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Denúncias de xenofobia contra brasileiros em Portugal crescem 150% em um ano

Queixas por discriminação étnica e racial no país dispararam, com alta de 93,3% em relação a 2017

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Lisboa

As queixas por discriminação étnica e racial em Portugal dispararam em 2018, com uma alta de 93,3% em relação ao ano anterior. 

Os relatos de xenofobia contra brasileiros —maior comunidade estrangeira no país— tiveram um aumento ainda mais expressivo: 150% em 12 meses.

O carioca Jhon Batalha, que diz ter sido vitima de xenofobia em restaurante no Porto
O carioca Jhon Batalha, que diz ter sido vitima de xenofobia em restaurante no Porto - Fernando Donasci/Folhapress

Os números fazem parte do mais recente relatório da CICDR (Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial), órgão de prevenção e combate às práticas discriminatórias em Portugal. 

De acordo com o documento, no ano passado foram registradas 45 queixas de xenofobia tendo como alvo brasileiros. Em 2017, foram 18.

Segundo os dados mais recentes do SEF (Serviços de Estrangeiros e Fronteiras), o número de brasileiros legalmente vivendo em Portugal cresceu 5,1% em 2017, a primeira alta desde 2010, quando quase 120 mil brasileiros viviam no país. 

Já em 2016, eram 81.251, número que subiu para 85.426 no ano seguinte —os dados de 2018 ainda não foram divulgados. 

A suspeita, porém, é que o número seja ainda mais alto, já que as estatísticas oficiais não incluem os brasileiros em situação irregular ou os que têm dupla cidadania portuguesa ou de outro Estado da União Europeia.

O resultado do relatório coloca a xenofobia contra brasileiros como a terceira principal causa de discriminação em Portugal, com 13% das notificações. Em primeiro lugar estão as manifestações preconceituosas contra ciganos, com 21,4% dos casos, seguidas pelos relatos de racismo, com 17,3%.

Em Portugal, ao contrário do Brasil, o racismo não é crime, mas sim uma contravenção, espécie de ocorrência menos grave e que prevê penas mais leves, como multa. 

Uma alteração na lei, em vigor desde setembro de 2017, aumentou o valor das multas e ampliou as possibilidades de punição, o que, segundo especialistas, ajuda a explicar o aumento das denúncias. 

Embora as queixas tenham aumentado, o próprio relatório deixa claro que ainda há uma subnotificação. Os casos de condenação judicial também são raros. 

“Não sinto que a xenofobia seja maior agora, os casos de discriminação sempre existiram", avalia a psicóloga Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, ONG que presta assistência a imigrantes brasileiros. "Talvez, com todo o movimento antirracista e maior engajamento nas redes sociais, esse comportamento tenha tido mais visibilidade. A comunidade brasileira também está mais empoderada.”

Caixa com pedras colocada no hall da universidade de Lisboa
Caixa com pedras no hall da universidade de Lisboa - Giuliana Miranda/Folhapress

Vivendo em Portugal há três meses, o carioca Jhon Batalha diz ter sido vítima de racismo e xenofobia no ambiente de trabalho, um restaurante na cidade do Porto, no Norte do país. 

“Acontecia todos os dias. Me chamavam de tudo: brasileiro burro, macaco, cabrão. Era um inferno”, conta.

“Eu aguentei firme durante um tempo porque eu realmente estava precisando do documento [contrato de trabalho] e do dinheiro, porque eu tenho uma filha no Brasil”, afirma.

Na última quinta (23), o brasileiro denunciou o caso à polícia portuguesa. “Quero ir até o fim com o processo, mas por enquanto não tenho dinheiro”, diz. 

A reportagem entrou em contato com o restaurante em que Batalha trabalhava, mas não obteve resposta aos pedidos de entrevista.

Em Portugal desde setembro de 2016, a empresária carioca Kelly Serra enumera com facilidade várias ocasiões em que diz ter sofrido preconceito por ser brasileira.

“No ano passado, minha filha [que é brasileira] veio me dizer que um professor havia passado um trabalho para casa, mas avisou que não iria aceitar fontes de pesquisas de origem brasileira. Segundo ele, ‘porque os brasileiros eram burros, não sabiam escrever direito e não conheciam a própria história”, relata.

“Apesar de ser um professor que sempre tratou a minha filha e outros brasileiros que lá estudam superbem, fiquei apavorada. Na reunião escolar que se seguiu, encontrei com esse professor e perguntei sobre isso. A resposta foi basicamente a mesma, mas de forma mais camuflada”, completa.

Imigrantes em situação irregular costumam ser as vítimas mais vulneráveis, especialmente no ambiente de trabalho, conta Cyntia, presidente da Casa do Brasil de Lisboa. “Temos muitos casos em que os patrões dizem que o imigrante tem de trabalhar por mais horas, ou mesmo ter um salário menor, porque o trabalhador está em situação irregular."

Por sua vez, as pessoas vítimas dessa exploração laboral têm muito medo de denunciar”, completa.

Estar em dia com a imigração, no entanto, não significa estar livre de embaraços. 

Em Portugal há um ano, Danilo Amorim, que tem também a cidadania espanhola, relata ter sido desrespeitado e ofendido ao pedir um documento em uma junta de freguesia (espécie de subprefeitura) lisboeta. 

Estudantes brasileiros protestam na entrada da faculdade de direito de Lisboa
Estudantes brasileiros protestam na entrada da faculdade de direito de Lisboa - Giuliana Miranda/Folhapress

“Arrogância e prepotência absurdas. Alguns serviços públicos tratam os estrangeiros como cavalos”, diz.

Nas redes sociais, relatos de discriminação e assédio têm sido recorrentes também no ambiente acadêmico, no qual os brasileiros são também maioria entre os estudantes internacionais.

No fim de abril, estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa se revoltaram ao se depararem, na entrada da instituição, com uma caixa de pedras contendo uma placa explicativa: “grátis para atirar em um zuca [termo normalmente pejorativo para designar brasileiro]”.

Embora os responsáveis pela instalação da caixa tenham afirmado que se tratava de uma sátira em relação à quantidade de brasileiros na faculdade, a universidade condenou a ação e abriu um processo disciplinar para investigar o caso.

Em 2014, uma alteração na lei facilitou o acesso de estrangeiros ao ensino superior português, permitindo até o uso das notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) como forma de ingresso nas universidades.

Com isso, a quantidade de estudantes brasileiros nas universidades disparou. São mais de 12,2 mil alunos, entre cursos de graduação e pós. O público internacional é especialmente disputado, uma vez que a lei autoriza a cobrança de mensalidades mais altas aos cidadãos de fora da União Europeia.

“Eu nunca me senti discriminada pelos colegas, mas cansei de ouvir comentários desagradáveis de professores. Um deles disse para todo mundo ouvir que brasileiro não sabe falar português, além de fazer piadinhas machistas durante a aula”, diz a paulistana Carolina Duarte, que concluiu no ano passado um mestrado em Portugal.

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