Sob pressão, presidente do Equador transfere sede do governo para Guayaquil

Moreno acusa ex-presidente Rafael Correa de tentar promover golpe de Estado

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Quito e São Paulo | Reuters

O presidente do Equador, Lenín Moreno, transferiu na noite desta segunda-feira (7) a sede do governo de Quito para Guayaquil e acusou o ex-presidente Rafael Correa de tentar um golpe de Estado contra seu governo. 

Desde quinta-feira (3), equatorianos saem às ruas, principalmente na capital, contra a alta nos preços dos combustíveis e medidas de austeridade

Em um pronunciamento em rede nacional, Moreno afirmou que as manifestações não foram provocadas por uma insatisfação geral. "Os saques, o vandalismo e a violência demonstram que há a intenção política organizada de romper a ordem democrática", disse.

O presidente acusou o seu antecessor e antigo mentor, Rafael Correa, de estar por trás de uma "tentativa de golpe de Estado".

"Não é coincidência que Correa [e aliados] tenham viajado ao mesmo tempo, há poucas semanas, à Venezuela", disse. Segundo o presidente, o grupo, junto com o ditador Nicolás Maduro, teria ativado "um plano para desestabilizar" o Equador. 

Moreno afirmou ainda que Correa está utilizando setores indígenas para inflamar as manifestações. "Recursos roubados estão financiando as agressões e os saques", disse ele, em referência aos casos de corrupção que envolvem o ex-presidente e seus aliados. 

Acompanhado de seu vice, Otto Sonneholzner, do ministro da Defesa, Oswaldo Jarrín e de comandantes militares, ele agradeceu o apoio das Forças Armadas e da Polícia Nacional.

Este foi o quinto dia de protestos contra medidas de austeridade do governo que provocaram a pior agitação no país em anos —o número de presos chegou a 477. Manifestantes indígenas paralisaram estradas ao redor do Equador e bloquearam uma via principal na capital, Quito, nesta segunda-feira (7).

O ministério da Educação anunciou que as aulas estarão suspensas em todo o país na terça-feira (8).

A organização Conaie, que reúne diversos grupos indígenas, afirma que as manifestações continuarão até Moreno anular as medidas tomadas na semana passada que cortaram os subsídios a combustíveis.

"Mais de 20 mil de nós chegarão a Quito para exigir que o governo derrube o decreto", disse Jaime Varga, presidente do Conaie, em uma entrevista coletiva. Ele também afirmou que as mobilizações desaguarão em uma greve nacional programada para quarta-feira (9). 

Com o anúncio dos líderes do setor de transportes, na noite de sexta, de que suspenderiam a greve iniciada na quinta (3), a perspectiva era que a crise arrefecesse. Não foi o que aconteceu. 

Movimentos indígenas e de trabalhadores voltaram a bloquear estradas, do planalto andino à costa do Pacífico, com pedras, galhos e pneus em chamas. A entrada norte de Quito estava paralisada.

A polícia ergueu barricadas ao redor do palácio presidencial, fechando o centro da cidade, enquanto Moreno presidia uma reunião do conselho de segurança do país para avaliar a crise.

Para completar, a empresa petrolífera estatal Petroamazonas suspendeu as operações em três de seus campos, segundo o Ministério da Energia do país.

A suspensão ocorreu depois que os campos foram “tomados” por “indivíduos não afiliados à operação”, afirmou o ministério no Twitter.

Moreno, 66, que abandonou as políticas de esquerda de Correa, diz que não tolerará desordens nem recuará do aumento dos preços dos combustíveis, parte de um pacote liberal de reformas econômicas.

Após o início dos atos, declarou estado de exceção em todo país, medida que pode durar até 60 dias, com a opção de ser estendida por mais 30.

Manifestantes entram em confronto com a polícia durante protestos em Quito
Manifestantes entram em confronto com a polícia durante protestos em Quito - Carlos Garcia Rawlins/Reuters

De acordo com o governo, dezenas de policiais ficaram feridos em confrontos com manifestantes, e um homem morreu após ser atropelado por um carro —a ambulância destinada a socorrê-lo não conseguiu alcançá-lo por conta das barricadas.

Ainda segundo as autoridades equatorianas, dezenas de manifestantes indígenas saquearam uma loja na cidade de Lasso (ao sul de Quito) na manhã desta segunda-feira. 

Além dos detidos por distúrbios, as forças de segurança também prenderam cerca de 20 lojistas por aumentarem ilegalmente os preços dos alimentos, em um efeito indireto da subida dos combustíveis.

Embora tenha apoio de empresas e militares, Moreno viu sua popularidade cair para menos de 30%, queda brusca em comparação aos 70% obtidos após a eleição de 2017.

Protestos liderados por indígenas já derrubaram três presidentes nos anos anteriores à chegada de Correa ao poder, em 2007.

Em um discurso no domingo à noite, Moreno reiterou os pedidos de diálogo. "Quero conversar com os irmãos indígenas, com quem compartilhamos causas", disse ele, acrescentando que os recursos seriam reservados para ajudar os pobres e compensar os aumentos de preços.

O governo tem de lidar com uma grande dívida externa e com o déficit fiscal, o que levou, no início deste ano, a um acordo de empréstimo de US$ 4,2 bilhões (R$ 17,05 bilhões) com o FMI (Fundo Monetário Internacional). O órgão exige medidas de austeridade em contrapartida.

Além de acabar com os subsídios aos combustíveis, o governo está cortando vagas de servidores e planejando privatizações. Moreno diz que os subsídios aos combustíveis, em vigor há quatro décadas, distorceram a economia e já custaram US$ 60 bilhões aos cofres do país.


Como o Equador chegou a esta situação?

Alta dos preços responde a demandas do FMI

Após o anúncio da suspensão dos subsídios a combustíveis, os preços da gasolina e do diesel subiram até 123% no país. Motoristas do sistema de transporte público, que lideraram os protestos no início, são uma das categorias mais afetadas pelo decreto.

A medida integra um pacote de controle de gastos públicos e responde aos compromissos estabelecidos com o FMI (Fundo Monetário Internacional) em troca de empréstimos de US$ 4,2 bilhões (R$ 17,05 bilhões), segundo acordo firmado em fevereiro

Manifestantes desafiam estado de exceção

Os protestos levaram ao bloqueio de avenidas e rodovias. Imagens mostram cenas de batalha campal em Quito, nos dois primeiros dias, e em Lasso, durante o fim de semana. Desde quinta, 477 já foram detidos

Há o temor de que a violência se intensifique com a promulgação do estado de exceção, que prevê a mobilização das Forças Armadas para conter protestos em todo o território equatoriano

Ex-presidente Rafael Correa declara apoio aos protestos

Ex-aliado de Lenín Moreno, o ex-presidente Rafael Correa declarou apoio às manifestações. Moreno foi eleito em abril de 2017, prometendo dar continuidade às políticas de esquerda de Correa. Mas, ao chegar ao poder, distanciou-se de seu padrinho político e forjou alianças com partidos de centro e de direita

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