Descrição de chapéu The Washington Post

Líder catalão fugitivo, procurado por rebelião, disputa eleição via Skype

Carles Puigdemont vive em Bruxelas, enquanto outros líderes separatistas estão presos

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Michael Birnbaum Rebecca Banovic
The Washington Post

Carles Puigdemont tentou separar a Catalunha da Espanha. Agora, seu domínio é uma casa no subúrbio de Bruxelas.

Ele fugiu depois de ser acusado de rebelião, como resultado de sua tentativa de separar sua próspera província da Espanha. E está se adaptando a uma vida nova e estranha, na qual pode viajar para onde quer que deseje —exceto para as colinas verdejantes de sua terra natal.

Na segunda-feira, Puigdemont conquistou uma rara vitória contra o Estado espanhol, obtendo o direito de se candidatar a uma cadeira no Parlamento Europeu em 26 de maio, depois de inicialmente ter sido proibido de competir por decisão de um conselho eleitoral. O caso chegou à Suprema Corte espanhola.

Carles Puigdemont, ao apresentar sua candidatura ao Parlamento Europeu - Aris Oikonomou - 10.abr.2019/AFP

Como está tentando evitar captura pela polícia espanhola, sua campanha terá de ser realizada por Skype e Facetime. Ele participará via internet de comícios na Catalunha, da casa de tijolos rosados em Waterloo que Puigdemont e seus companheiros batizaram de "Casa da República".

Enquanto isso, alguns rivais e antigos companheiros disputarão a eleição de suas celas, na Espanha, onde aguardam julgamento por rebelião, desobediência civil e uso indevido de fundos públicos.

Puigdemont defende como estratégico o exílio que escolheu. "Decidimos viver aqui a fim de continuar a luta", disse Puigdemont em entrevista. "Se todos nós estivéssemos presos, a narrativa, a versão da crise catalã, seria muito diferente".

Ele disse que era só coincidência que sua nova casa e sede esteja localizada em Waterloo, o local da derrota final de Napoleão. (E aponta alegremente que a derrota de Napoleão foi o triunfo do duque de Wellington.)

A casa em Waterloo "é parte da Catalunha", disse Puigdemont, parecendo mais fatigado do que quando discursava entusiasticamente diante das multidões, em Barcelona e em toda a região, durante a malfadada campanha pela independência.

As paredes estão recobertas de arte catalã. As estantes estão lotadas de livros em catalão. Visitantes catalães vão e vêm, em um fluxo constante, entre os quais, na semana passada, uma equipe de ciclistas que veio de bicicleta da Catalunha.

Puigdemont também tem garrafas cheias de terra da Catalunha, que lhe foram dadas como presente pelos muitos catalães que tentam fazer da casa em Waterloo a embaixada de um país que não tem independência.

"Vivo aqui como um homem livre. Sinto-me em casa, de certa maneira, porque viver na Europa é bem confortável para mim", ele disse. "Mas não é exatamente meu escritório em Barcelona".

Seu velho escritório ficava no grandioso Palau de la Generalitat, um palácio do século 15 no centro de Barcelona. Foi de lá, em setembro de 2017, que Puigdemont e seus aliados decidiram realizar um referendo sobre a independência da região.

A Catalunha, que tem idioma próprio e é mais rica e mais industrializada que o restante da Espanha, há muito se sente incomodada com o domínio de Madri, e os partidos favoráveis à independência conquistaram cerca de metade dos votos nas eleições regionais anteriores ao referendo.

Mais de metade dos catalães boicotaram o referendo, mas, entre aqueles que votaram, a maioria esmagadora votou pela secessão.

O Estado espanhol reagiu com dureza e certa dose de violência policial —e Puigdemont fugiu do país enquanto outros integrantes de seu governo foram aprisionados e acusados de rebelião.

Puigdemont terminou chegando à Bélgica, onde recebeu abrigo de um partido separatista flamengo que simpatiza com a causa da independência catalã e na época detinha o Ministério do Interior no governo belga.

Agora, Puigdemont se levanta em tempo para uma conversa em vídeo às 8h com sua equipe em Barcelona, que ainda o chama de "Sr. Presidente". Ele dá entrevistas em vídeo a canais de TV catalães.

Discursa, via vídeo, em comícios políticos. Sua mulher e suas duas filhas, de nove e 11 anos ficaram na Catalunha, e por isso ele conversa com elas ao telefone pela manhã, quando estão a caminho da escola, e à noite ajuda uma filha com as lições de matemática, catalão e espanhol, via internet.

"Acordo a cada dia pensando que será meu último dia de exílio", ele disse —uma estratégia que o ajuda a suportar a distância e a continuar lutando pela Catalunha.

Mas existe o risco de que a Catalunha, e a Espanha, sigam em frente. Os líderes separatistas sempre estiveram divididos em facções. Os líderes que ficaram na Espanha e agora estão presos vêm fascinando a Catalunha com seus depoimentos.

Oriol Junqueiras, líder do Partido Republicano de Esquerda da Catalunha, vem encontrando sucesso considerável. Na eleição nacional realizada em 28 de abril, seu partido quase dobrou o número de cadeiras que detém no Legislativo, enquanto o Unidos pela Catalunha, o partido de centro-direita de Puigdemont, perdeu um assento.

O resultado faz de Junqueras, que está preso, o fiel da balança nos esforços do primeiro-ministro espanhol Pedro Sanchéz para encontrar parceiros de coalizão para o PSOE (Partido Socialista Operário).

Junqueras, que era vice de Puigdemont no governo da província, agora vai disputar com ele uma cadeira no Parlamento Europeu. Junqueras fará campanha da prisão. Puigdemont, de Waterloo.

O exílio forçou Puigdemont a buscar novas estratégias para se manter no noticiário.

Ele divulgou na semana passada um vídeo no qual declarava que a Catalunha criou uma linha de selos —na verdade, qualquer pessoa pode criar selos personalizados, no site do correio belga. (Puigdemont incluiu um símbolo do separatismo catalão em seu modelo de selo.)

Puigdemont gerou manchetes ao declarar que o Canadá tinha proibido que ele visitasse o país para discursar aos separatistas da província de Quebec. Mas na verdade a autorização não saiu porque ele solicitou seu visto por meio de um serviço com fins lucrativos, cujo site busca parecer oficial.

As autoridades canadenses disseram estar reconsiderando seu pedido agora que ele foi apresentado pelo caminho normal, gratuito.

"A cada dia que Puigdemont passa em Waterloo, ele se torna menos e menos relevante", disse José Ignacio Torreblanca, diretor do escritório do Conselho Europeu de Relações Exteriores em Madri.

Torreblanca disse que a dinâmica atual impede tanto Puigdemont quanto Junqueras de abandonar a exigência de independência para a Catalunha, porque quem quer que o faça será acusado pelo adversário de trair a causa.

O resultado final é um impasse, ainda que Junqueras tenha a possibilidade de obter concessões significativas para a Catalunha, e sua liberdade, se relaxar a exigência intransigente de independência.

"A rivalidade entre os dois líderes do movimento dificulta para eles chegar a um compromisso", disse Torreblanca.

Na Bélgica, Puigdemont minimiza os desentendimentos entre os líderes separatistas, afirmando que o principal problema é que Madri não tem planos claros para a Catalunha.

Ele disse esperar que a obtenção de um assento no Parlamento Europeu o ajude a levar a causa catalã ao palco europeu. A maior parte dos líderes da União Europeia aceitou a posição dos líderes espanhóis em Madri, durante toda a crise.

Os membros do Parlamento Europeu desfrutam de imunidade legal em suas viagens pela Europa, outro possível benefício para Puigdemont caso vença. Mas para assumir o posto —e ganhar imunidade a lei espanhola afirma que ele teria de viajar a Madri, o que traz a possibilidade de que seja preso assim que pisar em solo espanhol.

Puigdemont disse que se continuar exposto à possibilidade de prisão, ele não voltará à Espanha, e lutará para assumir o posto sem ir ao país.

"Meu compromisso é incluir na agenda europeia o discurso da autodeterminação na Europa", ele disse. "O apoio à independência é muito maior que no passado".

 

Tradução de Paulo Migliacci

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