Descrição de chapéu Brexit

Antigo reduto trabalhista, cidade se torna bastião da discórdia na eleição britânica

West Bromwich deve dar vitória apertada a conservadores por causa do brexit

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Londres

"Os conservadores têm medo da chuva", brincou Bill, enquanto escolhia bombons ao lado de sua mulher, Marie. O casal, que preferiu não dizer o sobrenome, era a oitava (e nona) tentativa de encontrar um apoiador do partido do primeiro-ministro Boris Johnson em West Bromwich, cidade apontada pelo instituto YouGov como um dos principais campos de batalha desta eleição.

Situado em West Midlands, berço da Revolução Industrial e uma das áreas mais prósperas da Europa há meio século, o distrito leste de West Bromwich jamais elegeu um político que não fosse trabalhista desde que foi criado, em 1974.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, conversa com eleitores na cidade de Washington, na Inglaterra
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, conversa com eleitores na cidade de Washington, na Inglaterra - Ben Stansall/Reuters

A vantagem chegou a 20 pontos percentuais na eleição de 2017. Apesar disso, uma reviravolta pode dar vitória desta vez aos conservadores, pela apertada vantagem de menos de 1%, ou cerca de 300 votos.

 
Um dos motivos é que esta eleição está sendo decidida menos por afinidades partidárias e mais pela posição em relação ao brexit. E uma crise econômica que se aprofundou a partir de 2016 deu popularidade na região à tese de que a solução seria a separação da União Europeia: em West Bromwich, que fica 170 km a noroeste de Londres, 70% votaram no brexit no referendo.
 
Mas "sou um cidadão europeu e quero continuar sendo" foi o que a Folha ouviu de Tony (que também só quis informar o prenome, assim como outros eleitores ouvidos para esta reportagem), 45, o primeiro morador entrevistado ao desembarcar na estação local, Sandwell & Dudley, depois de uma hora e 40 minutos de trem.
 
Sob chuva fina, vento forte e 8° C, ele arrumava laranjas em sua barraca de frutas.
 
Talvez o fato de que ele tenha nascido na Nigéria explique sua oposição ao brexit. Na barraca de roupas ao lado, o paquistanês Tarlocan, 67, teme que, "se os conservadores ganharem, vão mandar todo mundo embora".
Tarlocan, 67, nascido no Paquistão, vende roupas em West Bromwich
Tarlocan, 67, nascido no Paquistão, vende roupas em West Bromwich - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

Tony diz que não tem candidato, Tarlocan votará nos liberais democratas, e o indiano Mansill Sinesh, 29, desde os 9 no Reino Unido, nos trabalhistas.

Mas Ayat, britânico de nascimento, também é contra o brexit e vota nos trabalhistas. "A cidade está mesmo bastante dividida. Mas, para achar eleitor conservador, tente gente mais rica e mais velha", sugere.

Ayat, 21, faz parte da chamada geração Erasmus, que já nasceu europeia e desfruta do programa criado em 1987 para facilitar o intercâmbio entre estudantes do continente.

São jovens que moraram em outros países, fizeram amigos de várias nacionalidades e aprenderam outras línguas.

Nascido na Nigéria e cidadão britânico desde 2011, Tony arruma laranjas em sua barraca de frutas em West Bromwich
Nascido na Nigéria e cidadão britânico desde 2011, Tony arruma laranjas em sua barraca de frutas em West Bromwich - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

A tese de Ayat é endossada em parte pelo professor da London School of Economics (LSE) Patrick Dunleavy, para quem o brexit fez da idade (e não mais a classe social) o principal divisor nas preferências partidárias.

Tentemos então alguém acima dos 40. Mike Nichols, 56, espera o banco abrir em Oldbury, zona leste da cidade. Publicitário, nasceu e se criou nas Midlands e acompanhou o declínio econômico da região.

Mas não recusa a União Europeia. "Na eleição todos querem um culpado fácil. Sair da UE vai rebaixar o perfil político do Reino Unido, nenhum problema será resolvido, e os mais pobres sofrerão ainda mais", diz o eleitor dos liberais democratas.

Marilyn, 60, dona de casa? Trabalhista. Roger, 67, dono de uma loja de implementos agrícolas? Trabalhista.

No topo da escada cronológica apareceram Marie, 78, e Bill, 84, nem por isso conservadores. Para eles, há eleitores enganados pela ideia de que "basta se livrar de tudo isso que está aí".

Bill, 84, e Marie, 78, em supermercado de West Bromwich
Bill, 84, e Marie, 78, em supermercado de West Bromwich - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

"O Reino Unido precisa apenas de um ajuste fino", afirma Bill, que votará nos trabalhistas. "No final desse clima de tudo ou nada, todos continuarão intranquilos", opina Marie, que escolheu os liberais democratas.

 
A amostra não representativa dessa manhã, porém, não se sobrepõe aos achados do instituto YouGov, que em 2017 acertou 93% das cadeiras e em 2019 anima os conservadores da região.

No país como um todo, os trabalhistas podem perder até 51 postos, pior resultado desde 1983, e boa parte está sendo conquistada por conservadores no meio-norte inglês, segundo a pesquisa.

Vencer no distrito leste de West Bromwich daria ao partido do primeiro-ministro, Boris Johnson, "o escalpo dos escalpos", segundo o blogueiro de centro-direita Henry Hill, editor-adjunto do site ConservativeHome.

Candidato pelo Partido Conservador no distrito oeste de West Bromwich, o advogado Shaun Bailey defende a tese de que a virada de votos se explica por uma sensação de abandono dos eleitores. “É chance de dar o troco com uma guinada.”

As estimativas são de que, em todo o país, mais de 3 milhões de eleitores trocarão de partido, e o brexit é apontado por analistas como o principal motivo.

Para o cientista político Tony Travers, professor da LSE, mesmo os que atribuíam ao governo a culpa pela crise econômica foram seduzidos pelo discurso de Boris de que tudo será resolvido com a saída da União Europeia.

E o primeiro-ministro escolheu vários distritos trabalhistas das Midlands para a última semana de campanha.

É o caso da cuidadora de idosos Jo, 31, única a admitir ter trocado de partido por apoio ao brexit entre os moradores de West Bromwich que aceitaram dar entrevista à Folha.

Ainda resta uma esperança aos trabalhistas se os conservadores de fato tiverem medo da chuva, como brincou Bill: a previsão do departamento de meteorologia para a quinta (12), dia da eleição, é de chuva, vento e temperaturas em declínio.

Mas os registros de anos anteriores não mostram impacto do clima no voto: a abstenção não cresceu nos locais do país que enfrentaram piores condições meteorológicas.

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