Descrição de chapéu The New York Times

Rússia e grupos de extrema direita tentam influenciar eleições europeias com desinformação

Atitude é semelhante à interferência do Kremlin no pleito americano de 2016, dizem pesquisadores

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Adam Satariano Matt Apuzzo
Londres | The New York Times

Menos de duas semanas antes de eleições decisivas para o Parlamento Europeu, uma constelação de sites e contas de mídia social vinculados à Rússia ou a grupos de extrema direita está difundindo desinformação, promovendo a discórdia e estimulando a desconfiança quanto aos partidos de centro que governam há décadas.

Investigadores, pesquisadores e organizações ativistas da União Europeia dizem que os novos esforços de desinformação compartilham de muitos dos traços e táticas de ataques russos anteriores, entre os quais a interferência do Kremlin na campanha presidencial dos Estados Unidos em 2016.

Sites extremistas de comentários políticos na Itália, por exemplo, portam as mesmas assinaturas eletrônicas de sites favoráveis ao Kremlin, e um par de organizações políticas alemãs usa os mesmos servidores empregados pelos hackers russos que invadiram as contas de email do comitê nacional do Partido Democrata em 2016.

O presidente russo, Vladimir Patin - Sputnik/Alexei Druzhinin/Kremlin via Reuters

Essas atividades oferecem novas provas de que, apesar de indiciamentos, expulsões e recriminações, os russos continuam firmes em sua campanha para aprofundar as divisões políticas e enfraquecer as instituições ocidentais. A despeito dos esforços de policiamento online das companhias de tecnologia dos Estados Unidos, continua ser muito mais fácil difundir informações falsas do que detê-las.

A Rússia continua a ser a força motora, mas os pesquisadores também identificaram diversos imitadores, especialmente na extrema direita. Essas organizações muitas vezes ecoam os argumentos do Kremlin, tornando difícil discernir a separação entre a propaganda russa, a desinformação da extrema direita e o debate político genuíno.

Os investigadores estão convictos, no entanto, de que as redes sites, perfis no Facebook, contas no Twitter e grupos no WhatsApp espalham histórias falsas e divisivas sobre a União Europeia, a Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan), a imigração e mais. Teorias da conspiração não param de surgir, entre as quais a de que o incêndio da catedral de Notre Dame, no mês passado, foi obra de terroristas islâmicos, de um serviço de espionagem ou de uma conspiração por parte da elite que governa o mundo secretamente.

Essas mensagens com frequência vêm diretamente da mídia noticiosa russa e são repetidas e amplificadas por outros veículos. Outras são camufladas com mais cuidado. O Facebook fechou duas páginas na Itália no ano passado por esconderem mensagens de extrema de direita no que pareciam ser sites de esporte e estilo de vida sem conexões políticas.

"O objetivo aqui é maior do que uma dada eleição", disse Daniel Jones, antigo analista do Serviço Federal de Investigações (FBI) e investigador do Senado americano, cuja organização sem fins lucrativos, a Advance Democracy, recentemente identificou diversos sites e contas de mídia suspeitas, denunciando-os às autoridades. "É dividir, aumentar a desconfiança e solapar constantemente nossa fé nas instituições e na democracia mesma. Eles estão trabalhando para destruir tudo aquilo que foi construído desde a Segunda Guerra Mundial".

As eleições para o Parlamento Europeu, que serão realizadas entre 23 e 26 de maio, são encaradas como um teste quanto à ascensão do populismo na União Europeia. Líderes populistas, muitos dos quais simpáticos à Rússia, formaram uma união informal na esperança de expandir sua influência no parlamento e, em seguida, redirecionar ou subverter a formação de políticas em Bruxelas.

Agentes dos serviços de informações europeus não acusaram o Kremlin de beneficiar candidatos na Europa, da forma que as autoridades americanas dizem ter acontecido na eleição presidencial de 2016, quando o presidente Vladimir Putin promoveu a candidatura de Donald Trump. Mas Putin vem tentando há muito tempo causar divisões na União Europeia, e apoiou movimentos que buscam solapar o bloco pelo lado de dentro.

O presidente americano, Donald Trump - Jim WATSON/AFP

É quase impossível quantificar a escala e a importância da desinformação. Pesquisadores dizem que milhões de pessoas acessam esse conteúdo.

Investigadores identificaram centenas de contas no Facebook e Twitter, mais de mil exemplos de mensagens do WhatsApp difundindo material suspeito, e uma mixórdia de sites dúbios que servem para "lavar" diversas variedades de desinformação —sejam teorias de conspiração sejam interpretações distorcidas das notícias.

Determinar se esse tipo de conteúdo muda comportamentos ou votos é algo que está em debate há muito tempo, especialmente agora que as companhias de tecnologia estão tentando reprimir atividades como essas. Mas pesquisadores de segurança afirmam que mudar o resultado de eleições é um objetivo distante para esse tipo de campanha, se é que pode ser considerado um objetivo. O ponto principal é distorcer a conversação, fazer com que as pessoas questionem o que é verdade, e erodir a confiança.

A Rússia descarta as acusações de interferência.

"A eleição nem aconteceu ainda e já somos suspeitos de termos feito algo de errado?", disse o primeiro-ministro Dmitry Medvedev, em março. "Suspeitar de alguém por um evento que ainda não aconteceu é paranoia das mais tolas."

Distinguir a interferência russa de técnicas usadas para atrair mais visitas a um site ou de expressões indignação política sincera é uma tarefa complicada, mesmo para os serviços de inteligência. A trilha digital muitas vezes termina em um beco sem saída anônimo da internet. Mas existem traços de interferência russa.

Em 2016, um site italiano chamado "Estou com Putin" apareceu online, para promover notícias favoráveis à Rússia e críticas ao Ocidente, na web. O site, agora extinto, tinha uma conta de "tracking" no Google que era usada também pelo site oficial de campanha de Matteo Salvini, primeiro-ministro assistente da Itália, de extrema direita, e visto como o político mais poderoso do país.

 

Na época, a direção de campanha de Salvini admitiu que um desenvolvedor de sites simpático ao partido havia criado os dois sites, mas declarou não ter relação com a página pró-Putin.

O líder da extrema direita italiana, Matteo Salvini - Bernadett Szabo/Reuters

A mesma conta de tracking no Google está associada ao site StopEuro, que promove reportagens da mídia noticiosa russa e de sites conectados ao Kremlin que criticam a União Europeia.

"O Kremlin reforçou e amplificou o poder de outros agentes venais e antidemocráticos para que expandam sua influência na Europa, criando um efeito bola de neve para sua agenda antiocidental", disse um grupo de trabalho da União Europeia em um de seus recentes sumários sobre a desinformação russa.

Na Alemanha, o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), recebe apoio forte tanto da mídia oficial do governo russo quanto de canais pró-russos extraoficiais. Mas Jones, o ex-analista do FBI, disse que o Kremlin também parece interessado em amplificar as mensagens dos mais ferrenhos adversários do AfD, a esquerda e o movimento antifascista. Isso sublinharia o que os analistas dizem ser o principal interesse da Rússia - semear o descontentamento político nas democracias, não importa que ideologia esteja em pauta.

Um exemplo: sites que parecem promover duas organizações antifascistas alemãs, Antifa West Berlin e Antifa Nord Ost, usam o mesmo servidor empregado por hackers a serviço do governo russo que atacaram o comitê nacional do Partido Democrata americano na eleição de 2016. As informações de registro de um dos sites alemães incluem um endereço de email anônimo que também foi usado para estabelecer um par de sites russos de "spearphishing" [uso de sites ou endereços de email falsos para obter informações confidenciais sobre a vítima].

Este mês, os dois sites convocaram milhares de seus seguidores no Twitter para uma manifestação contra o AfD em Berlim. Essa combinação nebulosa entre conteúdo online anônimo e ação de rua lembra a situação de 2016, quando organizações russas incitavam pessoas nos Estados Unidos a comparecer a comícios, que supostamente beneficiavam o movimento Black Lives Matter, ou a polícia.

Jones disse estar preocupado com a possibilidade de que o mesmo esteja acontecendo na Alemanha.

A organização Avaaz, um grupo de esquerda que defende a democracia, disse ter identificado mais de 100 páginas de Facebook que coordenam a divulgação de artigos, memes e vídeos para apoiar causas de extrema direita e populistas na Itália, o que inclui os partidos Liga, de Salvini, e o Movimento Cinco Estrelas, seu parceiro de coalizão no governo. Nos últimos três meses, essas redes obtiveram 18 milhões de seguidores e registraram 23 milhões de interações com os usuários, de acordo com a Avaaz.

Muitas das páginas parecem ter música, esportes ou viagens como foco, mas em meio a esse conteúdo há uma corrente de artigos de sites noticiosos de extrema direita. Uma página, "I Valori della Vita", se apresenta a seus 1,5 milhão de seguidores como um site genérico de estilo de vida, mas divulga material do site noticioso de extrema direita Leggilo.org de maneira coordenada.

Os pesquisadores dizem que as táticas de desinformação estão mudando da mesma forma que os hábitos digitais das pessoas, o que inclui o uso de plataformas de mensagens como o WhatsApp. Na Espanha, a Avaaz identificou uma campanha para difundir a falsa informação de que o primeiro-ministro Pedro Sánchez havia concordado com a independência da Catalunha. Na Alemanha, a Avaaz identificou dezenas de mensagens racistas ou anti-imigração.

"A importância da Europa é que ela serve de campo de testes", disse Ben Nimmo, pesquisador sênior no laboratório forense de pesquisa digital do Conselho Atlântico, que estuda a desinformação na Europa. "A situação lá pode servir como indicador sobre as diversas maneiras diferentes pelas quais pessoas podem estar tentando interferir."

Tradução de Paulo Migliacci

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