Com ameaça de renúncia, Uribe mostra que ainda dá as cartas na Colômbia

Ex-mandatário conseguiu ser o protagonista de um show que não é mais dele

Bogotá

Na semana anterior à posse de Iván Duque como novo presidente da Colômbia, o ex-mandatário Álvaro Uribe conseguiu o que vem logrando nos últimos anos: ser o protagonista de um show que não é mais dele. 

Neste caso, obviamente, o espetáculo deveria pertencer ao presidente que saiu, Juan Manuel Santos, e ao sucessor.

Mas o ex-presidente e congressista mais votado da história da Colômbia atraiu os holofotes ao dizer que renunciaria ao posto no Senado que acabara de reconquistar nas urnas. 

Sua explicação oficial nada dizia de concreto. Afirmava se tratar de “uma questão de honra” pelo fato de ter sido convocado pela Corte Suprema a responder uma acusação de compra de testemunhas para prejudicar outro congressista, Iván Cepeda.

O caso é que poucos na política colombiana acreditaram que a renúncia seria para valer, e depois ficou claro que se tratou de mais uma manobra por atenção e tempo. 

O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe na cerimônia de posse de Ivan Duque em Bogotá - Carlos Garcia Rawlins/Reuters

Ao perder o foro parlamentar, Uribe cairia na Justiça comum. O que pode parecer um contrassenso, porém, esconde uma salvaguarda: a proximidade com o procurador-geral da nação, Néstor Humberto Martínez, garante ao ex-presidente mais aliados ali do que na Corte Suprema.

Por outro lado, manter a decisão da renúncia tiraria de seu partido, o Centro Democrático, um líder importante no Congresso e o exporia a outros processos mais graves, como os casos em que é acusado de abusos de direitos humanos durante o período em que foi presidente (2002-2010), que poderiam começar a avançar.

Nos dias que se seguiram à declaração, Duque e outros membros do Centro Democrático pressionaram Uribe a não insistir nesse caminho, que deixaria o partido muito vulnerável no Congresso.

Logo o ex-presidente voltou atrás e, na terça-feira (7), assumiu seu cargo no Senado.

Seguirá tendo que responder pela suposta compra de testemunhas à Corte Suprema, mas já demonstrou a esses juízes que tem uma carta na mão se sua situação se complicar —a renúncia e um tribunal mais amigável na Justiça comum.

Para o analista Mauricio Vargas, “Uribe sabe que em algum momento terá de dar explicações, mas até isso tudo avançar, ele já terá influenciado em decisões no Congresso, terá levado Duque a tomar medidas que o favorecem, terá conseguido mudar coisas no acordo de paz [com a ex-guerrilha Farc, selado por Santos]”.

Desde a posse, sua intensa atividade nas redes sociais não diminuiu. São publicações diárias citando o que Santos fez de ruim e o que Duque supostamente irá mudar.

Os primeiros meses de gestão serão cruciais para saber o quanto o novo presidente poderá agir de modo independente de Uribe e de seus aliados em várias esferas.

A terça-feira da posse já o mostrou bastante presente. Ovacionado pelo público duas vezes, quando citado por oradores, viu a cerimônia correr conforme planejou. 

Enquanto Duque fez um discurso conciliador, mirando o centro e sem ataques ao acordo de paz com as Farc, Ernesto Macías, líder uribista do Senado designado para entregar-lhe a faixa presidencial, replicou com uma linguagem belicosa o discurso duríssimo contra o legado de Santos e contra o acordo usado pelo próprio Uribe.

Passou a imagem, aos colombianos, que Uribe desenhou o evento para um ser o “policial bonzinho” e o outro, o “policial mau”, ambos jogando o jogo como o ex-presidente dispôs no tabuleiro.

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