Propostas para combater efeitos da mudança climática definirão eleição na Austrália

Consequências do superaquecimento na economia australiana fizeram atual premiê mudar de posição

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São Paulo

Já é eleição na Austrália, talvez o único país onde o grande debate da campanha é a mudança climática. O pleito para escolher os novos membros do Parlamento, neste sábado (18, noite de sexta no Brasil), está marcado pelas discussões em torno dos efeitos que o superaquecimento do planeta vem deixando na 19º economia do mundo.

“A questão climática virou o cerne do debate político na Austrália, pois passou a doer no bolso do agricultor e do pecuarista do país”, diz Leonardo Trevisan, professor de geoeconomia internacional da ESPM. Juntos, agricultura e pecuária contribuem com 5,2% do PIB australiano.

A nação foi assolada na virada de 2018 para 2019 pelo verão mais quente de sua história, com temperaturas de até 48,9 ºC na região sudeste, área agrícola produtora de grãos e vegetais. O calor extremo reduz o tempo de crescimento de plantas, por exemplo, e consequentemente a qualidade dos produtos, segundo estudo da Universidade de Melbourne.

Ativistas protestam contra instalação de mina de carvão em área próxima a Queensland, na Austrália
Ativistas protestam contra instalação de mina de carvão em área próxima a Queensland, na Austrália - Peter Parks - 1º.mai.19/AFP

Em outra parte do país, fazendeiros da região de Queensland, no norte, acompanharam estupefatos a morte de 500 mil cabeças de gado devido a enchentes em janeiro e fevereiro deste ano. 

As fortes chuvas caíram após sete anos de seca intensa, mas o que parecia ser um alívio tornou-se um pesadelo. Com as mortes, o prejuízo para o terceiro maior exportador de carne bovina do mundo (atrás de Brasil e Índia) foi estimado pelo governo em US$ 213 milhões, e a venda para o mercado externo deve cair 6% neste ano.

A situação tem levado fazendeiros, tradicionalmente conservadores e pouco preocupados com a questão climática, a se manifestarem. Quatro mil agropecuaristas reunidos na organização Farmers for Climate Action (fazendeiros pela ação climática, em português) pediram que “todos os lados [do espectro político] se comprometam com uma estratégia nacional significativa” para lidar com o clima.

Também querem que medidas ambientais do governo sejam baseadas em estudos científicos, e não em “política e pressões externas”. 

A eleição será definida entre dois opostos. De um lado está a coalizão conservadora dos partidos Liberal e Nacional, do atual primeiro-ministro, o religioso Scott Morrison, 51; do outro, a oposição do Partido Trabalhista, liderado pelo ex-sindicalista Bill Shorten, 52. 

As pesquisas dão margem de cinco pontos percentuais à frente para os trabalhistas, que podem voltar ao poder depois de um hiato de seis anos.

Uma pesquisa da rede de TV local ABC no início do mês com 100 mil eleitores mostrou que 29% elencaram o meio ambiente como prioridade absoluta, em comparação a 9% em 2016. 

A mudança de prioridades do eleitorado que ameaça tirar o partido governista do poder parece ter sido gestada nos últimos anos.

A emissão de poluentes no país aumenta constantemente desde 2014, ano em que o governo liberal de Tony Abbott, cumprindo promessa de campanha, abandonou a cobrança da taxa de carbono que recaía sobre empresas poluentes. O dinheiro arrecadado era usado em iniciativas para diminuir a emissão de poluentes e apoiar o crescimento de iniciativas de energia limpa. 

O imposto afetava sobretudo as companhias de eletricidade, o que elevava o preço da luz para os consumidores. O valor da conta, porém, não baixou com a mudança.

O segundo problema é que o setor de eletricidade, responsável por dois terços das emissões de carbono no país, é altamente dependente do carvão, uma fonte suja de energia. Além disso, a Austrália é a maior exportadora de carvão para geração de energia. Isso tudo significa que a transição para matrizes energéticas limpas não será fácil.

Diante do cenário, Morrison, o atual premiê, conhecido por seu desdém em relação à energia renovável, se vê obrigado a mudar de atitude para não perder votos.

Antes, em 2017, chegou a levar uma pedra de carvão para uma sessão do Parlamento e pedir aos congressistas que não tivessem medo do mineral.

Seu partido agora propõe reduzir os níveis de emissão de poluentes em 26% até 2030. A coalizão também propôs um “fundo de soluções climáticas” no valor de US$ 2 bi para os próximos 15 anos.

Já o Partido Trabalhista tem proposta mais ambiciosa: quer diminuir as emissões de carbono em 45% e implementar políticas claras para a adoção progressiva de carros elétricos.

As intempéries climáticas dos últimos anos parecem ter feito “o eleitorado cair em si do que está acontecendo”, afirma Trevisan. “Mesmo as áreas rurais mais conservadoras estão se mobilizando.”

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