Líder feminista vê presidente interina da Bolívia como retrocesso para mulheres

Para María Galindo, ascensão de Jeanine Añez foi impulsionada por 'valores morais muito conservadores'

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La Paz

À frente do coletivo Mujeres Creando, a boliviana María Galindo passou os últimos 13 anos criticando o governo de Evo Morales. 

Uma das ativistas feministas mais importantes da América Latina, ela acusava o agora ex-presidente de ser sexista, devido a declarações de preconceito contra mulheres, e reclamava da falta de políticas públicas que reduzissem o índice de mortalidade materna da Bolívia —hoje o mais alto da região.

Galindo, porém, não comemorou a chegada de uma mulher à Presidência do país. 

A autoproclamada presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez, em cerimônia com membros das Forças Armadas na sede do governo, em La Paz
A autoproclamada presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez, em cerimônia com membros das Forças Armadas na sede do governo, em La Paz - Carlos Garcia Rawlins/Reuters

Em entrevista à Folha, em La Paz, a ativista afirma que Jeanine Añez, que se declarou líder interina do país nesta terça (12), responde à “explosão de um anseio pelo fascismo e pelo racismo que cresceu na sociedade boliviana durante a gestão de Evo”.

Para Galindo, a autoproclamada presidente, que entrou na sede do governo boliviano com uma Bíblia na mão, “representa o retrocesso em termos de direitos da mulher”.

A ascensão da senadora de oposição, segundo a feminista, foi impulsionada por parte da sociedade boliviana que "sempre alimentou o racismo contra indígenas" e que tem "valores morais muito conservadores, contra os direitos da mulher". 

Esses dois aspectos teriam sido represados durante os anos dos governos de Evo devido à valorização do orgulho indígena, parte essencial do discurso do ex-presidente.

Depois de se declarar presidente interina, Añez exclui ao menos duas mensagens racistas publicadas em sua conta no Twitter.

A primeira, de 14 de abril de 2013, dizia: “Sonho com uma Bolívia livre de ritos satânicos indígenas, a cidade não é para os índios, que saiam daqui para os Andes ou para o chaco [região boliviana]”.

Já a outra mensagem era contra o Ano Novo aymara, etnia chamada por Añez de “satânica”, porque “a Deus ninguém o substitui”.

Ambos os tuítes começaram a circular a partir do fim da tarde desta terça-feira (12).

“Esses sentimentos agora afloram e se personificam numa mulher pouco culta, de carreira política sem protagonismo mesmo dentro da própria direita, mas com um discurso religioso que tem o poder de esconder o que de fato está por trás desse movimento, que são sentimentos muito negativos, como o preconceito e o sexismo.” 

Galindo considera que a religião também é usada para “tirar o foco da política” e opina que o modo correto de encaminhar as decisões após a renúncia de Evo seria convocar comitês plurinacionais, incluir o MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Evo, e dar claras mostras de que quer conciliar o país.

“Sua chegada ao poder e seus primeiros discursos, entretanto, indicam que ela entra no governo com seus valores e com seu grupo.” 

Por outro lado, afirma acreditar que as eleições serão convocadas, mas que, até lá, o panorama social deve seguir muito instável.

“Precisamos lembrar que Evo não desaparece da Bolívia só porque não está aqui. Sua presença está em muitas relações de poder, indicações, modos de funcionar do Estado”, diz.

De fato, mesmo do exílio no México, o agora ex-presidente segue à frente dos parlamentares ligados a ele —dois terços da Assembleia— e vem se manifestando com frequência por meio de redes sociais.

Galindo disse que está sendo questionada o tempo todo sobre se houve um golpe de Estado ou não na Bolívia. Em respostas, diz que a discussão é rasa e esconde a complexidade dos processos.

“Se é para falar em termos gerais, houve golpe [de Evo] e contragolpe [de Añez], mas nada se explica assim se não examinarmos as características do que gerou essa situação”.

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