Democrático, o mesmo do presidente Iván Duque, divulgou nas redes sociais fotos do correspondente, dizendo: “Este é o ‘jornalista’ Nicholas Casey, que em 2016 fez um incursão com as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] na selva”.
“Quanto teriam pago por aquela reportagem? E por esta de agora, contra o Exército da Colômbia?”, acrescentou.
Cabal criou uma hashtag, #CaseyEsFakeNews, e robôs espalharam a notícia de que o repórter seria próximo às guerrilhas e agiria cumprindo ordens de terroristas.
O Times respondeu à senadora que “já havia escrito histórias muito duras sobre as Farc, grupos rebeldes e outras organizações criminais” e que, neste caso, simplesmente reportou o que documentos escritos pelo Exército diziam.
A Associação de Imprensa Internacional da Colômbia afirmou em nota que a “estigmatização” dos jornalistas “põe em perigo” suas vidas.
O diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, disse no sábado que “essas práticas sugerem que o atual Exército e o Ministério Da Defesa não aprenderam nada com um dos capítulos mais escuros da história da Colômbia, o dos ‘falsos positivos’. Esses incentivos colocam em sério risco a população civil”.
Os ‘falsos positivos’ eram uma prática usada pela força pública entre os anos 2002 e 2008, sob o governo de Álvaro Uribe —padrinho político de Duque—, de executar civis a quem faziam passar por guerrilheiros mortos em confrontos.
Segundo a HRW, mais de 3.000 civis teriam sido assassinados dessa maneira nesse período. De acordo com a Procuradoria colombiana, 961 militares foram condenados por esse crime.
A Colômbia, maior produtora mundial de cocaína, viveu um conflito armado que durante meio século envolveu guerrilhas, paramilitares, agentes estatais e narcotraficantes, com um saldo de mais de 8 milhões de vítimas.
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