Onda de protestos violentos se espalha pelo Chile e deixa ao menos 7 mortos

Apesar de toque de recolher, manifestantes mantêm atos; Piñera diz que país está 'em guerra'

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Santiago | AFP

A atual onda de protestos violentos que atinge o Chile ganhou contornos mais dramáticos neste domingo (20), quando dois incêndios em Santiago deixaram ao menos sete mortos. 

A onda de manifestações e confrontos, que começou na capital, se espalhou por diversas partes do país. Isso mesmo após o presidente Sebastián Piñera ter cancelado na noite de sábado (19) o aumento nas tarifas de metrô, estopim para a crise atual. 

Mas a decisão não foi suficiente para acalmar os manifestantes, que tomaram as ruas da capital e de outras cidades importantes, incluindo Valparaíso e Concepción —todas sob toque de recolher desde às 19h de domingo (o horário é o mesmo de Brasília).

O governo ainda não informou se a medida será mantida nessa segunda-feira (21). 

Apesar do decreto e da mobilização de quase 10 mil militares para reforçar a segurança, os distúrbios continuaram. Esta é a primeira vez que o governo chileno mobiliza o Exército nas ruas desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, em 1990.

Em Santiago, houve registros de violência desde a manhã de domingo e duas pessoas morreram em um incêndio no sul da cidade após o saque de um supermercado da rede Líder, controlado pela Walmart. 

Uma terceira pessoa ficou gravemente ferida, com 75% do corpo queimado. Os bombeiros levaram cerca de duas horas para conter as chamas.

Outras cinco pessoas morreram em mais um incêndio, dessa vez na fábrica de roupas Kayser, também na capital. O grupo ficou preso no segundo andar, onde estavam armazenadas roupas íntimas. 

Além disso, o ministro do Interior, Andrés Chadwick, disse durante a madrugada que duas pessoas foram feridas a tiros após um incidente com policiais.

Em pronunciamento à nação na noite de domingo (20), o presidente Sebastian Piñera afirmou que o país está "em guerra".

"Estamos em guerra contra um inimigo poderoso, implacável, que não respeita nada nem ninguém e está disposto a usar a violência e o crime sem nenhum limite", disse. "Mas vamos ganhar esta batalha."

Os saques ao comércio se estenderam por vários pontos de Santiago. Apesar dos grandes supermercados permanecerem fechados, muitos foram invadidos e saqueados após grupos arrombarem as portas.   

Imagens que circulam nas redes sociais mostram como pessoas, na maioria, jovens, forçaram os acessos a um supermercado da rede Jumbo e a outro da rede Lider.

A polícia e os militares —encarregados da segurança após a instauração do estado de emergência no sábado— tentaram impedir os saques, mas ficaram sobrecarregados. 

Os agentes de segurança usaram bombas de gás lacrimogêneo e jatos d’água contra os manifestantes. 

Assim, o centro de Santiago virou um cenário de destruição: semáforos no chão, ônibus queimados, lojas saqueadas e milhares de destroços nas ruas após os protestos.

Os manifestantes entoavam palavras de ordem como “chega de abusos” e, nas redes sociais, utilizam a hashtag “Chile despertó” (Chile acordou). 

Os protestos começaram na segunda (14), mas só ganharam força na sexta, após os manifestantes convocarem uma “evasão em massa” no metrô contra o aumento de 3,75% na passagem em horários de pico —a maior alta na tarifa desde 2010.

A população exige ainda mudanças no modelo econômico, para que sejam garantidos o acesso à saúde e à educação, hoje serviços quase completamente privados. 

Manifestantes também denunciam a desigualdade social e o baixo valor das aposentadorias. 

“Cansamos, já basta. Enquanto nos enganam, os políticos fazem o que querem e vivem longe da realidade”, afirmou a socióloga Javiera Alarcón, 29, que protestava em frente ao palácio presidencial. 

O Ministério Público informou que, até este domingo, 1.462 pessoas haviam sido detidas em todo o país por participação nos atos.

Os manifestantes também atacaram ônibus e estações do metrô —de acordo com o governo, 78 estações foram atingidas e algumas ficaram completamente destruídas. 

O prejuízo no metrô de Santiago supera US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão) e algumas estações e linhas demorarão meses para voltar a funcionar, afirmou o presidente da companhia estatal, Louis de Grange.

Dezenas de concessionárias e pedágios foram saqueados ou incendiados. “Estamos vivendo um alto nível de delinquência, pilantragem e roubos”, declarou Alberto Espina, ministro de Defesa.

O governo anunciou que as aulas foram suspensas na capital pelo menos até a próxima sexta-feira (25).

No aeroporto de Santiago, centenas estão impedidas de viajar e dormem no chão, aguardando que a programação de voos seja normalizada. 

Neste domingo, o presidente Piñera convocou uma reunião com ministros, aliados políticos e representantes de outros poderes para debater a situação. 

“A democracia deve se defender, usando todos os instrumentos que ela possui e o Estado de Direito, para combater quem quer destruí-la”, afirmou em discurso. 

O presidente convocou um diálogo “amplo e transversal” para atender as demandas da sociedade, mas até o momento nenhum líder foi convidado a negociar.

Além da paralisação do metrô, as linhas de ônibus também estão suspensas temporariamente, depois que cinco veículos foram queimados no centro de Santiago, o que deixou sete milhões de pessoas sem transporte público. 

“Não gosto de violência nem que quebrem tudo, mas de repente temos que permitir essas coisas para que deixem de nos enganar, subindo sem freio todos os preços para que os ricos se tornem mais ricos”, disse a vendedora de móveis Alejandra Ibánez, 38. 

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