Fernando Canzian
Pouco mais de quatro meses e cerca de cem entrevistas em oito países.
Entre a viagem inicial ao Reino Unido e a publicação do primeiro dos cinco capítulos da série Desigualdade Global, esse seria o resumo da produção das reportagens que a Folha trouxe a seus leitores desde o dia 22 de julho.
Nelas, o jornal procurou mostrar como as disparidades de renda no mundo têm influenciado o voto de eleitores, cada vez mais inclinados na direção de líderes populistas, e o crescimento econômico global, constantemente ameaçado.
O período de quatro meses em que a reportagem percorreu e escreveu sobre o “lado B” e menos glamuroso de Reino Unido, França, Espanha, EUA, China, Índia, África do Sul e Brasil, representa, no entanto, só a parte mais conhecida do trabalho jornalístico —de ir a campo para ouvir pessoas.
Na arqueologia de reportagens desse tipo, há sempre peças do passado que levaram paulatinamente ao conjunto final, que pode se manifestar só anos à frente.
No caso da série Desigualdade Global, sua origem poderia remontar há uma década, durante meu trabalho de correspondente em Nova York para cobrir a crise global de 2008-2009 —que foi, basicamente, gerada pelo excessivo endividamento das famílias norte-americanas e europeias.
Um desastre maior naquele momento só foi evitado porque bancos centrais disponibilizaram, ao longo dos últimos dez anos, muito dinheiro barato (a juros baixos) para famílias, instituições financeiras e empresas em dificuldades.
Por trás dessa necessidade constante de endividamento estaria a perda de rendimentos das classes médias nos países do Ocidente —que concentram 85% das pessoas de alta renda no mundo—
e o persistente aumento da desigualdade.
A reportagem também demandou a leitura de vários livros e trabalhos acadêmicos sobre o tema, que começou muito antes dos quatro meses de viagens e entrevistas. Isso tudo para formar uma ideia suficientemente clara do que seria mais representativo a ser mostrado —com apostas calculadas para não desperdiçar tempo e dinheiro.
Feito esse planejamento muitas vezes angustiante, começa o melhor do jornalismo: ouvir estudiosos e pessoas comuns em locais tão diferentes quanto a Mongólia Interior, na China, e a favela de Khayelitsha, na Cidade do Cabo; passando por tiroteios no morro do Vidigal, no Rio, e a decadência de Oldham, no Reino Unido, berço da Revolução Industrial do século 19.
Tudo com a energia e as ideias inestimáveis do imenso fotógrafo Lalo de Almeida e a colaboração de Fernanda Mena, na parte brasileira, Patrícia Campos Mello, na Índia, e Lucas Neves, em Paris.
Além da edição sensível dos vídeos por Mariana Goulart e do trabalho de Simon Ducroquet, Thiago Almeida e Fernando Sciarra, além de outros jornalistas dedicados.
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