Descrição de chapéu The New York Times

Associação de escoteiros dos EUA pede falência após onda de processos por abuso sexual

Entidade criada em 1910 é acusada de acobertar ataques a meninos que participavam das atividades

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mike Baker
The New York Times

A BSA (Boy Scouts of America, a associação americana de escotismo), presença icônica na vida do país há mais de um século, deu entrada na manhã desta terça-feira (18) a um pedido de proteção por falência, sucumbindo diante de pressões financeiras que incluíram custos legais crescentes para lidar com acusações de abuso sexual.

Fundado em 1910, o movimento de escoteiros mantém em sua sede no Texas arquivos detalhando décadas de alegações sobre quase 8.000 chamados “perpetradores”, segundo um especialista contratado pela organização.

Nos últimos meses, advogados disseram que ex-escoteiros se adiantaram para identificar centenas de outros abusadores não incluídos nos arquivos.

Estátua de escoteiro em frente à sede da BSA, em Irving, Texas
Estátua de escoteiro em frente à sede da BSA, em Irving, Texas - Tim Sharp - 5.fev.13/Reuters

O pedido de falência foi registrado em Delaware. A expectativa é que ele dificulte a continuação dos processos litigiosos e defina uma data limite até a qual antigos escoteiros possam mover ações.

“Se alguma vez na vida você pensou em apresentar sua denúncia, o momento de fazê-lo é agora”, disse o advogado Tim Kosnoff, que trabalha há anos em processos ligados à BSA e integra uma equipe de advogados que criaram uma associação de vítimas, a Abused in Scouting (abusados no escotismo).

Não está claro até que ponto o processo de falência vai impor reformas ao movimento de escoteiros, que teria 2,4 milhões de participantes jovens, mas Kosnoff disse que o pedido de falência pareceu necessário em vista do número de pedidos de indenização que emergiram.

O advogado afirmou que gostaria, no mínimo, de ver a BSA promover uma limpa em sua direção e acabar com os salários altos de seus líderes, alguns dos quais recebem mais de meio milhão de dólares por ano.

Mesmo assim, Kosnoff acha “difícil ou impossível” visualizar uma nova estrutura que lhe dê confiança de que a entidade sem fins lucrativos mudou suficientemente.

Ele disse que a instituição, que opera desde 1916 sob uma carta do Congresso, pode ser obrigada a vender seus bens e permitir que uma nova organização com controles melhores venha preencher a lacuna.

O movimento de escoteiros já vem buscando maneiras de combater a queda de sua influência entre as crianças americanas; os 2,4 milhões de participantes menores de idade que a BSA afirma ter hoje representam metade do número que havia nos anos 1970.

Nos últimos anos a entidade mudou suas exigências para quem quer ser membro. Em 2013, permitiu a inclusão de escoteiros abertamente gays; em 2015, de líderes abertamente gays; em 2017, liberou a participação de meninas. Mas as pressões legais só vêm crescendo.

Outras organizações, incluindo dioceses católicas e a USA Gymnastics, também pediram proteção contra falência nos últimos anos quando enfrentaram processos legais pedindo indenizações por abuso sexual.

Os problemas da BSA remontam há décadas. Em artigo publicado no New York Times em 1935, a organização disse que tinha arquivos sobre centenas de líderes do escotismo rotulados como “degenerados”.

Enquanto seus registros remontam a um século atrás, a BSA resistiu à divulgação de alguns dos arquivos sobre um processo movido no estado de Oregon no início dos anos 2000 que levou um júri a ordenar que a entidade pagasse US$ 18,5 milhões em danos punitivos.

Os documentos desse processo continuaram selados até que uma decisão da Suprema Corte de Oregon em 2012 liberou sua divulgação pública.

As vítimas e seus advogados argumentam que os arquivos esconderam o problema e deixaram escoteiros em risco.

A BSA disse que instituiu medidas ao longo dos anos para exigir a verificação de antecedentes de voluntários, treinamento obrigatório e uma política que proíbe situações em que uma criança fique a sós com um adulto.

No ano passado a entidade Abused in Scouting começou a divulgar seu trabalho pelo país afora.

Desde então, já identificou quase 2.000 pessoas com queixas, incluindo pelo menos uma em cada Estado americano.

A idade dos clientes vai dos 8 aos 93 anos. Quando advogados divulgaram os nomes de outros potenciais suspeitos de cometer abusos, a entidade disse ter aberto uma investigação e apresentado 120 denúncias novas a órgãos policiais.

Robbie Pierce, 39, de Los Angeles, fez parte do movimento escoteiro ao longo de sua infância. Sua mãe comandava um acampamento de Lobinhos na Califórnia.

Em agosto de 1994, quando tinha 13 anos, Pierce disse que estava em um acampamento de uma semana em Camp Wolfeboro, nas montanhas de Sierra Nevada, quando ele e várias outras crianças, incluindo seu irmão, apresentaram sintomas de doenças e foram ao ambulatório do acampamento.

Ali, um homem que não era paramédico, mas um dos líderes do acampamento, examinou cada um dos garotos em separado, disse Pierce. Ele disse que o homem lhe mandou tirar a roupa e então acariciou seus genitais, dizendo que estava verificando se havia uma hérnia.

Os meninos não comentaram o que aconteceu até que o irmão de Pierce mencionou o incidente, anos mais tarde, e contou o que lhe aconteceu naquela noite.

Pierce disse que só muito mais tarde ficou sabendo que havia um problema sistêmico na organização de escoteiros. Ele contou que ao mesmo tempo em que a organização ajudou a formá-lo e lhe proporcionou muitas experiências positivas, ele hoje afirma que ela precisa ser abolida ou transformada radicalmente.

“Ela possibilita que pedófilos tenham acesso a meninos”, disse Pierce. “Isso tem que parar. Não sei se isso significa acabar com os escoteiros ou impor algum tipo de fiscalização nova.”

O fato de os delitos já terem prescrito pode ser problema para muitos dos acusadores, mas uma nova lei estadual aprovada em Nova York abriu uma janela de um ano para vítimas de abuso sexual de qualquer idade abrirem processos legais.

Em dezembro, Nova Jersey abriu uma janela de dois anos. No mês passado oito homens moveram uma ação contra a Boy Scouts em Washington, dizendo que uma janela para ações legais, somada aos vínculos da BSA com a cidade, podem fazer dela uma jurisdição para ações movidas em todo o país.

Uma carta dada pelo Congresso à BSA, assinada pelo presidente Woodrow Wilson em 1916, elogiou o papel da organização em ensinar patriotismo, coragem e autonomia aos meninos. Mais de 110 milhões de americanos participaram de programas dos escoteiros ao longo dos anos.

Sob processos de falência, organizações podem sustar ações judiciais e conseguir que seja definido um prazo final para a abertura de processos.

Kosnoff disse que esses prazos muitas vezes são de entre 90 dias e nove meses, mas que ele pretende defender uma janela de um ano neste caso.

Ele também quer que o pedido de falência deslanche um processo robusto de buscar potenciais vítimas que possam acionar a BSA.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.